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VICELAND NO ODISSEIA

Um dos estagiários de "Jungletown" revela o melhor e o pior de Kalu Yala

Jake Fee esteve quase a abandonar a aldeia sustentável, mas decidiu ficar e explica porquê. JUNGLETOWN, série VICELAND, às terças, a partir das 23h30, em exclusivo no Canal Odisseia.
Jake Fee da série Jungletown na VICELAND
Jake Fee, estagiário de "Design Thinking", em Kalu Yala.

Nesta série VICELAND, transmitida em exclusivo no Canal Odisseia, acompanhamos a jornada de um empreendedor norte-americano, Jimmy Stice, na tentativa de construir uma cidade sustentável no coração da selva do Panamá.

O projecto atraiu dezenas de jovens, que o seguiram até esta localização remota, ansiosos para ajudarem a tornar o sonho em realidade. Mas, quando as coisas começam a ficar mais complicadas em Kalu Yala, os voluntários questionam se não terão cometido um erro. Abaixo podes ler uma entrevista a um dos estagiários do projecto, Jake Fee, originalmente publicada na VICE USA.

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JUNGLETOWN, vai para o ar todas as terças-feiras, às 23h30, em exclusivo no Canal Odisseia. E, como na VICE Portugal não queremos que te falte nada, aqui tens os primeiros episódios de cada uma das séries estreadas até ao momento. Fica atento às próximas novidades.


Na aldeia sustentável panamiana de Kalu Yala, há coisas boas, coisas más e quase nada no intermédio. No episódio desta semana de Jungletown, série VICELAND que documenta o processo de criação de Kalu Yala como comunidade, os estagiários organizam uma mini revolta que traz à superfície variadas dúvidas e exige respostas a questões como "Somos pioneiros ou colonizadores?" e "Para onde é que o nosso dinheiro está a ir?". Enquanto um membro do staff tenta acalmar as preocupações dos estagiários, a tensão subjacente em Kalu Yala é inegável e muitos decidem abandonar o projecto - alguns, todavia, apesar das ameaças, acabam por ficar, incluindo Jake Fee, o estagiário da área de Design Thinking.

"É muito entusiasmante estar no sitio errado na hora certa", diz à VICE numa conversa por telefone, a partir da sua cidade natal, Mankato, no Minnesota. No momento desta entrevista, Fee estava a terminar o curso de Estudos Organizacionais Aplicados, na Minnesota State University, que acabou por utilizar mais ou menos como uma oportunidade para viajar pelo Mundo. "Foi tipo um movimento de yoga que fiz," explica. E acrescenta: "Mas, estou a gostar de estar em casa, com a missão de manter em segredo todas as loucuras que fiz na selva".

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Vê o primeiro episódio de "Jungletown"


Abaixo, Fee conta-nos mais sobre os seus dias em Kalu Yala e o que pensa sobre o projecto agora que está de volta a casa.

VICE: O que é que te inspirou a ires para Kalu Yala?

Jake Fee: Fiz cada semestre da faculdade num país diferente - ando a juntar vários programas de intercâmbio até me licenciar [risos]. Quando andava a remoer o que devia fazer num dos semestres, apareceu-me no Facebook um anúncio de Kalu Yala e pensei "Uau, parece fixe. Mas, é muito caro". Contei aos meus pais e eles ofereceram-se para me ajudar a pagar a mensalidade, o que foi óptimo.

Kalu Yala atraiu-me em vários aspectos - mas, obviamente, a história de Kalu Yala é a história do excesso de marketing e uma concretização estranha dessas promessas, por isso fizeram um bom trabalho em aliciar-me. Não teria feito outra coisa nesse semestre e, se tivesse que repetir, faria tudo exactamente igual. No entanto, é interessante pensar na forma como me aliciaram e aquilo com que depois me deparei. O marketing era sobre um sitio que ainda não existia, mas que eu estaria a ajudar a criar.

O que achas da diversidade em Kalu Yala?

