A opinião de quem se manifestou nas ruas de Barcelona

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A opinião de quem se manifestou nas ruas de Barcelona

"Rajoy é filho político de uma ditadura e devia ler a Declaração dos Direitos Humanos".

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

A notícia do dia [quarta-feira, 20 de Setembro] abalou algo mais que apenas as primeira spáginas dos jornais de meia Espanha. Referimo-nos, claro, ao facto de a Guardia Civil ter efectuado 14 detenções e várias apreensões de materiais relacionados com o Referendo da Catalunha, marcado para o próximo 1 de Outubro, o "1-O". A resposta de milhares de catalães foi imediata: deslocara,-se em massa para a frente do edifício do Conselho de Economia, para reclamarem liberdade democrática.

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Manchetes, directos de televisões e notificações a cair em barda no telemóvel. Desloco-me ao local para ver o que pensam os jovens sobre os acontecimentos, antes que a disparidade de posições políticas de outros meios de comunicação no relato de cada episódio desta encruzilhada, crie em mim uma espécie de alienação da realidade. Agarro na máquina fotográfica, meto-me na mota e ponho-me a caminho do olho do furacão, o número 19-21 da Rambla de Catalunya.

El primer manifestante que veo

No caminho encontro os primeiros manifestantes. Vejo gente pela rua que se dirige ao mesmo destino que eu, com bandeiras, cartazes e placards. A coisa promete. Estaciono e reparo que a concentração espontânea de algumas dezenas de pessoas que se manifestava contra as detenções políticas, já ultrapassava agora as centenas em poucos minutos.

Meto-me no meio da multidão, que gritava "Isto acontecia com Franco!" e começo a falar com algumas pessoas.

Joan a la izquierda con un cartel a favor del referéndum

Joan, 32 anos

"Faria o que for preciso pela Catalunha e pela defesa de todas as liberdades. Acções como esta são fulcrais para que as entidades catalãs se dêem conta que têm o nosso apoio e que estamos contra o governo espanhol.


Vê também: "Protestos no Centro de Barcelona"


Os Mossos [polícia catalã] têm que fazer o que têm que fazer. Não devem tomar uma posição, porque isto é uma coisa entre políticos e o povo, não tem nada a ver com as forças de segurança. As detenções de hoje são absolutamente lamentáveis. É um problema político que está a resolver-se nos tribunais. O que é preciso é diálogo e que se sentem à mesa a conversar, não é começar a deter toda a gente".

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Maria Rosa, 70 anos

"Estou aqui para lutar pelos meus direitos, da mesma forma que o fiz durante o franquismo e durante a transição. Parece mentira que, passados tantos anos, tenhamos ainda que sair à rua para defender a liberdade de expressão. Nada mudou, a não ser que antes a polícia desatava logo a bater em toda a gente com os cacetetes. Espero que não cheguemos a esse ponto.

Não quiseram aproximar posicionamentos. Somos democratas, falamos, entendemo-nos. Mas, em Espanha, parece que não querem ouvir, nem permitir que nos expressemos. Diria muitas coisas a Rajoy, mas vou calar-me porque seria demasiado escabroso para que o escrevesses".

Iu, à esquerda, com colegas de turma

Iu, 21 anos

"A Rajoy, dir-lhe-ia que olhasse para o que o povo quer. Um político tem que fazer política, não recorrer a leis antigas, uma e outra vez. Espero que haja uma parte do Estado espanhol que sinta que os direitos dos catalães estão a ser restringidos. Estão a brincar com a liberdade de todos, também com a sua própria. Não está a haver democracia.

Há algum tempo que estavam a ser tomadas acções muito pesadas contra a liberdade de expressão, mas o que aconteceu hoje ultrapassa tudo. Estávamos nas aulas quando nos apercebemos, vimos que o Secretário [Geral do Departamento de Economia catalão, Josep Maria Jové Lladó] tinha sido detido e decidimos vir para a manifestação. para além disso, estão a usar a polícia para que não possamos decidir o nosso caminho. Já não há liberdade de expressão".

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Miriam, à direita, com amigos, na manifestação

Miriam, 21 anos

"Julgo que outras Comunidades Autónomas de Espanha nos apoiam, porque se encontram na mesma situação, mas também vejo que há muitas reticências devido à desinformação dos media. Muitos pensam que estamos a fazer uma coisa ilegal e que não temos os recursos necessários para o fazer. Todas essas mentiras estão a criar uma situação de inquietude e mal-estar. Há a visão de que queremos a independência, porque odiamos os espanhóis. Esta justificação de ódio e medo não faz sentido. Não é racional, nem tem qualquer lógica.

