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"Roma" devia ganhar o Óscar de melhor filme, mas é provável que isso não aconteça

Apenas 10 filmes de língua estrangeira foram nomeados para o Óscar mais cobiçado em 91 anos de história.
Imagem por Alfonso Cuarón, vía Netflix
Imagem por Alfonso Cuarón, via Netflix. 

Este artigo foi originalmente publicado na VICE US.

A Academia anunciou ontem as suas nomeações aos prémios Óscar 2019 e Roma arrasou, tal como The Favourite, tendo cada um dos filmes recebido 10 nomeações. O reconhecimento destas duas pérolas cinematográficas, inteligentes e frescas, é uma espécie de statement, especialmente durante uma temporada de prémios em que Green Book e Bohemian Rapsody, duas longas-metragens nostálgicas e revisionistas, que parecem empenhadas em suavizar a parte mais turva do final do século XX, levaram todos os prémios da indústria até agora.

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A história de Alfonso Cuarón, sobre a querida empregada doméstica de uma família no inicio dos anos 70 na Cidade do México, é maravilhosa, pela forma como a sua narrativa realista se desenvolve numa impressionante cinematografia a preto e branco. A história de Cleo, interpretada com uma cativante solenidade pela actriz estreante Yalitza Aparicio, é própria do momento, do lugar e do contexto histórico em que Roma tem lugar, mas reflecte as experiências das empregadas domésticas nos dias de hoje.

Também pode ver-se representada qualquer pessoa que se tenha visto obrigada a aceitar a hierarquia de um mundo injusto, ou que tenha sofrido uma perda num mundo que não pára de girar indiferente à sua dor.

Depois de ver Roma, o meu primeiro impulso foi escrever um tweet em como merecia o Óscar de Melhor Filme. Considero que cumpre todos os requisitos: é uma história comovente, sim; um guião habilidoso em vários idiomas, sim; interpretações espetaculares de todo o elenco, com menção especial para a calma elegante de Aparicio, sim; uma cinematografia encantadora, que evoca a natureza sonhadora das memórias de infância, sim.

Roma abriu caminho à diversidade no universo cinematográfico em vários sentidos. O filme está empatado com O Tigre e o Dragão como obra estrangeira com o maior número de nomeações. Aparicio é a primeira mulher indígena a conseguir ser nomeada para Melhor Actriz Principal. Roma é, também, apenas o décimo filme em língua estrangeira a ser nomeado para Melhor Filme. Se ganhar, será a primeira longa em língua estrangeira a consegui-lo nos 91 anos de história dos prémios da Academia.

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O mais provável é que os Óscares premeiem Roma de outra maneira. Esta temporada, Cuarón dominou a categoria de melhor realizador até agora, ao ter ganho nos Globos de Ouro e no Critics Choice Awards. Não estranharia que levasse para casa a sua segunda estatueta nesta categoria, com Roma. Também não estranharia que o filme ganhasse o Óscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira, mas, tendo em conta que esta é a primeira vez que um filme de língua espanhola tem a oportunidade real de ganhar o prémio mais cobiçado, relegá-la à categoria de melhor filme estrangeiro parece um prémio de consolação.

Custa pensar que a única coisa que trava Roma é não estar gravado em inglês. Numa década em que a indústria de Hollywood se viu envolvida em múltiplos escândalos, foi criticada por virar costas aos casos de abuso sexual e por ser "demasiado branca", conceder a Roma o prémio de Melhor Filme seria um acto radical. A Academia devia premiar este exemplo de obra de arte do cinema criada pelo realizador mexicano, que escolheu contar a história de uma mulher sem direitos, a partir da perspectiva do colonialismo e do capitalismo.

Para ser sincera, precisamos que mais filmes como Roma ganhem e precisamos que mais gente e mais estudos apoiem este tipo de projectos. O que a Academia considera que o público gosta não tem que ser representativo do que na realidade a comove. Roma é um exemplo excepcional de cinema necessário, pela forma como convida os espectadores a entrarem num mundo diferente e único, com a esperança de promover em nós uma nova visão do que nos diferencia e de como, na verdade, somos todos muito parecidos.


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