Acho engraçado ler comentários no YouTube, porque consigo imaginar as pessoas a dizerem "isto é 'privilégio branco' no seu melhor" - mas, não há ninguém mais ciente disso do que os hippies que lá apareceram. Foi decepcionante, ainda assim, que não tivéssemos trabalhado mais com os locais - pelo menos para mim. Pensa nos alunos - são uma catrefada de caras brancas, com situações financeiras parecidas e um nível de educação parecido. Talvez seja o grupo mais qualificado para ali estar, mas diversidade de qualquer tipo contribui para a eficiência de uma situação.

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Antes de ir, um dos meus pais perguntou-me "Vais ter que aperfeiçoar o teu espanhol?" e eu respondi "Meu Deus, claro que sim - vou, provavelmente, trabalhar com os locais. Eles vão-me ensinar o que sabem e eu vou ensinar-lhes o que sei". Pensei que este sítio no Panamá precisava de uma aldeia como exemplo e que estávamos ali para construir algo bonito, mas Kalu Yala é, basicamente, uma injecção de cultura ocidental na selva. É perigoso mandar estas espécies invasivas assim e esperar que tudo corra bem.



A dada altura de um episódio, dizes que estás pronto para te ires embora. O que te fez ficar?

Ainda não estou certo de como me sinto em relação a muito do que aconteceu. Foi bonito, problemático, suspeito, glorioso, arbitrário, específico, ambicioso - foi um pouco de tudo. Tive momentos em que estava pronto para me ir embora, mas percebi que preferia morrer do que fugir de uma situação que tinha tanto para me ensinar sobre o que não fazer. Ir embora nunca esteve de facto nos meus planos.

Adorei o que aprendi em Kalu Yala e não trocaria isso por nada - como não construir uma cidade, como não gerir uma quinta, como ser diverso. Sentir-me-ia muito culpado se me fosse embora e perdesse esta oportunidade de ver um exemplo desta estranha, rara comunidade pop-up a acontecer na selva do Panamá. Falei sobre ir embora, porque me senti muito enganado e desiludido, mas esse sentimento em si foi-me muito valioso e acho que não teria aguentado tanto se não fosse por ele.

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O que é que aprendeste com o teu período em Kalu Yala?

Tenho em mim todas estas experiências e não sei se alguma vez serei capaz de as ir buscar de forma independente [a Kalu Yala]. O facto de que uma catrefada de gente aleatória, com muito pouca orientação, consiga criar algo tão complexo, coeso e bonito é incrível. Foi maravilhoso saber que os humanos têm este tipo de poder. Ter esta experiência, com as mãos na massa, é algo que nunca me vai abandonar e cujo conhecimento prático me irá ser útil em várias situações.



As coisas merdosas são, provavelmente, parte de uma lista mais longa. O problema de liderança do fundador de Kalu Yala, Jimmy Stice, é o de não saber estar presente e ouvir. É um bom manager, mas como líder não é muito eficiente. Não me inspira. Houve momentos em que ele dizia tipo "Não te preocupes, eu pago isso," ou "Toma lá um hambúrguer, não te preocupes com o resto", o que é óptimo, mas ao mesmo tempo é tipo "Jimmy, eu paguei-te cinco mil euros - esse hambúrguer é oferta minha".

Também tinha a expectativa absoluta de compreender a história política daquilo em que nos estávamos a meter, enquanto estudantes. Não quero entrar de rompante no fim da Revolução Francesa a perguntar "Alguém quer bolo?". É preciso saberes a narrativa daquilo a que te juntas. Não haver protocolos de segurança também foi importante. Se não tens mais nada, precisas de ter protocolos de segurança. O facto de não existirem foi muito irresponsável.

Esse tipo de inconsistências eram tão gritantes para mim e para outras pessoas, mas acho que não seria agora tão fervoroso se não tivesse estado em Kalu Yala e não tivesse descoberto o quão fodido é quando não tens este tipo de coisas em ordem. Cada dia tinha altos e baixos - "adoro este sítio e morreria por estas pessoas," ou "uau, isto está tudo fodido, quem me dera que este sitio se desfizesse em cinzas". Num piscar de olhos tinha acabado, mas eu senti que estive lá 100 anos.


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