Ilustração sobre o Twitter
Ilustração por Kitron Neuschatz e Lia Kantrowitz.

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Entretenimento

Primeiro o Twitter me deu poder. Depois me fez cair no desespero.

O que aprendi crescendo online.
KN
ilustração por Kitron Neuschatz
Lia Kantrowitz
ilustração por Lia Kantrowitz
MS
Traduzido por Marina Schnoor

De outubro de 2015 até hoje, vivi aproximadamente 168 vidas diferentes na internet. Fui a Eve de Ninguém antes de ser a Eve Escritora de Sexo antes de ser Eve a Comediante e Eve a Deprimida antes de ser Eve a Bêbada, Eve a Feminista, Eve Blogueira de Tecnologia antes de ser a Eve Socialista Democrata, a Eve The Hater, Eve a Abstêmica antes de ser Eve a Jornalista de Política e Eve a Garota da Espada antes de ser seja lá que iteração de mim sou hoje.

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Traduzir a essência de quem você é num produto digestível é um jeito estranho de viver, especialmente quando você é um jovem adulto e seu senso de eu está em fluxo. Nunca foi minha principal intenção vender minha personalidade como meio de vida, mas na era das redes sociais, a marca pessoal reina suprema; a automercantilização era um resultado inevitável para uma jovem jornalista como eu — extremamente online, confortável em confessar seus impulsos mais perturbadores para um público grande, e procurar afirmação e amor. Traduzir os altos e baixos da minha existência na minha marca pessoal é um modo de vida pra mim. Quanto mais eu me via como algo a ser consumido por outras pessoas, capitalizando toda a dor, prazer, ressentimento e medo que vêm de estar viva, mais compulsivamente eu postava. Meu modo de ser online sempre foi insustentável, e cada vez que eu não conseguia mais sustentá-lo, eu trocava de pele, e evoluía para uma versão ligeiramente mais apta de mim mesma.

Vamos voltar para outubro de 2015: minha vida estava prestes a mudar para sempre com meu primeiro tuíte viral. Eu tinha me formado na faculdade um ano antes, e mesmo sabendo que queria escrever, não tinha certeza de como realizar essa ambição. Depois de um ano sem rumo, encontrei um amigo num bar que estava trabalhando como editor de uma pequena publicação na internet, e comecei um frila escrevendo ensaios pessoais e postagens bobas no blog enquanto trabalhava meio período num café. De vez em quando eu tuitava uma observação mundana ou link para uma matéria, mas não tinha seguidores o suficiente para fazer alguma diferença.

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Alguns dias depois do meu aniversário de 22 anos, tuitei screenshots de uma conversa pelo Tinder com Martin Shkreli, o garoto propaganda da ganância farmacêutica, que tinha virado manchete quando sua empresa aumentou o preço de um remédio essencial para pacientes de AIDS de $13,50 para $750 o comprimido. Nunca me encontrei com Shkreli, nem estava particularmente interessada nisso – pelo menos não no contexto de um date; mas usei o fato dele ter dado like na minha foto, e perguntei a ele como era se tornar um vilão nacional da noite pro dia, e como ele justificava seu capitalismo cruel.

Traduzir a essência de quem você é num produto digestível é um jeito estranho de viver, especialmente quando você é um jovem adulto e seu senso de eu está em fluxo. Nunca foi minha principal intenção vender minha personalidade como meio de vida, mas na era das redes sociais, a marca pessoal reina suprema.

Enquanto as notificações começavam a se amontoar, deitei na minha cama, com o computador apoiado na barriga, quase paralisada, atualizando loucamente minha linha do tempo no Twitter, de olhos arregalados e hipnotizada pelo fluxo aparentemente infinito de curtidas, retuítes, respostas e novos seguidores. Fiquei chapada com o fato de que todo mundo estava olhando para mim, e me senti poderosa. Tenho a atenção do público, e acontece que isso era tudo que eu sempre quis.

Avançando para 2016: Fico no Twitter por horas e horas todo dia, então não é surpresa que esteja me sentindo solitária e deprimida. Tuíto tudo isso e sou maravilhosamente recompensada por meus impulsos de redes sociais: Minha contagem de seguidores chega a 10 mil e continua crescendo. Para mim, isso significa que sou especial e estou fazendo alguma coisa certa. Capitalizei minha notoriedade na internet com meu primeiro tuíte viral para realizar minhas ambições de carreira — sou freelance para qualquer publicação que queira me chamar e minha marca no Twitter é a chave do meu ofício. Saí com caras que não gostavam de mim e fui paga por publicações como a Cosmopolitan e New York Magazine para vomitar os detalhes da minha vida amorosa desastrosa, entre outras coisas. Me sinto uma escritora de verdade, e estou curtindo isso, e ainda assim me sinto vazia. Apesar de entrar em pânico pensando no custo da minha compulsão de redes sociais, tuíto, tuíto e tuíto mais um pouco. Faço isso porque digo a mim mesma que não estaria aqui — ganhando dinheiro escrevendo — se não fosse por todos os meus tuítes. Não é como se eu conseguisse a maior parte dos meus trabalho através de qualquer “QI” secreto. Consigo trabalho porque as pessoas me veem no Twitter. Me sinto em dívida com a plataforma, e diferente da emoção do meu primeiro tuíte viral, agora isso é um fardo. Não quero admitir, mas estou com medo.

