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Alejandro Jodorowsky quer prever seu futuro

Conversei sobre humor, cartas de tarô e mágica com o lendário surrealista sobre seu novo filme, 'Poesia Sem Fim'.
Uma cena de Poesia Sem Fim. Foto cortesia de ABKCO Productions.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Enquanto o público enchia o Museu de Arte Moderna de Nova York durante o evento com ingressos esgotados "Uma Noite com Alejandro Jodorowsky", o cineasta surrealista e mestre do tarô sentou na primeira fila, de costas para o público. Uma montagem projetada na tela em cima do palco continha cenas de seus filmes, junto com mensagens e citações desses filmes em letras pretas: "ALGO ESTÁ NOS SONHANDO". Do meu lado, um homem tirou uma foto, o flash disparando alto enquanto "ZOOM BACK CAMERA" aparecia na tela.

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Quando imagens fortes do infame faroeste surrealista da Jodorowsky de 1970, El Topo, enchem a tela, uma mulher atrás de mim sussurrou "O que é isso?" A falta de familiaridade com o autor, artista, e diretor chileno, no entanto, parecia incomum. O cinema estava cheio de devotos — ou, pelo menos, de uma curiosidade devota. O curador do MoMA e do PS1 Klaus Biesenbach então foi ao palco com Jodorowsky, para um diálogo que imediatamente demonstrou a tendência do cineasta em falar via símbolos, ou para afirmar — como ele chama — a "verdade poética".

Biesenbach tentou iniciar a conversa pelo começo da biografia de Jodorowsky: "Você cresceu no Chile, depois se mudou para Paris por um tempo, depois para o México." "Espere um pouco", interrompeu Jodorowsky, que descreveu um homem da cidade onde cresceu cujo nome lembrava "tarô". Ele continuou dizendo que o nome da cidade, Tocopilla, poderia significar "retângulo" ou "diabo", e que a cidade se localiza no paralelo 22 — o que é significativo, porque são 22 cartas dos arcanos maiores do tarô. "O tarô estava lá."

Me encontrei com Jodorowsky no dia seguinte, numa sala de conferência nos escritórios da distribuidora americana ABKCO Production. Pergunto se ele leu no avião, e ele interpreta minha pergunta como sendo sobre tarô, não livros, me dizendo que não lê tarô em aviões. "Mas eu estava pensando em tarô", ele diz, "porque memorizei o tarô. As setenta e oito cartas, consigo vê-las. Me diga um número entre 1 e 22. Agora." Ele me pede mais dois números e eventualmente outro, lembrando sem problemas as cartas correspondentes e, depois de alguns minutos, me ofereceu uma interpretação tão incisiva quanto qualquer leitura de tarô ou sessão de terapia de 45 minutos.

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Jodorowsky não é um cartomante. Ele não acredita que o tarô seja divinatório, mas um meio de acessar verdades presentes. "É uma conferência", me diz ele. Digo que acho seu pragmatismo sobre tarô muito interessante, já que ele atribui atos mágicos à amiga e pintora surrealista Leonora Carrington, cuja relação ele detalha em seu livro A Jornada Espiritual de um Mestre. "Mágica é real?", pergunto.

"Tudo que escrevo é real!", ele responde. "Ela era uma grande mulher surrealista porque era louca. Ela ficou louca na Espanha porque estava com Max Ernst, e o regime de Franco o prendeu — a vida toda ela foi louca. Mas a loucura dela era fantástica. Ela era uma poeta."

Pergunto se ele acha que as outras pessoas mágicas com quem trabalhou na vida também eram loucas. "Acho que você é louco", ele diz. "Você está fazendo uma entrevista louca neste momento porque está falando de si, dos seus problemas. Eu, eu sou uma pessoa que veio aqui para promover o meu filme, e você não está fazendo uma entrevista sobre isso — você está fazendo uma entrevista sobre suas dúvidas, seus sentimentos, o que você acha, como um filósofo, não?"

Jodorowsky me diz que estou preso no meu ego (meu "autoconceito"), mas está de bom humor enquanto diz isso — um tanto perplexo, mas não irritado. Digo que estou interessado em ver onde seu trabalho termina e sua pessoa começa. "Isso eu posso responder. Faça a pergunta diretamente: 'Onde meu trabalho termina e eu começo?' Não há trabalho e eu. Há só trabalho. Só trabalho. Sou uma consciência. Faço a mim mesmo enquanto faço o filme ou enquanto escrevo. Estou criando minha versão da vida, meu eu. Me crio da melhor maneira possível."

