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Entretenimento

Werner Herzog curte muito vulcões

Uma conversa com o cineasta sobre "Visita ao Inferno", seu novo documentário no qual explora vulcões e as culturas, mitologias e cientistas que os cercam.
Ilustração por Dane Patterson.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Não é difícil comprar a ideia de Werner Herzog na Coreia do Norte, mas o filme Into the Inferno [Visita ao Inferno em português] do lendário cineasta renegado entrega muito mais que apenas esse conceito. O novo documentário de Herzog, disponível no Netflix, mostra sua jornada rumo a notória ditadura isolada, além de outros lugares como Indonésia, Islândia, Etiópia e Antártica, em busca de explorar vulcões e as culturas, mitologias e cientistas que os cercam.

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Depois de abordar a internet na sua última produção Lo and Behold, o diretor bávaro de 74 anos, que hoje mora em Los Angeles, está de volta ao seu elemento natural: os elementos. O resultado é poético, perturbador e muito lindo, uma visão arrebatadora do apocalipse e o melhor documentário de Herzog desde o memorável Encontros no Final do Mundo de 2007. São vários momentos hipnóticos, principalmente uma série de imagens incríveis dos falecidos vulcanólogos franceses Katia e Maurice Krafft enquanto eles caminham perigosamente ao lado de rios de lava, parecidos com enormes cobras laranjas e negras em certos momentos, e gêiseres e cascatas de fogo em outros. (O casal, como Herzog aponta, morreu num fluxo piroclástico, o que faz pensar no documentário O Homem Urso.)

Essa beleza complexa continua quando o filme mostra um grupo de homens jovens marchando e se "regozijando" na neblina no topo do Monte Peaktu na Coreia do Norte. "Achamos que eles eram soldados, mas eram universitários", diz Herzog, secamente. "Mas em toda essa demonstração das massas", ele diz, depois de testemunhar um estádio cheio de artistas orquestrados, "encontrei um vazio e uma solidão subjacente".

O momento mais impressionante, e característico, acontece mais no começo do filme. Herzog está no topo do Monte Erebus, um vulcão ativo na Antártica, com o vulcanólogo Clive Opperheimer, cujo livro de 2011 Eruptions that Shook the World serviu de inspiração para o filme. Enquanto nuvens de fumaça flutuam sobre eles, os dois discutem calmamente o risco iminente de estudar vulcões. "Eu adoraria ver mais de perto", admite Herzog. "Mas como é muito perigoso, seria estupidez… Sou o único homem do cinema que é clinicamente são, tomando todas as precauções."

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Aí acontece uma explosão que soa como um tiro dentro da cratera e o jeito implacável de Herzog meio que muda, o fazendo soltar pequenas pedras que estavam na sua mão enluvada. "Sim, essa foi uma boa explosão", ele comenta com Oppernheimer, sorrindo. Imperturbável, ele mal dá bola para a ameaça. "Vamos deixar isso chegar até aqui. Vamos encarar e depois sair do caminho", ele ri, repetindo a instrução de outro vulcanólogo de como lidar com "bombas" de lava — os fragmentos em chama ejetados de um vulcão. Em momentos assim, vemos Herzog em sua melhor forma, ainda aventureiro depois de todos esses anos, mas também amadurecido, aceitando assombrado o que a natureza traz e seguindo a razão para sobreviver e filmar outro dia.

No começo de outubro, tive o prazer de falar com Herzog pelo telefone. Ouvir sua voz grave, quase tectônica, é tudo que você pode imaginar.

Werner Herzog: Bom dia, aqui é Werner Herzog. Onde você está, fisicamente?

VICE: Estou fisicamente no Brooklyn. E você? LA?
Sim, estou em Los Angeles.

Então, seu novo documentário é sobre vulcões em vez da internet. Alguma parte de você sente falta de responder perguntas sobre Pokémon Go e clipes do Kanye West?
Bom, isso foi algo muito efêmero e já quase desapareceu. Claro, tive que aprender rápido que há uma grande diferença entre uma entrevista para a mídia impressa e algo que vai diretamente para a internet. Por exemplo, sobre o clipe do rapper, tive meia hora de conversa muito inteligente sobre a internet, e no final a moça me disse "Ah, você pode comentar um vídeo que vou te mostrar?" Vi o vídeo, achei interessante, e fiz alguns comentários breves — uns 60 segundos — e foi só isso que saiu. E Pokémon, claro, é um jeito de fazer graça com um fenômeno como esse.

