O que aprendi sobre estilo e resistência na exposição dos Velvet Underground em Paris
Imagem principal: Nico, Andy Warhol, Velvet Underground, Los Angeles, 1965. ​Via Artstack.

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O que aprendi sobre estilo e resistência na exposição dos Velvet Underground em Paris

Uma verdadeira biblioteca ambulante, com uma pedagogia quase académica, mas sem ser chata, pois não se esqueçam, esta é a visita de estudo mais cool do Mundo.

Há dias quase perfeitos. A jornada tinha começado com uma promessa ao Eu, enquanto jovem, com a visita simbólica à campa do Jim Morrison. Ajustadas as contas com o passado, a tarde parisiense fez-se na exposição dedicada aos Velvet Underground, com o momento sublime dentro de uma cabana de madeira no meio da sala. Colchões no chão para, deitado, desfrutares as projecções no tecto e, como se não bastasse, a Nico a cantar-te o All Tomorrow's Parties, como se fosse a primeira vez. Aquela borboleta há muito perdida na barriga e que um dia sentiste, reaparece subitamente e parece que, por momentos, estás apaixonado pela vida outra vez.

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É este o efeito que a música tem - ou pode ter - e em época festivaleira é preciso meter alguma ordem nisto. Está tudo doido, os gostos são variados, o Rock In Rio demonstrou uma maior abertura ao indie, o Primavera Sound alargou o espectro musical a outras danças e tu, se fores de aparência "normal" (como a maioria de nós), provavelmente nunca irás aparecer nas enormes montras fotográficas oficiais dos eventos. Ou só em algumas, vá.

A escola do fotógrafo Martin Parr ainda faz falta a muita gente, o que não deixa de ser curioso, pois, claramente, uma das melhores exposições dos últimos anos foi precisamente Strange and Familiar: Britain as Revealed by International Photographers, com a curadoria de Parr, em Londres. Mas isso não tem mal nenhum, pois são os mais discretos que são os mais sábios, o restante swag destina-se a isso mesmo, a estilar. Serve isto para ir ao princípio das coisas e para nos determos um pouco sobre o enorme acontecimento que aconteceu em Paris - e não, não foi o David Guetta na abertura do Europeu de futebol, mas sim a inauguração da exposição dedicada aos 50 anos dos Velvet Underground.

Foto pelo autor, que prova inequivocamente que esteve mesmo lá.

Através da lente de Andy Warhol, o glamour do direito à diferença veio para ficar, como já se viu. É por isso que, para qualquer amante de música, ir ver esta exposição, é uma espécie de peregrinação. Os restantes swaggers que lá fiquem em pose, enquanto o resto da malta vai à visita de estudo mais cool do Mundo, "The Velvet Underground New York Extravaganza", na Philharmonie de Paris, até 21 de Agosto.

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Os acontecimentos têm destas coisas e, como é hábito, parecem estar reféns ou de números redondos com efemérides comemorativas, ou, pior ainda, à espera que alguém morra para ter o merecido destaque. Aqui será um pouco de ambas, mas 50 anos será sempre meio século e convém ir passando isso às gerações vindouras e não cair no esquecimento, pois às vezes parece que a memória morde, ou o raio que a parta.

Logo à entrada da exposição, uma instalação videoarte de Jonathan Caouette - autor, entre outros, do documentário sobre o festival All Tomorrow's Parties, pois claro - que ao som do poema e voz, America, de Allen Ginsberg, inicia o visitante ao mundo, contexto e época imediatamente anterior à formação dos Velvet Underground. Tudo isto através de uma mélange de som e imagem, um "mosaico febril de cultura popular" dos anos 1950, segundo o autor. Só pode ser um bom prenúncio. E é mesmo.

As biografias são fundamentais para se perceber que muita da arqueologia musical independente, teve origem em duas figuras seminais: Lou Reed e John Cale. Há pequenas ilhas dedicadas a cada um dos músicos - como a outras personagens do universo VU - assim como curtas-metragens biográficas sobre os dois fundadores da banda e também uma espécie de jornal de parede com mais dados e fotografias em papel.

Os loucos anos 60 do século passado são contados de uma forma bastante jornalística, clara, concreta, mas nem sempre concisa, pois há muito material de suporte para consulta. Uma verdadeira biblioteca ambulante, com uma pedagogia quase académica, mas sem ser chata, pois não se esqueçam, esta é a visita de estudo mais cool do Mundo, pelo menos da presente temporada.

Por diversas secções, o visitante toma conhecimento com os restantes músicos, Sterling Morrison, Maureen Tucker, Nico, os ciúmes, os artistas William Burroughs, Andy Warhol, Jonas Mekas, La Mounte Young, mais Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Bob Dylan, os anos explosivos, os sítios míticos, como o Chelsea Hotel, Cafe Bizzarre, ou as zonas de Greenwich Village, ou Lower East Side. A Factory foi uma verdadeira fábrica de sonhos, irreverência e experimentação, a música, muito cinema, o fantasma de Rimbaud, os penduras, os estranhos, o suicídio, os de passagem, as zangas, os flirts, o sexo, as drogas, tudo documentado e fotografado, as influências, os descendentes, as curiosidades, tudo isto é uma enorme New York Extravaganza.

Mais icónico que isto?

É uma viagem. Já é um cliché citar o que se diz sobre os Velvet Undergound, mas nunca é demais lembrar. Como uma espécie de mito urbano, parece que poucas pessoas os viram, mas as que tiveram esse privilégio formaram uma banda a seguir. Há descendentes, de Tom Waits a Patti Smith, e todo um revivalismo psicadélico actual. É uma Nova Iorque fora de horas, ao vivo e a cores, em Paris.

É um acontecimento ímpar, 50 anos depois, numa capital francesa actualmente a ferro e fogo, com manifestações contra o governo, greves e confrontos - a que se somam por estes dias os adeptos fanáticos da bola. Tudo isto numa altura em que ainda se lambem as feridas dos atentados terroristas em ambiente de rock n'roll. Foi, aliás, já nos escombros dos Velvet Underground, que Lou Reed, John Cale e Nico, tocaram no Bataclan, em 1972 [ver vídeo acima]. A história repete-se, mas viajar também é esta coisa de nunca ceder e a música tem essa capacidade de nos fazer resistir.