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Rica Pancita julga os sambas-enredo do Carnaval do Rio 2019

Baseado em criteriosa análise técnica, o Guerreiro do Som ouviu e avaliou todos temas e sambas do Grupo Especial carioca.
Rica Pancita julga os sambas-enredo do Carnaval do Rio 2019

Com o ano de 2018 chegando em seu final, venho aqui humildemente dar um tempinho nos lançamentos da semana para lembrá-los que CHEGOU O CARNAVAL. Chegou. Já está rolando. Aproveito então para apresentar todos os sambas do Grupo Especial do Rio de Janeiro de 2019, com suas respectivas notas baseadas em criteriosa análise técnica.

Informo aos desavisados que apesar do forte interesse, meu conhecimento no samba é bem superficial, sendo mais um palpiteiro profissional, como é o caso de qualquer jurado que irá definir a escola vencedora de 2019.

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Dito isso vamos ao faixa-a-faixa do maior espetáculo da Terra, porém com fortes restrições orçamentárias (pois acabou a mamata).

Beija-Flor de Nilópolis

Enredo: “Quem não viu vai ver… As fábulas da Beija-Flor” é um enredo auto-homenagem passando pelos principais desfiles da escola nos carnavais passados. Que ok, pega lá o “Ratos e Urubus…” do Joãozinho Trinta, alguns do Laíla, e até o PELEGUÍSSIMO enredo de 2018.

Nota: 9,7

Samba: Samba-exaltação animadão, bem pra cima, com vários trechos fáceis de pegar, que no fim das contas não fala sobre nada. O tema mesmo vai largando picotado ao longo da letra, junto com umas parada tipo “voar nas asas da felicidade”. Quanto à Neguinho da Beija-Flor, nada contra. Inclusive muito pelo contrário.

Nota: 9,7

Paraíso do Tuiuti

Enredo: “O Salvador da Pátria”. A Paraíso decidiu manter a onda da crítica social que botou a escola na 2ª colocação em 2018 e fez a galera lembrar que carnaval serve pra isso TAMBÉM. Dessa vez, vão contar a história do Bode Ioiô, que aliás é um bode mesmo, eleito vereador mais votado de Fortaleza em 1922, naquela beleza que era o voto de papel que você podia escrever o que bem quisesse. Então fica aí o bode enquanto figura de protesto político e pá.

Nota: 10

Samba: Ficaram de polêmica esse ano de novo porque o samba foi encomendado, então não houve a tradicional disputa entre sambas na quadra — que é muito bonito as fotos no Facebook, mas na verdade é um puta elefante branco o negócio. Mas, enfim, o samba: bem feitinho, conta o enredo bonitinho, daí você ouve “Do nada um bode vindo lá do interior / Destino pobre, nordestino sonhador / Vazou da fome, retirante ao Deus dará / Soprou as chamas do dragão do mar”. Aí você pensa: “Mas eles tão falando do bode mesmo?”. Aí eu respondo: tão falando do bode porque o enredo é sobre o bode.

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Nota: 10

Acadêmicos do Salgueiro

Enredo: “Xangô”. É isso. Homenagem ao orixá da justiça. E eu fui no Google pra ter certeza que ele é o orixá da justiça e não falar besteira aqui. Outro caso de seguir no esquema que deu certo em 2018, no caso o enredo afro (em 2018 foi sobre as matriarcas negras, teve aquele problema com black face e etc). Meu problema enquanto homem EUROCENTRISTA é que, ao menos no proposto até o momento, é um enredo de “bom ÓBVIO que todo mundo sabe quem é Xangô né, vamos pular a introdução” e pô, vê por exemplo quantos filmes tem do Homem-Aranha contando como que o Homem-Aranha virou o Homem-Aranha. Cabia um enredo mais Wikipedia aqui, viu.

Nota: 9,8

Samba: Ao menos na versão do CD, enredo afro é bom demais que os cara arrepia no atabaque e no tamborzão mais que a média. Então na playlist da Festinha de Carnaval, esse aqui é certeza de sucesso. Aí o ponto negativo é que eu (eurocentristaaaa) acho fácil demais enredo que vai citando os nome aí. Rima Oyá com Obà, Nagô com Xangô, Ariaxé com Candomblé, TREME COM TEME. O que que eles tão falando eu não sei, mas soa legal. Igual rap em inglês.