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Ele continua: "Estou tentando três coisas agora, se você quer saber", ele continua. "Estou em busca da verdade, e então descubro a mentira. Quando procuro a verdade, milhões de mentiras aparecem", a voz dele se torna musical. "Procuro a beleza, a feiura ali, milhões de feiuras ali. Ser gentil, o bom e o mau… Se não há verdade, não há beleza, não há bondade. Se não há bondade, não há beleza, não há verdade. Se não há beleza, não há verdade, não há bondade. Os três andam juntos. É isso que estou tentando fazer."

O novo filme de Jodorowsky, Poesia Sem Fim, é o segundo de uma série que começou com A Dança da Realidade de 2013 — seu primeiro filme depois de um hiato de 23 anos. Atualmente ele está escrevendo o terceiro filme da série, que vai detalhar seu tempo no México e Paris, além do começo de sua carreira no cinema e sua amizade com Carrington, Marcel Marceau e Andre Breton. Ele está desenvolvendo um projeto de documentário sobre psicomagia, um tipo de prática xamânica que Jodorowsky inventou, uma abordagem muito artística e moderna da psicanálise.

"Meu único inimigo é a idade. Posso morrer a qualquer hora", ele diz, rindo. "Toda manhã eu digo 'Huh! O que aconteceu? Por que outro dia?' Não posso perder tempo agora. Não há tempo há perder."

Quando eu tinha 18 anos, meu irmão e minha cunhada me levaram para assistir El Topo. A severidade do filme e justaposição de espiritualidade e violência eram tão chocantes quando hipnóticas, e quando Jodorowsky subiu ao palco para uma sessão de perguntas e respostas, suas maneiras forneceram um contraponto razoável para o estilo "pesadelo como iluminação" do filme. Ele dominava a plateia, e não estava menos engraçado naquela noite de quarta no MoMA. Durante a história longa e sinuosa sobre o filme Poesia Sem Fim, ele disse humildemente: "Estou falando demais, não?" Enquanto a risada geral se silenciava, Biesenbach disse que a discussão deveria "voltar para seus outros escapes para descobrir imagens" – o tarô – e Jodorowsky olhou para ele e respondeu "Mas não terminei de contar minha história".

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Pergunto se ele gosta de fazer as pessoas rirem. "Sim!", ele diz. "Wittgenstein disse: 'A sabedoria e o riso são a mesma coisa'. Sim, porque no riso você tem comunicação real." Pergunto se os filmes dele são engraçados. "Essa é uma pergunta interessante", ele responde. Fazer um filme é sofrer, ele explica — dormir apenas algumas horas por noite, ficar desconfortável, trabalhar muitas horas na pós-produção e edição. É difícil ser engraçado quando você sofre tanto, ele diz. "Mas também é um grande, grande prazer."

O evento do MoMA acabou com várias leituras de tarô para pessoa do público escolhidas aleatoriamente, incluindo a artista plástica Laurie Simmons. Jodorowsky deu uma breve introdução de sua prática, dizendo que "sincronicidade é uma coisa misteriosa", um exemplo de "realidade trabalhando com você, agindo com você. E o tarô é um exemplo disso".

Um membro do público subiu entusiasmado no palco quando seu nome foi chamado. Ele disse que era um ator frustrado e queria saber como poderia encontrar o sucesso. "Não posso dizer que você não tem talento, porque isso poderia acabar com a sua vida", disse Jodorowsky a ele. A plateia explodiu numa risada. "Mas não posso te dizer que você tem o talento, porque pode não ter. Não posso te dizer isso. Então abrimos o tarô." A interpretação das cartas levou Jodorowsky a dizer ao ator para escrever suas experiências e publicar um livro.

Quando Laurie Simmons se sentou, Jodorowsky disse: "Ah, te conheço, você é uma artista, certo?" Biesenbach responder por ela: "Claro que é. Metade das pessoas aqui são artistas, talvez mais". Olhando as cartas, Jodorowsky disse que ela estava terminando um ciclo e deveria se desapegar. "Está certo", Simmons disse, explicando que tinha colocando muito tempo e energia num determinado projeto e que seguir em frente estava se mostrando um problema. Eles tiraram mais algumas caras, e Jodorowsky concluiu que a melhor maneira para ela lidar com o conflito era escrever sobre isso.

"Então o cara antes de mim e eu precisamos escrever um livro?", perguntou Simmons, cética. Jodorowsky não se perturbou, dizendo que "essas coisas acontecem sempre em dupla, em dupla!" Mas sentindo o ceticismo dela, ele disse: "Uma última carta então". Simmons tirou uma carta e a virou. O Ermitão. Jodorowsky bateu na carta enfaticamente. "O sábio! Isso significa ' Escute Jodorowsky!'"

Tradução: Marina Schnoor

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