Quando as acções são colectivas e levadas a cabo por um número muito grande pessoas, criam-se frentes de ódio. Isto acontece desde 1978. Durante a transição [da ditadura de Franco, para um regime democrático], não se rompeu totalmente com o fascismo e temos muitos problemas sobre os quais as pessoas não querem ser informadas. É uma vergonha que haja gente satisfeita com as detenções. Julgo que é patético e desprezível.

Se, do governo central, nos dizem que vamos no caminho da ilegalidade, deveriam antes olhar para eles, porque são os primeiros a não cumprir a lei. A legalidade também se faz de quebrar as normas e há inúmeros exemplos históricos disso mesmo. Ninguém votou na Constituição de 78, que foi feita por quatro burgueses. Nem as mulheres a puderam ratificar. Não faz sentido que se escudem numa Constituição obsoleta".

Ariadna e Pol, 27 e 22 anos

"O que aconteceu hoje é uma vergonha e toda a gente está a viver essa vergonha. A polícia é, simplesmente, uma marioneta, que faz o que lhes diz a gente de cima. Não estamos a reclamar a independência, mas sim os direitos humanos. É algo que vai muito mais além. Queremos votar e decidir o nosso caminho. A Constituição é alterada quando lhes interessa e isto é um movimento de cidadãos que tem de ser ouvido.

Se tivesse Rajoy aqui à minha frente repetir-lhe-ia as palavras de Rufián desta manhã: "Tire as suas mãos sujas das instituições catalãs". Se alguém não sabe o que isto é, que veja os inúmeros vídeos que meios de comunicação de outros países totalmente alheios à causa catalã, fizeram sobre o processo de soberania, como nos Estados Unidos. Vão conseguir ver o que se está a passar na Catalunha, narrado desde o exterior".

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Maria, 26 anos

"Pela Catalunha, não estamos dispostos a deixar que a Guardia Civil continue a fazer este tipo de coisas. Vivemos num estado policial e de repressão judicial, sem parâmetros políticos. O que se tem passado desde a falsa transição, é que o governo do Estado espanhol não tem tido a sensibilidade para integrar diferentes nacionalidades. À Catalunha, como outros sítios de Espanha, só resta o caminho da independência.

A independência é a única oportunidade para mudar tudo. Não queremos apenas votar, mas sim, desde o início, que nos ouçam. O presidente de Espanha, por exemplo, não se atreve a vir aqui, porque tem medo das primeiras fileiras do povo. A sua resposta é sempre não e veja-se o que está a conseguir. Se alguém está contente com as detenções, tem que reconhecer que é uma pessoa anti-democrática".

Marcel, 21 anos

"Estamos aqui para defender as nossas instituições, porque vemos que a nossa liberdade e direitos civis estão ameaçados pelas forças de ocupação e pela força do Estado espanhol que não é democrático.

Não sabemos até onde chegará tudo isto, mas estamos convencidos que o governo central vai dar tudo por tudo para nos privar das liberdades políticas e tentar evitar o 1-O. Nesse dia, as pessoas vão sair à rua, vão mobilizar-se e vão votar, mas o mais importante é o que se passará no dia 2 de Outubro e depois. Vemos cada vez mais gente a mobilizar-se.

Podem pensar à vontade que não passamos de uns freaks, mas deveriam escolher melhor as vossas fontes de informação e reflectirem sobre o que significa que haja tantas concentrações regulares do povo. Rajoy é filho político de uma ditadura e deveria ler a Declaração dos Direitos Humanos".

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Marcel, à esquerda, com a sua namorada

Marcel, 20 anos

"O que se passou hoje com as detenções é um golpe de estado. A Guardia Civil não pode entrar assim nas instalações das secretarias da Generalitat. Agora é o momento de sair à rua para lutar pacificamente contra isto. Para além disso, aos Mossos d'Esquadra foi entregue o trabalho sujo de dispersar as pessoas que estavam em Terrassa a resistir sem altercações. Vamos ver o que acontece.

Aqui vê-se claramente que não há violência. Há já muitos anos que saímos à rua. Até que chegue o 1-O, vamos ver este tipo de situações a repetirem-se para defendermos a democracia. Casos como o de hoje apenas vêm reforçar a ideia de que queremos sair deste país. Rajoy, demite-te já".

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