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reportagem

A misteriosa droga que está matando neozelandeses

A polícia chama a droga de cannabis sintética. Oito pessoas já morreram. Falamos com alguns usuários e pessoas que perderam entes queridos.

Matt Mokaraka, 22 anos. Todas as fotos pelo autor.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Nova Zelândia .

"Chamamos isso de 'synnie dance'", me diz Fabian Fahey, 18 anos, enquanto se abriga do vento sob os galhos retorcidos de uma pōhutukawa do parque Emily Place. Ele se refere à convulsão — agora algo depressivamente familiar e noticiado em todos os telejornais locais nas últimas semanas — que pode acontecer depois de fumar cannabis sintética. Uma caixa de Jim Beam e latas de refrigerante estão no centro do nosso pequeno círculo, enquanto Fabian e dois amigos, Blackjack, 23 anos, e Matt Mokaraka, 22, me contam suas experiências com a droga.

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Eles pararam, me dizem, e fumaram a substância pela última vez quatro dias atrás, logo depois que a polícia e legistas divulgaram uma declaração alertando sobre seus perigos: oito pessoas morreram depois de fumar a droga mês passado. Blackjack, o líder óbvio do trio, com seu cabelo comprido e ruivo e uma bandana da mesma cor do cabelo amarrada no pulso, explica a experiência. "Você fica instantaneamente dormente. É difícil dizer porque você esquece — a droga apaga sua mente. Você vira tipo um zumbi."

E isso parece ser a melhor sensação que um usuário pode esperar. Os três relataram histórias de terror pessoais com a droga, envolvendo desmaios, ficar roxo, vomitar e perder a memória, uma paródia horrível de uma dança. Eles falam sobre isso com uma distância enervante — um quase humor — como se suas experiências pertencessem a outra pessoa.

"Os três relataram histórias de terror pessoais com a droga, envolvendo desmaios, ficar roxo, vomitar e perder a memória, uma paródia horrível de uma dança."

Mokaraka tem um sorriso manso no rosto, sua figura alta agachada perto de seu rottweiler de oito meses, enquanto Blackjack — o único nome que ele me deu — conta sobre a vez que os dois fumaram juntos. "Ele ficou completamente fora de si. Não era ele mesmo. Era outra pessoa. A voz dele mudou, tudo mudou, sua personalidade mudou. Ele falava 'Vou te levar para um passeio. Vou te dar uma surra, cara'. E eu dizia 'Não, o que vamos fazer é ir para o meu quarto, esperar isso passar e depois dormir'."

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Nada disso parece engraçado. Por que usar então? Mokaraka, que antes tinha me dito que não usava cannabis sintética há quase um ano, descreve o ciclo de vício. "Você compra e fuma — com um bong — se sente chapado por uma meia hora e vai dormir. Aí você acorda e usa de novo. Aí você não tem mais no seu saco e vai comprar outro. É muito viciante." Ele chega mais perto do meu gravador, como para fazer um anúncio de utilidade pública: "Gente, por favor, não fume essa coisa, sabe, ou você vai morrer".

Um saco de US$20 [cerca de R$60], o suficiente para "deixar todos nós chapados", diz Blackjack, é "muito mais fácil de comprar que maconha. Você pode andar por Queen Street, falar com uma pessoa e saber exatamente onde comprar um saco da sintética. E eles não têm maconha".

De volta a Queen Street, onde conheci o trio, subo a ladeira para voltar ao escritório. Passo por um homem de meia idade inconsciente, com a cabeça caída sobre o peito, seus membros inferiores escondidos sob um edredom sujo. Uma mão segura uma garrafa transformada num bong improvisado, a outra um isqueiro.

"Ás vezes você precisa ficar adormecido, sabe?", me diz Blackjack. Nunca aquele parque pareceu tanto um lugar de onde eu precisava fugir.

Blackjack, 23 anos.

E não é só o centro de Auckland que está sendo afetado. Em West Auckland, segundo Allanah*, 26 anos, a coisa é ainda pior. "Não é nem metanfetamina, é a coisa sintética. Todo mundo diz isso, é por isso que essa coisa já é maior que a metanfetamina."

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E ela deve saber. Allanah me diz que sua mãe morreu depois de fumar maconha sintética em 30 de junho, participando de uma sessão com o filho (irmão de Allanah). "Os dois entraram em coma, mas ele acordou do estado em que entrou… minha mãe já tinha morrido. Eu já tinha visto ela ter convulsões algumas vezes e disse que isso afetava a família inteira, mas ela não ligava mais."

