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Música

O que seria de nós sem David Bowie?

Sem ele não existiria punk, nem Kanye West, nem U2, nem tu.

De 'The Rise of David Bowie: 1972–1973.' Todas as fotografias são de Mick Rock/cortesia da Taschen Gallery

Sem ele não existiria punk, glam, post-punk, hair metal, goth, Brit pop, new wave, freak folk, new romantics, blue eyed soul, ou pop art (pelo menos como a conhecemos). A maior parte dos géneros musicais originais que adoramos e muitos dos géneros revivalistas que amamos já teriam ido à vida. Nada de glitter, nada de calças justas, nada de extraordinários cortes de cabelo (e, por isso, nada de Nick Cave ou Robert Smith). Nada de homens com tacões…que diabo, se calhar até muito menos mulheres de tacões.

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Nada de Kate Bush e Maxwell. Sem "Heroes", nada de U2, Coldplay, Arcade Fire, nada daquele abençoado absurdo grandioso para nos livrar do prosaico. Nada de Pulp - quem teria ensinado Jarvis a mover-se daquela forma? Nada de Talk Talk, Blue Nile, ou Japan. Não haveria "The Labyrinth", "The Hunger", ou "The Linguini Incident". E já que falamos sobre a visão, o humor, e perdoem-me, a fome de viver: nada de "Zoolander", também. Nada de Bauhaus, nada de The Smiths; sem aquele braço esguio à volta de Mick Ronson enquanto cantava "Starman" no Top of the Pops, não haveria Morrissey, Marc Almond, Boy George ou George Michael. Nada de Outkast ou Kanye West, apostaria eu, e apostaria também que eles concordam. Iggy Pop teria morrido ou descoberto que rastejar sobre vidro partido apenas lhe traria parcos retornos. Nile Rodgers provavelmente seria uma nota de rodapé no seu próprio sonho cocainómano. Eno teria desaparecido num nevoeiro de arte atmosférica e inútil.

Talvez não. Talvez nem tudo isto seja verdade. Talvez Scott Walker, ou Bryan Ferry, ou alguém de quem nunca ouvi falar numa realidade alternativa onde Marc Bolan ainda fosse vivo, teria tomado conta de todo este espaço livre e tudo teria acontecido exactamente como aconteceu. E não aconteceu tudo de forma perfeita? Em relação à música, digo. O mundo continua fodido, mas não foi fixe ter o David Bowie durante o tempo que o tivemos? E não é "Blackstar" uma adorável nota póstuma? Mesmo se não fosses fã - eu, claramente cheguei atrasado a essa festa -, a tua banda favorita, o teu corte de cabelo, a tua vida, provavelmente seriam bem piores sem ele. Claro que não há maneira de ter a certeza. Graças a Deus.

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David Bowie morreu e, por minutos, o equivalente à eternidade na internet, ninguém acreditou. Uma mistura de merecido cepticismo e uma espécie de "wishful thinking" quase infantil manteve a teoria de "treta" a bombar. Até à confirmação do seu filho, Duncan Jones, no Twitter. Logo a seguir a completar 69 anos? Logo a seguir ao lançamento do seu melhor álbum em anos? Todos os que o tinham subvalorizado como uma estrela rock decadente, começaram a engolir as suas próprias palavras e a fingir que sempre o adoraram. Foi como se Bowie tivesse lançado um último pedaço de confusão para nos lembrar como se fazem as coisas e depois, com toda a gente, mais uma vez, a tentar acompanhá-lo, desapareceu.

David Bowie foi um escritor de canções único. Um músico sofisticado, que fez com que os mais esquisitos se sentissem cosmopolitas. Um esteta que raramente recorreu ao simples bom gosto, um homem que abraçou a ficção científica e a fantasia em si próprio. Um sonho e sempre tão sonhador. Do seu primeiro sucesso (após anos de tentativas) com "Space Oddity", em 1969, ao glam e aos anos 70 de Berlim, até ao espanto que é "Blackstar", Bowie foi presenteado com a capacidade (divina, espiritual, secular) de mudar, se não o mundo, pelo menos mundos suficientes.

Sou um cínico - muitas vezes cruel, mesmo - que goza regularmente com as demonstrações de dor de pessoas que não conheço. Mas estou errado quando o faço. Particularmente em casos como este, em que tanta da música criada é capaz de oferecer conforto. Por todo o seu amor a Nietzsche, Bowie não fazia arte com a expectativa de receber retorno por parte do ouvinte. Talvez uma esperança de que pudesse dar um empurrãozinho ao ouvinte, mas era música livre.

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Ele tinha a noção do seu efeito na música e nunca deixou de se deixar afectar pelo que acontecia à sua volta, fosse Little Richard, Scott Walker, drum and bass, ou Kendrick Lamar. Ele não era um camaleão; simplesmente ouvia e tornava seu o que lhe aparecia à frente. A sua arte não era sentimentalista, nem sequer sentimental, pelo que não vou manchar a sua memória com muito disso (no entanto, se tu és sentimental ou sentimentalista não deixes que as reacções das redes sociais te impeçam de o ser).

Mas a música de David Bowie, a par do seu humor hilário e negro e, sim, sofisticado, será para sempre graciosa. E é sobre a sua música, as suas personagens, o seu artifício e a sua arte que estamos a falar. Não conheci o homem, ou homens neste caso, e se calhar teria um sentimento diferente se tivesse conhecido. Mas adoro a sua influência. Adoro o que deixou para trás na sua partida. É o seu presente; ele queria que o recebêssemos. Por isso, forma uma banda, ouve David Bowie, qualquer era de que gostes, e rouba-o sem medos.

Segue Zachary Lipez no Twitter.

mais fotos de David Bowie da autoria de Mick Rock e compra o seu livro.

Este texto foi originalmente publicado na VICE USA.