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A Verdade Por Trás da Batalha por Moradia em Londres

Ocupação, despejo, resistência e promessas de novas casas acessíveis por parte governo inglês

O despejo de Rushcroft Road. Foto por Jake Lewis.

Mês passado, a polícia e os oficiais de justiça do Reino Unido foram até Brixton para despejar uma comunidade de ocupas. Mas quando chegaram a Rushcroft Road e se espalharam pelos seis prédios de propriedade da Autoridade Local de Lambeth, eles encontraram o lugar praticamente abandonado. “A maioria foi embora no final de semana”, explicou um residente, carregando seus pertences às pressas numa van algumas horas antes de o time de despejo chegar. “Eles estavam com medo de acabar com outra 'Clifton Mansions' nas mãos.”

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Localizada nas proximidades de Coldharbour Lane, a Clifton Mansions costumava ser uma das ocupações mais famosas de Londres. O que era antes uma propriedade do conselho abandonada, teve seus 22 flats ocupados nos anos 1990, transformando o local num verdadeiro centro cultural, que, pelo que consta, forneceu abrigo temporário para o artista Jeremy Deller e o vocalista do Pogues, Shane MacGowan. Condenada pelo conselho por “comportamento antissocial” e vendida para uma companhia privada, dez vans lotadas de policiais despejaram seus residentes em julho de 2011. O prédio foi convertido em apartamentos de luxo, alguns cobrando atualmente aluguéis de quase RS$ 2 mil por semana.

Hoje, a lembrança disso — bem como do caos da “festa de despedida” da Clifton Mansions — aparentemente levou os residentes de Rushcroft a saírem antes da sentença de morte. A festa final da Clifton Mansions foi concebida para ser um canto do cisne de seu legado. Mas o que aconteceu foi um evento superlotado que acabou com invasores mijando do telhado e outros tentando roubar o valioso encanamento de cobre do prédio. Um homem também foi atacado e roubado por estranhos.

A festa de despedida da Clifton Mansions. Foto via urban75.com/brixtonbuzz.com.

Num comunicado para a imprensa, Peter Robbins, o conselheiro de habitação do gabinete de Lambeth, não se desculpou pelo despejo dos moradores de Rushcroft Road. “Estamos realizando essa ação porque é injusto com os milhares de outros residentes que necessitam de moradia em Lambeth que uma minoria ocupe ilegalmente seis blocos de apartamentos na Rushcroft Road sem pagar nenhum aluguel ou taxa do conselho”, disse ele.

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Em resposta, manifestantes começaram a se reunir em Rushcroft Road às 7 da manhã, alegando que as motivações de Lambeth estavam bem longe disso. “O conselho já tem alguns guardiões de propriedade morando em alguns dos flats nos últimos três ou quatro meses”, me disse um ex-morador. Mesmo durante o período entre os despejos na Clifton Mansions e sua subsequente renovação, os guardiões de propriedade — depositários que renunciam aos direitos de arrendamento em favor de aluguel “barato” em propriedades que frequentemente contrariam a legislação de habitação — também foram instalados para evitar que os antigos moradores reocupassem a propriedade. “Não haveria tanta resistência a isso se essas casas estivessem voltando para o estoque de habitações social”, sugeriu outro manifestante. “Mas não vão. Elas serão vendidas como flats de milhões de dólares.”

Mesmo em menor número, os manifestantes tentaram impedir de forma obstinada que os oficiais de justiça entrassem na propriedade, mas não tiveram sucesso. Por lei, oficiais de justiça têm permissão para usar força razoável contra pessoas que só estão tentando proteger seus bens. Nessa ocasião, eles pareceram simplesmente violentos. Quando abordada sobre o assunto, a polícia vacilou, afirmando que eles estavam impedindo a violação da paz. No entanto, os manifestantes desafiaram a decisão do conselho, bloqueando as entradas e fazendo fogueiras. A tropa de choque, que têm sido presença regular nos protestos em Londres, estava visivelmente ausente. Em vez disso, uma mistura de policiais e oficiais de apoio da comunidade escoltaram os oficiais de justiça de propriedade em propriedade, sem se incomodar com a resistência dos manifestantes e respondendo aos provocadores com opiniões como: “Temos uma lei neste país que diz que se você possuiu alguma coisa, você pode fazer o que quiser com isso”. E: “Vocês tiveram muito tempo para organizar alguma coisa, foi só nisso que conseguiram pensar?”.

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Oficiais de justiça derrubam barricadas nos despejos de Rushcroft Road. Foto por Jake Lewis.