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Claro.
De maneira parecida, lembro que me perguntaram num — como chama isso mesmo? Tipo um programa de rádio online, blog?

Um podcast, talvez?
Podcast, isso. Eu disse: "Não te vejo, não te vejo". Achei que era algo como o Skype, mas era só rádio. Aí perguntei "como acho vocês na internet?" E eles disseram "É só procurar no Google nesse endereço". E eu disse "como diabos vou hackear o Google?" E teve um grito do outro lado da linha. Eles ficaram gritando por um bom tempo.

Em seu primeiro filme sobre vulcões, La Soufrière, você disse que não estava interessado no vulcão em si, mas no punhado de homens que se recusavam a evacuar a área para a erupção, que escolheram esperar pela morte. Dessa vez, os vulcões como fenômeno ocupam o maior foco. Sua visão sobre vulcões mudou com os anos?
Bom, [vulcões] são muito distintos. Cada um tem suas próprias características, suas marcas próprias. E claro que muitos deles estão adormecidos. Noventa por cento deles. Então, não, tem sido uma fascinação. Porque o que está acontecendo abaixo de nós é muito cru, muito poderoso. Esse tipo de fascinação atrai muito espectadores. Quando você vê a lava fluindo ou a erupção — é um evento enorme. Isso rende um cinema muito, muito bom.

Para mim, os vulcões no filme também servem como uma promessa apocalíptica. E mesmo assim você menciona um "carinho" por eles. Isso me lembrou o que você disse uma vez sobre a selva, enquanto filmava Fitzcarraldo, que ela cheia de obscenidade e morte, mas que você tinha gostado muito, contra seu melhor julgamento.
Eu disse: "Mas adorei" — falando sobre a selva agora — "contra o meu melhor julgamento". [Risos] Esse era um ponto importante que eu queria passar. E claro que os vulcões também criaram a atmosfera que todos nós precisamos para respirar e sobreviver.

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Eu queria perguntar se vulcões são obscenos para você de alguma maneira.
Não. Eles são magníficos, é tem algo muito impressionante neles.

Então é um sentimento menos complicado.
Você mencionou obsceno, mas eu usei o termo "obscenidade" no contexto da selva. Você tem que ver isso no ambiente certo. Na época eu estava com o ator Klaus Kinski, e ele às vezes abraçava uma árvore, fornicava com uma árvore, ficava gritando no meio delas, como se a selva fosse uma coisa erótica. E eu disse "Não, Klaus. Na minha opinião, a salva não é erótica; é só obscena".

[Risos] Talvez ter o Kalus Kinski por perto fizesse qualquer coisa ser obscena.
[Longa pausa] De certa maneira, sim.

Assista: Werner Herzog explica a internet pra gente

Parece que você está sempre retornando ao tema do descaso da natureza com a humanidade. E ainda assim, muito das culturas e narrativas no filme foram criadas ao redor dos vulcões, e você criou um corpo impressionante de trabalho sobre a natureza e a hesitação humana, ou até o relacionamento impossível com ela. Se a natureza parecesse se importar conosco, você acha que perderíamos o interesse? Tem algo na indiferença da natureza que nos faz ficar ainda mais obcecados por ela, como um namorado ou namorada emocionalmente indisponível?
Hum, acho que não, mas é uma pergunta muito interessante. Nunca ouvi ninguém falar assim. Gostaria de pensar um pouco nisso — não vamos discutir isso nessa entrevista, mas é uma boa ideia que eu deveria abordar.

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Minha impressão mais duradoura do filme é de uma visão do apocalipse, e da posição precária e temporária da humanidade na boca do vulcão, como formigas em macacões de proteção olhando para dentro dele. Você acha que isso descreve nossa relação essencial com a natureza?
Não necessariamente, mas quando você olha para um grande vulcão, ele te mostra quanto somos pequenos e insignificantes. Mas também mostra que os vulcões — o magma, fervendo abaixo de nós, deste planeta inteiro — estão desinteressados no que estamos fazendo. O que esses répteis retardados e humanos fúteis estão fazendo na sua crosta. E claro que aprendemos a nos ver de uma perspectiva diferente desde que fizemos a Missão Rosetta num cometa, por exemplo. Quando você olha de volta para o planeta Terra, ele é só um pontinho lá fora. Isso nos dá um senso diferente de proporção.