Nota: 9,9

Estação Primeira de Mangueira

Enredo: “História Pra Ninar Gente Grande”. Esse é o herdeiro direto do samba da Tuiuti de 2018, mas com uma responsabilidade ainda maior, porque a Tuiuti pegou a galera de surpresa — só foram dar atenção depois que apareceu o Vampiro Neoliberal e os Manifestoches na tela da Globo. Só que aí ficou geral de olho no que viria a seguir, e veio a Mangueira. O enredo do carnavalesco Leandro Vieira é o contra-ataque aos “guia politicamente incorreto” que conquistou as livrarias da nação. É o Escola Com Partido Pra Caralho. Citando a sinopse, é “um olhar para quem deveria estar nos livros e por que, os que estão, foram escolhidos para estar”.

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Nota: 10

Samba: O samba é perfeito. Dá pra decorar ele na íntegra em pouco tempo, ele foi feito pro coro. E tem trechos lindos como “a Mangueira chegou / Com versos que o livro apagou / Desde 1500 / Tem mais invasão do que descobrimento / Tem sangue retinto pisado / Atrás do herói emoldurado”. Foda. Trívia: o intérprete dessa OBRA, Marquinhos Art’Samba, gravou o jingle da candidatura do senador Flávio Bolsonaro. Talvez você não soubesse, agora sabe. Eu não precisava falar disso, mas enfim, tá dito (é bom o jingle, inclusive). Mas voltando ao samba-enredo: se na quarta-feira de Cinzas, durante a apuração, aparecer um jurado descontando um décimo que seja do samba é coisa de subir o cidadão na bicuda, cês me desculpa a sinceridade.

Nota: 10

Portela

Enredo: “Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar um Sabiá” é o enredo em homenagem à cantora Clara Nunes, totalmente ligada com a escola (e com o umbandismo). Segundo o presidente da escola, a homenagem era praticamente uma exigência da comunidade, que eles ficaram enrolando até hoje. Enfim chegou o momento.

Nota: 9,8

Samba: Eles se seguraram no tema afro religioso, então tem um Ogum aqui, um Oyá ali, mas sem gastar muito nisso. Fora isso, a descrição sobre a Clara e sua história está bem feita, mas a chance da letra “pegar” entre o público, na minha visão, é minúscula. É informação demais pra uma letra. Mas muito gostoso de ouvir a gravação.

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Nota: 9,8

Mocidade Independente de Padre Miguel

Enredo: “Eu Sou o Tempo, Tempo é Vida” é mais um enredo sobre: o tempo. O diferencial desse é o FEAT de Hans Donner, com os negócio dele lá com reloginho. Basicamente é só isso de diferente.

Nota: 9,6

Samba: Primeiramente, tem o Wander Pires cantando aí fica mais fácil, porque ele salva qualquer coisa. Bota o Wander Pires como vocalista do The Chainsmokers pra ver se não fica 150% mais legal. Então é um samba bom de ouvir. Já a letra, entre todas as hipóteses possíveis e imagináveis para tratar num enredo sobre a relação homem-tempo, ela decidiu focar completamente no saudosismo. “Tempo bom que não volta mais, ah que saudade”. Clichêzinho. Funciona, mas é clichêzinho.

Nota: 9,7

Unidos da Tijuca

Enredo: “Cada Macaco no seu Galho. Ó, Meu Pai, Me Dê o Pão Que Eu Não Morro de Fome”. É sobre pão. O porquê desse título imenso eu não sei. O porquê desse “cada macaco no seu galho” eu até li a justificativa na época mas nem lembro mais, porque realmente não importa. É sobre pão. PÃO. Pão de forrrma.

Nota: 9,6

Samba: O enredo meio que pedia pelos maiores clichês nível texto do Leandro Hassum sobre Carnaval “veeeem lááááá o Egitooo O QUE O QUE O QUE o pãozinho pra passar com requeijãããããooooo”, tipo isso. Mas não, até que saiu algo decente relacionando o pão com o sagrado, principalmente o judaico-cristão. Só que relaciona tão relacionado mesmo com o sagrado que os caras pilharam de enfiar um ÓRGÃO no samba inteiro que, valeu a tentativa, mas ficou bem zuado. Somado com a vinhetinha de rádio AM no final, esses elementos deram uma cagada na gravação que tava até com uma bossa (a famosa #paradinha) boa (gostei bem da bossa) e melodia gostosa também. No final sai uma:

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Nota: 9,7

Imperatriz Leopoldinense

Enredo: “Me Dá Um Dinheiro Aí” é sobre o nascimento e desenvolvimento do dinheiro e sua relação com o homem humano. Aí cê já pensa: “lá vem”.