De fato, a questão do que fazer com Rushcroft Road tem preocupado Lambeth por anos. O conselho comprou os flats em 1975, pretendendo demoli-los como parte do esquema abandonado de regeneração “Barrier Block” — que planejava erguer uma dúzia de blocos de apartamentos como isolamento acústico para o barulho causado por um viaduto planejado para o centro de Brixton. Hoje, a única parte existente do projeto é o longo e brutal bloco de apartamentos Southwyck House. Depois do abandono do esquema, os flats de Rushcroft Road foram tomados por ocupas e, subsequentemente, designados como moradias de “curto prazo” pelo conselho, pelas quais os inquilinos pagariam pouco ou nenhum aluguel enquanto as autoridades deliberavam sobre uma decisão a longo prazo. Até essa semana, os seis blocos de Rushcroft ainda acolhiam uma mistura de conselho de arrendamento e moradias de curto prazo, assim como os ocupas que se destacaram depois de 2000.

Em abril, Simon Childs informou ao Guardian que Lambeth também é “[o] último conselho a lidar com seu portfólio de curto prazo, que chegou a ter 1.200 propriedades. Agora, o conselho pretende vender suas 50 moradias restantes. No final do ano passado, o conselho de Lambeth se comprometeu a trazer seu estoque de habitações existente sociais para o Padrão de Moradias Decentes. No entanto, com apenas RS$ 1,5 bilhão levantados para o projeto, há um déficit de RS$ 198 milhões”.

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A necessidade de reformar moradias em outras partes de sua jurisdição significa que, da perspectiva do conselho, a venda de três das seis propriedades em Rushcroft Road por estimados RS$ 18 milhões não é despropositada. Desde 2010, o conselho de Lambeth teve seu orçamento cortado em 45% como parte das medidas de austeridade do governo, então, seu comprometimento de devolver os três blocos restantes de Rushcroft Road para o aluguel social tem lá seus méritos. No entanto, o impacto positivo em fornecer mais moradias sociais é minado porque, fazendo isso, eles vão transformar outras pessoas em sem-tetos. Julian Hall, porta-voz da campanha Lambeth United Housing Co-Op, está preocupado.

“Não parece ter havido nenhuma tentativa de chegar a um acordo com os residentes”, diz ele. “Independente do status legal deles como ocupas ou inquilinos do conselho, temos pessoas que viveram em Rushcroft por mais de 30 anos, mas que não receberam nenhum 'plano B'. Ninguém nega que o conselho está passando dificuldades por causa do corte no orçamento, mas Lambeth tem fundos reserva, e purgar comunidades antigas não é um bom precedente a ser estabelecido.”

Southwyck House. Foto por Matt Brown.

Nenhum porta-voz do conselho de Lambeth quis comentar o assunto, mas um documento publicado recentemente no site deles afirma que o conselho ofereceu assistência para que os residentes de Rushcroft Road achassem outras acomodações. Dado que 16.729 famílias ainda estão na fila das habitações sociais em Lambeth, a natureza da assistência oferecida aos 70 despejados é incerta. Além disso, é bem provável que a assistência social e o Imposto sobre Quartos tenham dificultado a várias pessoas o acesso a um bem-estar essencial. Planos de despejo também estão em andamento para a Carlton Mansions, uma cooperativa habitacional nas proximidades que o conselho avaliou recentemente como insegura devido ao risco de incêndio, apesar de ter ignorado a propriedade desde que foi ocupada nos anos 1970, o que aumenta a suspeita de uma grande apropriação de terras no local.

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Independente disso, Lambeth não é um exemplo isolado da crise habitacional no Reino Unido. Em Londres, uma entre dez famílias aguarda por vagas em moradias sociais; na Inglaterra e no país de Gales, o número é de uma em cada 12. Como resultado, muitas pessoas são empurradas para o setor privado, que aumentou em 86% nos últimos três anos, enquanto outras se tornam simplesmente desabrigadas, situação que cresceu 26% nos últimos dois anos. Na base desse problema está a falta de habitações acessíveis no Reino Unido. Atualmente, o salário médio do britânico é de RS$ 128 mil por ano. Comparativamente, o preço médio de uma casa é de RS$ 840 mil — quase sete vezes mais do que a maioria das pessoas ganham em um ano. E, na última década, a construção de casas também caiu.