No filme você também mostra o aspecto mundano da sobrevivência humana, por exemplo nas instruções dos cientistas para evitar "bombas" de lava: fique atento ao lago de lava, olhe para cima e saia do caminho. Isso me lembrou aquela técnica de segurança contra fogo que ensinamos para as crianças nos EUA: Pare, deite e role. Esse é nosso único recurso quando encarando a indiferença destrutiva da natureza, a inevitabilidade da catástrofe, agir como uma criança bem-comportada?
Bom, claro que esse é um momento engraçado do filme. E não se aplica só ao monte Erebus, onde o lago de magma pode explodir e você tem projéteis voando. Você vê que eles estão vindo e sai do caminho. Normalmente, quando há uma grade erupção, não tem como sair do caminho. Você vai pelos ares.

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Eu disse [para os oficiais norte-coreanos]: 'Te dou três garantias: minha honra, minha fé e meu aperto de mão'. E eles disseram 'OK'.

Foi difícil convencer o governo norte-coreano a te deixar entrar? Você falou antes sobre falsificar documentos e andar sempre com um alicate. Isso ajudou quando você estava lidando com os oficiais norte-coreanos?
Levou cerca de um ano para ganharmos a permissão. Isso aconteceu em conjunção com outro programa atual entre Cambridge e o governo norte-coreano. Ainda assim, levou um ano, e é melhor não tentar entrar com um passaporte falso lá. Por exemplo, o diretor de fotografia Peter Zeitlinger queria levar o drone dele, mas desmontado e separado em várias bagagens. E eu disse: "Não, você não vai fazer isso". E ainda bem que o convenci — logo depois que fomos embora, um jovem americano foi preso porque roubou um cartaz de propaganda, acho, do saguão do hotel, e pegou 15 anos [de detenção]. Um drone sobre o Monte Peaktu, ao lado da fronteira chinesa, toda aquela presença militar — você já entra no território da espionagem. Então é melhor nem tentar.

Mas desenvolvi um relacionamento muito sincero e direto com eles. Uma vez filmei algo que não deveria, e eles queriam que eu apagasse. Tentamos, mas não conseguimos porque o gerenciamento de dados era muito complexo. E depois de dois dias, eles queriam levar hard drive, com dois dias de filmagem. E eu disse: "Por favor, não façam isso. Posso garantir que não vou usar essa filmagem". E eles disseram "garantia, o que você quer dizer com isso?" E eu disse "Te dou três garantias: minha honra, minha fé e meu aperto de mão". E eles responderam "OK". E claro, não usei aquele momento. E eles entenderam que eu estava falando sério.

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No seu trabalho, percebo como uma celebração real na linguagem, poesia até. Um dos exemplos é o final de o final de o final de O Grande Êxtase do Entalhador Steiner, com uma citação fantástica de Robert Walser. Aqui, notei isso nos "nomes mágicos" que culturas da indonésia dão para alguns vulcões: O Mercado Noturno dos Fantasmas.
E o Salão de Baile dos Espíritos. Sim.

Quão importante é a linguagem poética no seu trabalho?
Há, bom, você vê isso em praticamente todos os meus filmes. Aqui é no momento em que leio uma parte em particular do Royal Codex, o livro sagrado das mitologias islandesas, o único manuscrito existente. O livro era tão importante para os islandeses que quando os holandeses o devolveram depois de 300 anos, eles mandaram seu maior navio de guerra companhado por uma frota de outras embarcações, e metade da população da Islândia ficou no porto por uma semana, esperando e cantando canções Edda, recitando poesias. Então quando você vê esse texto na sua frente — é como os Manuscritos do Mar Morto para Israel. Uma poesia de grande beleza. E eu recito um trecho dele. E o modo como recitei não foi muito emocional — ele tem uma certa seriedade. E acho que ficou bom na minha voz, em vez de na voz de um ator muito treinado, com uma pronúncia perfeita do inglês. Sei que minha pronúncia é horrível, mas é OK. Posso viver com isso.

OK, última pergunta: Into the Abyss [Ao Abismo: um Conto de Morte, um Conto de Vida], Into the Inferno — você vai fazer um terceiro filme da série? Into the Oblivion, talvez, ou Into the Chaos?
[Risos] Não, não, pelo amor de Deus. Foi só coincidência. Eu tinha um título diferente, mas ninguém gostou. E aí surgiu Into the Inferno e todo mundo achou maravilhoso. Então eu disse "OK, vamos ficar com o título que todo mundo quer". Não, não vou fazer um "Into" sei lá o quê.

Então não é uma trilogia?
Não. Senão seria Aguirre 2, 3, 4, 6 e 8 e assim por diante. Você não vai ver isso de mim. Não vai acontecer.

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Ilustração por Dane Petterson.

Tradução: Marina Schnoor

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