Nota: 9,6

Samba: O samba tem a assinatura (entre outros) de Sir Elymar “Popular” Santos, o artista que escancara de vez. E aí ele TEVE que citar a primeira relação comercial entre europeus e índios no Brasil com “troca-troca ê, na beira da praia / um espelho por cocar / o negócio é um pecado”, porque é o Elymar e tem que ter uma SACANAGEM. Além de trechos como “tem pato mergulhado no dinheiro” que faz você esperar pelo pior na hora do desfile. Por fim o momento MEU DEUS DO CÉU presente em “o porquinho pode até ser virtual / hashtag no infinito, com cascalho, eu tô bonito / no espaço sideral” que pra quê isso galera?

Nota: 9,5

Unidos de Vila Isabel

Enredo: “Em Nome do Pai, do Filho e dos Santos, a Vila Canta a Cidade de Pedro” fala sobre a cidade de Petrópolis. O famoso enredo CEP. Enredo CEP é 98% de chance de ser enredo-cata-patrocínio. Espero que ao menos isso tenha rolado.

Nota: 9,6

Samba: O samba é legalzinho, porém há problemas. O que mais me incomodou foi que o intérprete (Tinga) não consegue falar o verso “Petrópolis nasce com ar de Versalhes”. Não consegue. Se na versão do disco o cara já não consegue cantar com clareza a letra na íntegra, na hora da avenida então, fudeu. “Petrópolis NÁ com ar de Versalhes”. Além disso tem o problema de todo o enredo CEP que é o ponto de vista do turista que deslumbrou demais, como e principalmente em “meu olhar lacrimejou / em águas tão cristalinas”. A versão paulista seria chorar de emoção com as belezas de Taubaté. Até dá, mas tem que tar empolgado demais.

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Nota: 9,6

União da Ilha do Governador

Enredo: “A Peleja Poética Entre Rachel e Alencar no Avarandado do Céu”. A Rachel é a de Queiroz, o Alencar é o José (de). Esse enredo TV Escola logo então é sobre a cultura cearense e a busca da União da Ilha em bater recorde de referências bibliográficas. Parece interessante.

Nota: 9,8

Samba: A letra decidiu que vai ser sertão, Padre Cícero, cordel e cangaço. Imagino que dá uma desviada no tema do enredo, mas sinceramente nem lembro muito das obras dos dois escritores. Tirando iss,o tem o ponto alto que é a voz do Ito Melodia, que eu nunca vou enjoar de ouvir ele falando “segura a marimba! Caraaaaaaamba”. Nunca.

Nota: 9,7

São Clemente

Enredo: “E o Samba Sambou” é a reedição do desfile de 1990 em que a escola, sempre na beiradinha do rebaixamento, conseguiu um honradíssimo 6º lugar na apuração. Uma crítica sobre os altos investimentos no carnaval, gastando mais dinheiro em carro alegórico e mochila voadora e telão de LED e camarote vazando som do DJ Alok a noite inteira do que no samba em si. Algo que ok, mas nessa época de fonte sequíssima e o campeão de 2018 ter sido AQUILO LÁ, já acho meio fora de tom.

Nota: 9,7

Samba: o samba obviamente é bom, até por ser um dos mais lembrados da escola. E a gravação ficou boa. Podia dar um caprichinho melhor né, nas bossinha e tal, mas tá bom também. O grito de “olha a crítica” no final pelamor segura a empolgação aí galerinha.

