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Entretenimento

As origens escusas e anticomunistas do Oscar

A academia é tipo o NRA do cinema.

Foto por Daniel Arnold, da nossa série 'A Primeira Visita do Wolfpack a Hollywood'

Atualmente são mais de 1,2 milhão de postagens com a tag "#oscar" no Instagram. Uma em particular é um photoshop do Leornardo DiCaprio vestido de Indiana Jones, pronto para agarrar a estatueta do prêmio como se fosse ídolo daquela cena do primeiro filme. Todos os posts são assim? Imagens de encorajamento para multimilionários que esses instagrameiros provavelmente nunca vão encontrar pessoalmente? DiCaprio é uma celebridade entre celebridades, ele trabalha com grandes diretores e tem o número de incontáveis modelos nos contatos do seu celular. Ele não precisa da sua torcida.

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Mas claro, esse é o objetivo do Oscar. Quando não é apenas uma premiação sem sentido, ele apenas promove o status quo, e ainda tenta fazer as pessoas se empolgarem com isso. Felizmente, na maioria das vezes a premiação é só sem sentido mesmo.

Em 1970, o crítico de cinema Rex Reed apareceu no The Dick Cavett Show, um dia antes da cerimônia, para falar sobre a premiação. "Não acho que seja possível comprar um Oscar", disse Reed, blasé, "mas um monte de votos afetam os prêmios porque os estúdios estão por trás desse pessoal". Depois ele apostou, e acertou, que Butch Cassidy não ia ganhar o prêmio porque tinha que dividir seus votos com outro filme feito pelo mesmo estúdio. Reed também tinha a "terrível suspeita" que John Wayne finalmente levaria o prêmio de Melhor Ator, lembrando a todos seu legado cowboy em Bravura Indômita. (Se você não percebeu, Reed não ia muito com a cara do John Wayne.)

Os prognósticos de Reed continuam acertando na mosca, porque chamam atenção para algo que todos suspeitamos sobre o Oscar: a premiação não visa recompensar o talento, na maioria das vezes é só um fato consumado de agendas estranhas, políticas inescrutáveis dos estúdios e etiqueta arcana. Quem assistiu o melhor filme de 2004, Crash, sabe disso em algum nível. Talvez o elemento mais convincente de Reed seja sua insatisfação com a patifaria toda. Porque se você considera o Oscar qualquer coisa além de uma grande festa da firma televisionada, que é altamente rentável apesar de todas as babaquices (inclusive piadas toscas), o problema é você. Os Prêmios da Academia nunca foram pensados para ser outra coisa.

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Inicialmente fundada como Academia Internacional de Artes e Ciências Cinematográficas em 1927, a Academia foi ideia do chefão da MGM Louis B. Mayer, que viu nisso um jeito de proteger todos os estúdios das ameaças gêmeas dos filmes falados e sindicalização. Como insularidade era o objetivo, o "internacional" caiu do título logo depois disso.

A Academia era em primeiro lugar e principalmente um grupo de comércio, que estava ali para manter Hollywood rodando suavemente de uma perspectiva de negócios e publicidade. A principal preocupação de Mayer era o Acordo Básico de Estúdio, o primeiro grande acordo entre os estúdios e os sindicatos, mas a premiação, todo o showzinho, também se mostraria útil.

"Descobri que o melhor jeito de lidar [com cineastas] era pendurando um monte de medalhas neles", Mayer disse mais tarde, no livro de Scott Eyman Lion of Hollywood: The Life and Legend of Louis B. Mayer. "Se eu entregasse taças e prêmios a eles, eles se matariam para produzir o que eu quisesse." O Oscar nunca pretendeu fazer outra coisa a não ser recompensar os filmes mais lucrativos, que apresentassem uma política e moralidade atraentes para Hollywood na época. A primeira cerimônia aconteceu em 1929, num jantar particular no Hollywood Roosevelt Hotel, onde o primeiro prêmio de melhor ator foi para Emil Jannings, literalmente um nazista que depois foi trabalhar com Joseph Goebbels.

E a premiação não pretendia ser consumida pelo público, mas naquele primeiro ano, o magnata das publicações Randolph Hearst instruiu Louella Parsons, colunista de fofocas de seu jornal, a fazer propaganda da festa, porque assumiu que mais tarde conseguiria um prêmio para sua namorada, a atriz Marion Davis, segundo Anthony Holden em Behind the Oscar. A premiação só foi transmitida pela TV em 1953, para compensar os custos crescentes.

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Com os anos, a Premiação da Academia — se realmente significa alguma coisa — significou uma bilheteria maior para os filmes indicados e um pagamento maior em papeis futuros para os atores premiados. Em 2010, um estudo da Universidade Colgate descobriu que atores homens podiam esperar 81% de aumento no salário se recebessem um Oscar. As atrizes tendem a não experimentar nenhum aumento, talvez porque suas vitórias vêm aos 30 e poucos anos, e a indústria vai oferecendo menos papeis a elas conforme elas envelhecem.

Politicamente, o Oscar nunca se livrou de verdade dessas origens conservadoras e orientadas pelo dinheiro, e há vários exemplos de Hollywood mostrando suas verdadeiras cores durante a Guerra Fria: de juramentos de lealdade exigidos dos membros da Academia ("Qualquer pessoa que admitir ser membro do Partido Comunista… é inelegível para os Prêmios da Academia") até dar o grande prêmio de 1952 a um filme chamado O Maior Espetáculo da Terra (nota no Rotten Tomatoes: 44%), porque o filme fez $12 milhões de bilheteria (cerca de $107 milhões hoje), em vez de Matar ou Morrer, um filme escrito pelo roteirista na lista negra de Hollywood Carl Foreman, que estava envolvido nos melhores filmes que saíram daquela era.

"Descobri que o melhor jeito de lidar [com cineastas] era pendurando um monte de medalhas neles."

O espetáculo da premiação começou a obscurecer outras atividades da Academia. Ano passado o evento rendeu cerca de $100 milhões em receita publicitária. Isso não quer dizer que sua nova causa é mais digna. Escrevendo em 2012 para a New Yorker, o crítico Anthony Lane comparou a coisa toda a "sexo na adolescência": "É tudo um acumulo de efervescência e um rescaldo de autopersuasão", ele observou, uma efervescência alimentada ainda mais pela internet nos últimos dez anos. "Quanto mais boba é a questão", ele escreveu, "mais inchado é o baço das nossas opiniões".

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Mas mesmo sem a agenda antissindical e o aparato inflado, o fato da Academia ser basicamente o NRA do cinema leva a todo tipo de questão perturbadora. As dinâmicas dos estúdios, e um senso geral de que as pessoas têm o dever de apoiar o que é melhor para a indústria, são o único jeito de explicar como Alfred Hitchcock e Robert Altman nunca levaram o prêmio de melhor diretor, ou o fato que um filme como Forrest Gump levou a melhor sobre Pulp Fiction. Qualquer um com mais de 12 anos lembra algum ano em que um filme nada a ver levou o prêmio por razões que são inexplicáveis, a menos que você trabalhe num estúdio.

Este ano, mais pessoas estão finalmente prestando atenção em quão velha, branca, conservadora e francamente chata é a Academia, o que é ótimo. Mas é importante lembrar que cada estatueta do Oscar custa apenas $100 para fazer. Para nós, os espectadores dos filmes que subsidiam todo esse glamour, o prêmio nunca deve parecer muito mais valioso que isso.

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Tradução: Marina Schnoor

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