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Março de 2017: acabei de começar num novo emprego cobrindo política para a VICE. Não acho que teria conseguido esse emprego sem meu Twitter; afinal de contas, agora tenho 40 mil seguidores e essas são as pessoas que clicam nas minhas matérias, e isso é bom para os negócios. É o que me torna um ativo valioso. Enquanto vou de compartilhar demais da minha vida pessoal para despejar ideias incompletas sobre nosso inferno político atual, meus seguidores flutuam. Escrevo uma matéria agressiva que deixa as pessoas putas, e isso leva a mais seguidores, e assim por diante.

Enquanto 2018 pega impulso, minha vida se atualiza e não posso mais ignorar as rachaduras na minha marca pessoal. Tenho um emprego de tempo integral e estou num relacionamento sério com um homem maravilhoso, que me ama e me estimula de um jeito que a afirmação de milhares de estranhos nunca poderia. Odeio o Twitter. Tenho 79 mil seguidores e ainda odeio o Twitter. Mas continuo usando a plataforma constantemente. Minha linha do tempo é um fluxo infinito de negatividade, notícias horríveis e todo mundo gritando um com o outro, ou talvez eu esteja ficando velha, mas, de repente, estou exausta de todo o ciber ódio. Todo dia online parece um Gamergate.

A internet está mais raivosa e selvagem que nunca, e não é mais seguro usar o Twitter tão livremente como fiz um dia. Pela primeira vez em anos, meu impulso de informar o mundo sobre todos os meus pensamentos e sentimentos passageiros esfriou. Sou tomada por um medo de que uma besta amorfa do Twitter me puna por todas as coisas malucas que compartilhei publicamente, que meus momentos mais mesquinhos e insensíveis vão voltar pra morder minha bunda.

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Não sei quem sou e tenho vergonha dos jeitos infinitos como me interpretei equivocadamente para um público de estranhos cruéis. Oscilo entre querer desaparecer e absorver as gotas de prazer que acabo tirando de postar um tuíte viral.

Fico consumida pelo ódio de mim mesma e tento empurrar meu passado online para o fundo da minha mente. Minha marca pessoal já me fez sentir grande, então é natural que enquanto amadureço, crescendo para ser uma pessoa que não vive mais sua vida como se todo mundo estivesse assistindo e julgando, acabo me sentindo uma vítima dos meus eus passados. Tudo que já escrevi — nas redes sociais e em outras publicações — me assombra. Temo que seja tarde demais, que renunciei a mim mesma para ser uma persona bombástica e fim de história. Quero sair.

Odeio o Twitter. Tenho 79 mil seguidores e ainda odeio o Twitter. Mas continuo usando a plataforma constantemente. Minha linha do tempo é um fluxo infinito de negatividade, notícias horríveis e todo mundo gritando um com o outro, ou talvez eu esteja ficando velha, mas, de repente, estou exausta de todo o ciber ódio. Todo dia online parece um Gamergate.

Enquanto o verão vira outono, continuo incerta sobre quem sou e quem quero ser, mas de algum jeito, estou escalando para fora do buraco que eu mesma cavei. Passei por todos os meus tuítes antigos, um de cada vez, deletando centenas de mensagens que me davam vergonha ou arrependimento numa segunda lida. No começo desse processo árduo, mergulho em autoaversão, mas acabo me acostumando com a idiota que todo mundo já foi um dia, e começo até a sentir um certo orgulho da minha evolução nos últimos três anos: fui de uma junkie de atenção suicida e deprimida para uma pessoa menos suicida e deprimida, que só gosta de atenção às vezes. Pequenos passos!

Não desisti inteiramente do Twitter, e tuitar ainda parece uma exigência implícita do meu trabalho. Mas isso não impediu que eu mudasse meu relacionamento com as redes sociais. Enquanto tuitei 1.033 vezes em janeiro de 2018, postei só 188 tuítes em agosto de 2018, e esses dados confirmam meu palpite de que estou realmente mudando para melhor. Sinto orgulho de mim mesma, depois me sinto besta por ter orgulho de mim mesma, porque, sério, é tão difícil assim tuitar menos de mil vezes num mês?

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Fico pensando no título de um conto de Flannery O'Connor, “Tudo que sobe deve convergir”, tirado de uma citação do filósofo e padre jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin. A citação é assim:

Seja fiel a si mesmo, mas ascenda para uma consciência maior e amor maior! No topo você vai encontrar seus eus unidos com todos aqueles que, de todas as direções, fizeram a mesma escalada. Pois tudo que sobe deve convergir.

É a vida, acho. Todas as diferentes versões de mim estão ascendendo, e mal posso esperar para ver quem vai chegar ao topo, como vou convergir.

Matéria da Edição Poder e Privilégio da Revista VICE. Clique aqui para assinar.

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