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Nota: 9,9

Acadêmicos do Grande Rio

Enredo: A escola que só não pegou um belo rebaixamento porque tem “muitos amigos” (e se pá um camarote rentável no sambódromo) veio tirando onda com “‘Quem Nunca…?’ Que Atire a Primeira Pedra!” que irá falar sobre as trucagem brasileirinha do dia a dia, inclusive prometendo fazer a auto referência na questão de virada de mesa. A ver. Galera do samba ficou putaraça com a certa cara de pau da Grande Rio em vir com essa logo depois de fugir de um rebaixamento, mas eu não acho o enredo de todo mal. Incomodou mais a imagem de divulgação, que colocava no mesmo patamar coisas como falar alto no celular e jogar lixo na rua com empurrar uma senhora idosa ou espancar um coleguinha da escola. Os cara tão meio doido.

Nota: 9,7

Samba: O samba é o hashtag #AturaOuSurta. Pode achar imenso absurdo esse enredo da Grande Rio, mas o samba não só desenvolve o tema com perfeição como o refrão “Quem nunca sorriu da desgraça alheia? / Quem nunca chorou de barriga cheia?” tem o desgraçado poder de grudar na cabeça do cidadão de um jeito que não vai sair de lá por alguns dias. Se a letra é meio bobilda é porque o tema “sambar pra educar” é meio bobildo mesmo.

Nota: 9,8

Império Serrano

Enredo: “O Que É, O Que É?”, caso você não saiba, é a famosíssima canção do Gonzaguinha do “viveeeeeeeerrrr e não ter a vergonha de ser felizzzzz”. E é isso. Eles decidiram pegar um samba de sucesso e meter ele na avenida e vamo que vamo. Ousado por fazer algo que nunca fizeram, e por dar férias coletivas à Ala dos Compositores da escola. Gerou debandada, gerou chiação, deu problema. Mas aí é o seguinte: esse será o samba que vai abrir o carnaval 2019, aí eu realmente acho que tem um potencial de ser samba levanta-galera. O que é preocupante, porque se isso der muito certo pode dar jurisprudência pra, mais pra frente, aparecerem com o enredo “Eduardo e Mônica” ou o enredo “Samba do Arnesto”.

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Nota: 9,7

Samba: Deixando de lado o fato de ser um dos maiores sucessos da porra da música popular brasileira, preciso dizer que: 1. coral de criancinha na gravação é um negócio cafona e chato demais demais DEMAIS meu Deus como é chato coral de criancinha; 2. isso é mais importante pro contexto, a gravação eu não tenho certeza mas deve tar em 140 no máximo 145 BPM. Enfim, a velocidade da gravação é o máximo que dá pra ir pra cantar aquela parte do “eu só sei que confio na moça / e na moça eu ponho a força da fé” sem embolar fudido. E das poucas certezas que temos na vida, além da morte, é que o esquenta da bateria na avenida vai ser mais rápido que isso. Logo, SE conseguir empolgar o público, o coro vai ser de “nãnãnã nãnãnã nãnãnã….”. E os intérpretes tão fudidos. Alô, intérpretes da Império Serrano. Vocês vão se embolar nessa parte da “moça”. E vocês sabem. A sorte é que provavelmente a primeira escola não tem transmissão ao vivo na TV.

Nota: 9,7

Unidos do Viradouro

Enredo: “Viraviradouro!” provavelmente é o enredo mais confuso de todos. E olha que eu vi a transmissão ao vivo da leitura da sinopse, que meteram um ator pra fazer papel de velha contadora de história. Aí ia lá a Vovó Mafalda do Viradouro e abria o livro com histórias e sei lá o quê. Então é sobre contos de fada? É TAMBÉM. Mas pode ser sobre mitologia. Mas pode ser sobre biologia. Pode ser sobre qualquer merda que tenha “transformação”. O lagarto que vira borboleta, o Corvette que vira robozão, o clip de metal que vira antena digital. Qualquer coisa. O verdadeiro enredo eu imagino que seja “o Paulo Barros tá com uns truque de ilusionismo foda pra usar no desfile TODO, aí só precisa ter algo que justifique”.

Nota: 9,5

Samba: a única certeza que tinha desse enredo é que VAI TER vovó aí lendo o livrinho. Isso aí garantiram. O que tem no livrinho, sei lá. O samba foi no garantido que é conto de fadas e magia, vibe infanto-juvenil. Aí é meio bobeira. A gravação também não traz nada de grandes destaques.

Nota: 9,7

Toda semana, o guerreiro brasileiro Rica Pancita seleciona a nata dos lançamentos do universo pop para a playlist só com o ouro fonográfico no Sexta Lançamentos por Rica Pancita.

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