O problema da 'namorada gamer'
Ilustração: Ashley Goodall

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O problema da 'namorada gamer'

Homens muitas vezes controlam quais jogos e papéis as namoradas “podem” jogar, mostra nova pesquisa.

Matéria original da VICE Austrália.

Em 2012, um dos designers de Borderlands 2 contou que criou um personagem para aqueles que "são muito ruins em jogos de tiro". O personagem, ele disse, era o modo "namorada". Em outras palavras, era um personagem secundário. Claramente, não era material para "jogadores de verdade".

O comentário foi um tapa na cara das mulheres gamers. Muitas sentem que não são levadas a sério, ou não são bem-vindas na comunidade dos videogames, especialmente depois do GamerGate, a campanha de ódio de 2013 que teve como alvo mulheres gamers e críticos (e deu ao troll Milo Yiannopoulos uma plataforma para se tornar o novo garoto-propaganda da alt-right).

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Agora, uma nova pesquisa emerge sobre a experiência da "namorada gamer", ou seja, das mulheres que jogam videogames com seus parceiros.

Mahli-Ann Butt, a acadêmica australina por trás da pesquisa, diz que em certo ponto ser uma "namorada gamer" é algo positivo: jogando com seus parceiros, as mulheres muitas vezes são blindadas do assédio online predominantes nos jogos online. Mas a tal namorada gamer, que muitas vezes é introduzida aos videogames pelo parceiro, também tem um histórico de ser vista como uma assistente do namorado no jogo, não uma jogadora por direito.

Pedimos à pesquisadora para falar mais sobre isso.

VICE: Oi, Mahli-Ann. Quando você se interessou pelo rótulo "namorada gamer" e por que escreveu uma tese de 15 mil palavras sobre isso?
Mahli-Ann Butt: Eu estava conversando com minha supervisora e lembrando um momento da minha vida em que eu jogava principalmente como healer em World of Wracraft. Mesmo gostando, eu ainda sentia que esse era um papel confiado a mim porque ninguém mais queria o papel de ajudante.

Em outra conversa com minha supervisora, percebi que era estranho que meu namorado sugerisse que eu jogasse como healer, mesmo que originalmente eu quisesse ser um mago ou algo do tipo. Esse momento de "Ah, é, foi estranho mesmo" me fez realmente perceber as negociações que cercam mulheres jogando videogames com seus parceiros. Tipo, por que eu não podia jogar como outra coisa?

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Sua pesquisa descobriu que esse é um tema recorrente – namorados controlando que jogos e papéis as namoradas "podem" jogar.
Sim. Videogame é um meio onde autenticidade pesa. Há esse debate de "gamer de verdade" vs "gamer fake", e os videogames foram rotulados por uma ficção regulatória construída por revistas especializadas como coisa "de menino". Isso se acumulou em práticas de bloqueio como dizer que certos jogos (geralmente de tiro em primeira pessoa) são os "verdadeiros" videogames e os outros jogos não são.

Alguns namorados compram jogos para as namoradas jogarem. A maioria dos parceiros veem esses presentes como boa intenção, mas também reconhecem que esse jogos dados de presente são uma maneira de aumentar o tempo de jogo. Não é algo necessariamente insidioso, só mostra que os parceiros às vezes poderiam ser mais sinceros sobre a negociação de como gastam seu tempo de lazer juntos.

Mas como algumas mulheres que você entrevistou descobriram, isso leva a relacionamentos controladores, e até abusivos, certo?
Uma das entrevistadas mencionou que sentia que o parceiro era babaca quando jogava com ela – ele era um tremendo escroto abusivo. Ele a insultava e a ignorava por horas quando ela ganhava dele num jogo, então ela acabava perdendo de propósito para não ser punida.

Todas as entrevistadas em relacionamentos gamers abusivos já eram parceiras desses homens antes. Mas não havia distinção entre as personas online e offline. Comportamento abusivo é sempre abuso. Masculinidade tóxica em videogames online pode resultar em comportamento abusivo entre o casal, como quando a mulher é verbalmente assediada [no videogame] eu o namorado deixa isso acontecer. Deixar o abuso acontecer não só contribui com o abuso, é uma forma de abuso em sim.

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Como as mulheres mudam sua participação nos videogames para evitar esse tipo de assédio?
Muitas mulheres jogam com o microfone mudo em jogos online para mascarar sua voz e gênero. Elas podem evitar falar sobre videogames com outras pessoas porque não querem ter que provar constantemente que são gamers "de verdade", ou minimizar sua feminilidade em espaços de jogos dominados por homens. As mulheres estão sempre negociando seu gênero e amor por videogames, dependendo de quanto esses espaços permitem que elas se expressem.

Claro, muitas mulheres jogam videogames para seu próprio divertimento e em seus próprios termos. Nesses casos, jogar com o namorado torna os videogames um espaço mais seguro, com menos abuso e assédio?
Muitas das entrevistadas disseram que adoram videogames num ambiente social, mas que tentam desesperadamente não se envolver com comunidades de jogos online por medo de assédio e abuso. Jogar com um parceiro (ou mesmo amigos e familiares), permite jogar socialmente sem o medo de que elas estejam se abrindo para abuso online.

Isso permite que as mulheres joguem online se os parceiros e amigos ficam do lado delas quando gamers começam com abusos verbais. É uma questão de criar uma comunidade mais receptiva para todo mundo.

E essa pesquisa influenciou sua identidade como gamer?
Acho que foi importante minha pesquisa ter crescido da minha própria experiência. Feminismo para mim é encontrar uma linguagem para explicar coisas que sempre soubemos que são verdade. É descascar algumas camadas para conseguir clareza sobre por que nos sentimentos desconfortáveis com algumas coisas, e por que isso não justo.

Joguei videogame a vida inteira, mas jogar com meu parceiro depois do colégio criou um ótimo hobby. Agora pesquiso videogames como uma acadêmica e espero construir uma comunidade onde todo mundo se sinta bem-vindo no meio, sem regras arbitrárias sobre "o que jogar" ou "como jogar" que alguns gamers querem impor.

Não deveríamos tentar definir o que os videogames devem significar para os outros. Há muitos jogos e estilos de jogo diferentes, então não faz sentido limitar os videogames a um estilo "real" de gamer. Isso é desnecessariamente chato.

Tradução: Marina Schnoor.

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