Para remediar isso, o governo se comprometeu em construir 170 mil novas casas acessíveis até 2015, um aumento acentuado na construção, mas ainda insuficiente para resolver a demanda de um milhão de casas até 2021, se o déficit habitacional não for resolvido. Além disso, produtos financeiros financiados pelo governo agora visam os compradores de primeira viagem — como 5% de hipoteca — mas isso provavelmente só irá se tornar um fardo para as famílias em forma de um débito de longo prazo. E representa uma tendência de dinheiro público sendo usado para financiar propriedade privada.

Xeique Hamad bin Khalifa al Thani, dono de £10 bilhões em propriedades em Londres, incluindo Harrods e Shard. Foto via Doha Stadium Plus Qatar.

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Um dos principais fatores para o déficit habitacional no Reino Unido é que o preço das casas está subindo devido à especulação imobiliária em Londres. Investidores ricos de outros países são atraídos pelos benefícios lucrativos oferecidos aos compradores estrangeiros, incluindo isenção de imposto sobre os ganhos capitais, imposto sobre herança e imposto do selo (que taxa a documentação envolvida na transferência de propriedades). De acordo com o “London For Sale”, um relatório feito pelo Smith Institute, 60% das novas propriedades vendidas em Londres ano passado foram compradas por investidores estrangeiros. Em 2011, eles gastaram mais de RS$ 18 bilhões adquirindo endereços em Londres — um número que excede até o orçamento para habitação social no mesmo ano.

Assim, a venda de um dos ativos mais valiosos de Lambeth é consistente com a narrativa global de austeridade vista na Grécia, Itália, Espanha e mesmo no Reino Unido. Isso já deveria ser uma história familiar, na qual o crash financeiro de 2008 e a Eurocrise de 2010 não foram aparentemente causados pela falha do mercado livre, mas sim, pelos gastos desregrados dos governos, que devem ser cortados impiedosamente para salvar a todos nós. E se isso significa o sucateamento de bens públicos vitais, como o Royal Mail e o Sistema de Saúde Nacional — assim como refugos inconvenientes, como ajuda jurídica a imigrantes — melhor ainda.

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No Reino Unido, o que essa narrativa omite, de forma conveniente, é que os gastos e empréstimos do Partido Trabalhista sob Brown e Blair foram amplamente consistentes com os objetivos e limites estabelecidos pelos governos conservadores anteriores. No entanto, quando até mesmo Ed Miliband, líder dos Trabalhistas, indicou que os eleitores não deve esperar um recuo na austeridade caso o partido vença as eleições gerais de 2015, parece que há poucas instituições políticas onde esse mito não é tratado como cumprido.

Outra foto da festa de despedida da Clifton Mansions. Foto via urban75.com/brixtonbuzz.com.

Um dos lugares afetados, claro, foi Rushcroft Road. De fato, não é difícil fazer uma ligação mais ampla entre esses despejos e uma oposição cada vez maior a qualquer um que pareça estar desafiando a natureza da propriedade privada. Ano passado, Westminster aprovou uma lei que proíbe ocupações em propriedades residenciais. “Posseiros que desobedecerem à lei [devem] receber uma punição adequada”, declarou o ministro penitenciário Crispin Blunt, numa consulta publicada antes da proibição em 2010. “Há lugares abertos para aqueles genuinamente destituídos, que não envolvem ocupar a propriedade de outra pessoa.”

Mas esses lugares são efetivos? Não só é extremamente difícil acessar habitações sociais no Reino Unido, como um relatório da Resolution Foundation sugere que o valor dos aluguéis tornou-se agora inviável para dois terços das famílias que vivem com salário mínimo. Um comitê especial da Câmara dos Comuns, escolhido especialmente para abordar a crise habitacional, publicou um relatório que destaca planos para combater senhorios ruins e permitir taxas de agenciamento, mas não o controle dos aluguéis. Recentemente, Patrick Collinson do Guardian sugeriu que isso se deve à preocupação do Partido Conservador que tal controle possa fazer os senhorios gastarem menos com a manutenção de suas propriedades. Num nível mais básico, isso também parece indicar a extensão do comprometimento do partido com os direitos dos proprietários de imóveis sobre seus inquilinos, apesar das circunstâncias críticas.

Se mesmo conselhos com maioria Trabalhista, como Lambeth, concordam com isso, parece que a confiança com que a polícia e os oficiais de justiça despejaram os residentes de Rushcroft Road não foi só uma conduta tática, mas um sintoma da extensão dessa ideologia de austeridade que agora é parte inquestionável da política comum — uma política que começa a se dedicar a derrubar os centros de oposição.

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