O cineasta canadense Alexandre Franchi explora o mundo dos facialmente diferentes
Fotos por Bertrand Calmeau.

FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Por que esse diretor focou em elencar pessoas com rostos incomuns

O cineasta canadense Alexandre Franchi explora o mundo dos facialmente diferentes – com um elenco que não exige maquiagem – em seu novo filme 'Happy Face'.

Como o canadense Alexandre Franchi descreve, a inspiração para seu novo filme, Happy Face, veio de um lugar sombrio e angustiante. O filme de título irônico conta a história de um jovem que usa uma máscara para se infiltrar num grupo de apoio para pessoas facialmente diferentes (antes chamadas de “desfiguradas”, uma palavra que não é mais considerada adequada). Lá, o estranho alienado se sente em casa entre pessoas que foram afastadas da sociedade porque se desviam da normalidade estética aceita.

Publicidade

O diretor premiado disse que o roteiro veio de suas lembranças da própria adolescência torturada, durante a qual sua mãe lutava contra um câncer. “Minha mãe gostava de maquiagem”, ele lembra. “Ela se definia muito por como parecia. O câncer tirou os seios dela, e o tratamento tirou o cabelo. Eu não levava amigos da escola para casa porque tinha vergonha da aparência dela. Aqueles anos foram uma mistura excruciante de querer ajudar, repulsa e culpa extrema.”

Ela sofria por “ter sido bonita um dia e ter perdido a beleza”, explica Franchi, “e isso ficou na minha cabeça por muito tempo. Esse é o cerne emocional do filme”.

1538582202924-outisders

O elenco de 'Happy Face'. Foto por Bertrand Calmeau.

Enquanto Franchi procurava o elenco para Happy Face, ele pensou em usar maquiagem elaborada pra criar os personagens do grupo de apoio para facialmente diferentes. Aí ele teve a ideia de abordar grupos de apoio reais e ver se as pessoas estavam dispostas a atuar num filme – pessoas que experimentaram a alienação e dor que ele escreveu no roteiro. Ele não sabia se alguém ia topar, mas mandou cartas para grupos de apoio da América do Norte e Europa.

E recebeu respostas. “Fiquei surpreso com quantas pessoas que tinham passado por alguma coisa – câncer, acidente de carro, uma doença – estavam curiosas sobre fazer parte de um filme”, diz Franchi. “Algumas disseram que sempre quiseram atuar, enquanto outras achavam que a experiência podia ser catártica.”

1538582532743-cindy

David Roche e Cindy Nicholsen. Imagem por Matthew Hays.

O cinema tem uma história longa e controversa sobre elencar pessoas consideradas diferentes por sua aparência. Em 1932, o diretor Tod Browning lançou o longa Freaks, considerado um marco por contar com artistas de circo interpretando a si mesmos. O cartaz do filme dizia “Uma mulher crescida pode realmente amar um anão?” O filme invertia a noção tradicional de beleza (os personagens de beleza convencional tinham almas feias, e vice-versa). Freaks foi recebido com desdém da crítica e décadas de censura. A fotógrafa Diane Arbus (1923-1971) citava Freaks como fonte de inspiração para suas famosas fotografias, que geralmente focavam em outsiders (entre eles artistas de circo, gêmeos, pessoas com Síndrome de Down e pobres). Browning e Arbus foram duramente criticados pelo que muitos viam como simples exploração.

Publicidade
1538582407685-robin

Noemi Kocher e Robin L'Houmeau. Foto por Bertrand Calmeau.

Franchi ressalta que, recentemente, uma crítica reversa é feita contra certas escalações, com ativistas pelos direitos dos deficientes expondo atores sem deficiências interpretando papéis de pessoas deficientes ou facialmente diferentes, como a produção da BBC The Elephant Man fez no meio do ano.

Franchi diz que superou qualquer questão de exploração compartilhando suas próprias histórias com o elenco, e os tornando parte da criação do filme. Nove anos atrás, Franchi ganhou prêmios no Festival Internacional de Cinema de Toronto e no Slamdance por seu primeiro longa, The Wild Hunt. Mas sua carreira no cinema ficou de lado enquanto ele enfrentava sua própria batalha contra um câncer de osso – o que levou a complicações que exigiram que parte da sua perna fosse removida e substituída por metal, e ele até fez um curta sobre isso. Depois de lidar com o câncer da mãe falecida e seu próprio câncer, Happy Face é meio que um retorno para Franchi, e também uma curva de aprendizado, considerando os novos desafios enfrentados por cineastas independentes (sim, o filme tem sua própria campanha obrigatória de financiamento coletivo).

1538582097214-Keith-Widdington

Keith Widdington | Imagem de 'Happy Face'.

Keith Widgington, um homem de Montreal que atua no filme como parte do grupo de apoio, diz que fazer Happy Face foi terapêutico. Em 2006, ele foi diagnosticado com câncer de pele e teve parte do nariz removido. Mas o câncer acabou se espalhando mesmo assim; e ele teve que remover cirurgicamente o nariz, a parte superior da maçã do rosto e parte do maxilar.

Publicidade

“Estar com outras pessoas que sofreram desfigurações faciais me fez sentir menos sozinho”, diz Widgington. “Muito do que dizemos no filme não estava no roteiro, então os diálogos são nas nossas próprias palavras. Era uma encenação de terapia em grupo, mas também era terapia em grupo mesmo.”

1538582953531-pool

Debbie Lynch White e Robin L'Houmeau. Imagem por Bertrand Calmeau.

Widgington disse que fazer o filme o ajudou a reduzir sua ansiedade. “A parte mais difícil de ser tão diferente é a destruição completa da sua autoconfiança. Eu odiava sair de casa. Depois de um tempo você simplesmente para de sair. Fazer Happy Face me ajudou a superar muita coisa. Percebi que muitas pessoas compartilham essas dificuldades. Agora estou bem menos preocupado com o que as pessoas pensam de mim.”

Happy Face estreou mundialmente no Festival du Nouveau Cinema no dia 6 de outubro.

Matéria originalmente publicada pela VICE Canadá.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.