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análise

Como o alegado teste positivo de HIV de Nacho Vidal está a afectar o porno espanhol

A paragem forçada da indústria está a obrigar os trabalhadores a procurar alternativas.
set de filmagem porno em Espanha
Imagem arquivos VICE

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Desde que foi divulgada a notícia do alegado teste positivo de HIV a Nacho Vidal, o mundo do porno está de pernas para o ar. "Muitas de nós ligámos directamente às clínicas para nos informarmos sobre os protocolos a seguir e, de momento, o único a fazer é parar de trabalhar e realizar análises, uma agora e outra daqui a dois meses, para garantir que está tudo bem", explica-nos Laura*, trabalhadora do sector. Não quer o seu nome verdadeiro publicado, porque lhe parece mal falar de um colega sem a sua autorização.

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O protocolo estabelece que, quando há um positivo de HIV na indústria, as gravações parem durante pelo menos 40 dias, com todas as consequências que isto implica. "Quem já tem um nome firmado, não é tão afectado", assegura Laura. E justifica: "Podem dedicar-se a fazer webcamming, ou a oferecer outros serviços online. Mas, para as iniciantes como eu a história é diferente. Temos que ir para outros negócios, como a prostituição".


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Depois da notícia do suposto teste positivo de Nacho Vidal se tornar viral, Laura recebeu uma grande quantidade de mensagens, de conhecidos ou clientes, a perguntar se estava bem. "É ridículo. Viralizou-se de tal forma que está a contribuir para reforçar o estigma à volta da nossa indústria. Sem saber como, as pessoas relacionam as palavras porno, SIDA e Barcelona", explica.

"Está a gerar-se muito reboliço à volta de um risco que todos nós já sabemos que corremos ao sermos actores e actrizes porno", diz por sua vez Ana*, que também quer permanecer no anonimato para, justificar, "não deitar mais lenha para a fogueira". E realça: "Do meu ponto de vista isto é muito triste. As estatísticas fora do porno é que deveriam causar medo".

A questão é que, de alguma forma, a revelação dividiu os trabalhadores da indústria porno espanhola. "Há muito pouco companheirismo", sublinha Ana. A actriz, que vê tudo isto como "uma grande injustiça", confessa: "Sim, há óptimas pessoas neste sector, mas não tantas como devia e este caso está a deixar isso bem claro. A mim, a notícia afectou-me, porque me apercebi que as pessoas não nos vêem nem como pessoas nem como profissionais. Vêem-nos como máquinas de fazer notas, com poucos sentimentos e como se nos pudessem vender, como um carro".

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Por outro lado, as pessoas que trabalham no cinema adulto independente não estão a ser tão afectadas. "Não trabalhamos ao ritmo do porno mainstream, nem com os seus performers", explica Silvia*, produtora e realizadora, que garante que não tiveram de cancelar nada, porque não tinham nada marcado para filmar.

Javi* é produtor de cinema adulto mainstream. Esta pausa afectou-o muito. Javi acha que o tema é complicado e, como considera que as suas declarações podem afectar o negócio, prefere não publicar o nome verdadeiro. Pelo sim pelo não, não pensa voltar a filmar até ao Verão. A produtora é dele e da sua namorada, que é actriz porno e webcammer e Javi é também seu manager. De momento, é esta a sua actividade principal.

"Acho que toda a cena porno está comprometida. Estou convencido de que o problema não começou no porno, é preciso averiguar o que se passa, mas duvido que a infecção tenha acontecido numa gravação", assegura o produtor.

Para ele, é muito fácil culpar a indústria: "Agora vai aparecer muita gente a falar sobre o mau que é filmar sem preservativo, mas nós no porno tomamos uma série de precauções exaustivas. É uma pena, porque esta notícia vai manchar a nossa imagem. O que mais me dói é que já é uma indústria que está demonizada por si só e casos como estes tornam tudo pior".

Javi realça que vê o seu trabalho como algo artístico e bonito. "Tanto eu como a minha namorada estudámos realização de cinema e vemos o nosso trabalho como algo igual ao cinema convencional, mas ainda mais divertido. Agora será preciso esperar uns meses para ver quem é que tem um problema e quem não. Está toda a gente um bocado lixada, há coisas por confirmar e é complicado", justifica.

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O panorama é diferente quando se trata de uma grande produtora. Pusemo-nos em contacto com Torbe, um dos produtores de porno espanhol mais conhecidos, que nos explicou que, a eles, a situação não afectou em nada. "Nunca tivemos contacto com Nacho Vidal e as duas únicas actrizes em comum gravaram connosco antes de alguma vez terem feito cenas com ele", assegura. A nível económico o produtor garante que também não teve qualquer impacto, visto que, como todas as produtoras, têm cenas gravadas e armazenadas para situações de emergência. Segundo revela, durante estes dias de pausa, vão publicar cenas já gravadas com outras actrizes que nunca estiveram em contacto com o actor que, supostamente, está infectado.

No entanto, as pessoas que trabalham como operadores de câmara, produtores ou maquilhadores em filmagens porno costumam ser freelancers e, agora, têm que ir procurar trabalho fora do porno. Alguns aproveitaram para tirar férias. Outros vão e vêm do porno consoante os projectos que lhes vão aparecendo, por isso esta pausa não os afecta. Este é o caso de Alberto*, técnico de som que trabalha, entre outros clientes, para uma das produtoras de porno mais conhecidas de Espanha. No seu caso, a cada três ou quatro meses grava seis filmes porno seguidos.

Já Pedro, apesar de afectado, não se mostra preocupado. É cameraman habitual da porn star Lara Tinelli e este mês cancelaram-lhe as gravações. "Agora, estou a trabalhar em videoclips, publicidade e também televisão de vez em quando", explica, "de certeza que há operadores de câmara a quem isto afectou mais, porque eu trabalho em várias outras coisas para além do porno". Esta paragem da indústria pornográfica espanhola teve, pois, efeitos diversos nos seus agentes mas, como em todas as crises, são os profissionais menos conhecidos os que são mais afectados.

*Os nomes foram alterados para proteger a identidade dos entrevistados.


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