O irmão mais novo de Allanah também é um usuário habitual de cannabis sintética. Depois da morte da mãe e das notícias de outros casos fatais, agora o resto da família deixa ele fumar num barracão nos fundos de casa — eles têm medo de deixar o rapaz sozinho, e ele não vai parar de fumar. Perguntei a Allanah como é testemunhar o irmão à beira de uma convulsão: "É horrível. É como se ele fosse morrer. Ele fica roxo e espumando pela boca. Eu não… eu não entendo."

"Ele fica roxo e espumando pela boca. Eu não… eu não entendo."

A droga, ela diz, está por todo lado. "A coisa está muito ruim. É muito fácil comprar. Você acha no Facebook. Adolescentes, crianças compram. Toda vez que vou ao supermercado ou algo assim, é tipo 'Você quer comprar um saco?'"

Allanah conhecia Devonte Pierce, 17 anos, uma das mortes confirmadas por fumar cannabis sintética. Kamaro Petterson, 21, me disse que seu irmão mais novo fumava com Pierce, antes de os dois terem convulsões e prometerem parar. Para Pierce, a promessa não durou muito. Patterson: "É muito fácil para gente mais nova comprar. É difícil conseguir maconha de verdade agora que as pessoas estão usando a sintética para chapar, elas acabam tendo convulsões".

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Fabian Fahey, 18 anos.

Ninguém conseguiu me explicar o que a droga realmente é. Entre os usuários e gente familiarizada com o produto, o consenso parece ser que isso é damiana — uma planta nativa da América Central e do Sul vendida livremente — misturada com um coquetel de intoxicantes: ketamina, inseticida, acetona e veneno de ratos são algumas das apostas mais comuns.

Para o diretor da Drug Foundation da Nova Zelândia, Ross Bell, essa conjectura é o resultado de uma resposta oficial confusa. Bell diz que a polícia poderia resolver liberando os resultados de testes conduzidos com cannabis sintética apreendida em batidas anteriores. A polícia diz que eles "não estão em posição de liberar qualquer relatório com relação a investigações forenses".

Bell cita informações do Instituto de Ciência e Pesquisa Ambiental, que mostram que os químicos encontrados na cannabis sintética variam com o tempo, com um canabinoide chamado AMB-FUBINACA aparecendo na maioria dos testes recentes. A mesma droga já causou carnificina em outros países. "Parece que a abordagem dessa crise de saúde pública está sendo muito mal conduzida, e eles poderiam ser muito mais claros na informação liberada ao público."

"Parece que a abordagem dessa crise de saúde pública está sendo muito mal conduzida, e eles poderiam ser muito mais claros na informação liberada ao público."

O ministro da Saúde associado Peter Dunne, que se opôs ao Ato de Substâncias Psicoativas de 2013, que proibiu a venda legal de cannabis sintética, disse que a crise atual é "péssima, horrível", Mas também inevitável: "Eu disse na época que a única consequência dessa lei seria levar essa coisa para o submundo, onde não poderíamos regulá-la e controlá-la. E infelizmente, foi exatamente isso que aconteceu."

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Allanah também culpa a política do governo, dizendo que a droga nunca deveria ter sido tirada das prateleiras. Agora, segundo ela, a cannabis sintética está ficando mais forte e não há ninguém para regular isso. "Agora, mesmo se eles liberassem a droga de novo, as pessoas iriam para o mercado ilegal, porque o que eles vendem é mais forte do que o que você acha nas lojas."

Blackjack me disse algo parecido. "Quando eles vendiam a sintética nas lojas, tudo estava bem. Quando proibiram, o mercado underground tomou conta. A principal diferença é que as pessoas nas lojas se importam se você passar mal, porque elas podem ter problemas."

Ouvi várias vezes como é mais fácil comprar cannabis sintética que maconha. Me disseram que é exatamente por isso que as pessoas experimentam, achando o barato mais forte, e abandonando a coisa verdadeira. Allanah disse o seguinte sobre a mãe: "Eles tentaram fazê-la parar, mas não adiantou: a droga só foi ficando mais forte. Tentamos fazer ela usar maconha, mas quando ela tentou voltar para a erva, ela já não fazia mais efeito".

*O nome foi mudado.

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