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reportagem

Até os furries estão lutando contra os fascistas

O que uma comunidade erguida sobre o princípio da aceitação extrema faz quando nazistas surgem no seu meio?

Foto por Carsten Koall/Getty Images

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Em janeiro, Red começou a receber pedidos de ajuda de furries que queriam lutar contra nazistas.

Red — que não quer que eu use seu nome verdadeiro porque membros da sua subcultura que falam com a imprensa podem entrar para a lista negra de vários eventos — entende do negócio. A moradora de Chicago de 26 anos usa fantasia furry desde 2008, e se juntou a Antifa International três anos mais tarde, depois de se envolver nas manifestações Occupy Wall Street. A Antifa International é um grupo dedicado a combater políticas de extrema-direita, e para cumprir a missão os antifas estão dispostos a tudo, até socar nazistas. Mas Red, que acredita que retórica fascista deve ser respondida com uma mão — ou pata — na cara, não tinha certeza se os furries estavam preparados para fazer o que fosse preciso. "A maioria dos furries acha qualquer tipo de violência abominável", ela me disse.

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O fandom furry é uma das subculturas mais inclusivas da internet. Muitos furries são queer, e a maioria está acostumada a ser ridicularizada por suas "fursonas", avatares de animais antropomorfizados usados para interpretar papéis, o que às vezes (mas não obrigatoriamente) envolve um aspecto sexual. Mas nem a comunidade furry está imune à turbulência política que varre os EUA hoje. Em vez disso, ela é um microcosmo — mesmo que improvável — da guerra cultural que consome o resto do país. Os furries que procuraram Red encaravam uma questão muito familiar hoje em dia no país: o que fazer com figuras de extrema-direita que saíram das sombras?

Para deixar claro, nazistas não são novidade na comunidade furry. Em 2007, um grupo chamado Furzi entrou em conflito com usuários judeus no jogo Second Life, um ponto de encontro popular entre os furries. Alguns membros do fandom me disseram que essa ideologia vem crescendo entre alguns furries desde então. Mais recentemente, um grupo chamado Furry Raiders se sentiu encorajado com a campanha, e eventual vitória, de Donald Trump.

Os Raiders são liderados por Lee Miller, um furry de 29 anos que atende por Foxler Nightfire — um personagem de olhos azuis que usa uma braçadeira vermelha e preta familiar para qualquer um que já estudou história. Apesar de ser conhecido dentro do fandom há anos, Foxler chamou atenção em janeiro, quando tuitou uma foto de si mesmo com a hashtag #altfurry.

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No final de novembro, antes que "alt-furries" (furries da direita alternativa) ou "nazifurs" atraíssem a atenção da mídia, um grupo chamado Antifa Furries se formou para tentar abordar o problema crescente. O objetivo deles é banir nazifurs de eventos e encorajar furries a se envolver na política — esforços que ativistas calejados como Red acham insuficientes quando se trata de combater a extrema-direita.

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Red me disse que quando os membros do Antifa Furs a abordaram pedindo conselhos, eles não gostaram do que ela tinha para dizer. Apesar de "antifascista" parecer uma posição óbvia a se tomar, especialmente em tempos como este, muitos antifas defendem destruição de propriedade e outras formas de desobediência — o que, segundo Red, os Antifa Furs não topavam fazer.

"Todo mundo pulou no bonde antifa, mas a coisa real era demais para eles", ela me disse. "Isso não é pra todo mundo. É para anarquistas e comunistas. Não é para gente que quer fazer um cartaz ou assinar uma petição. Antifa é para pessoas dispostas a fazer o que for necessário para esmagar o fascismo."

Logo cortesia do Antifa Furries.

Em vez de enfrentar Foxler com violência, o Antifa Furries optou por uma estratégia de boicote a convenções que não proíbam a entrada dos Furry Raiders — uma forma bastante indireta de deixar um inimigo no ostracismo.

Fiver, um membro de fala mansa de 20 anos de um grupo chamada Antifa Furries, me disse que os furries — que geralmente são gentis e tímidos — ficam relutantes em expulsar um membro problemático de sua comunidade, por medo de ser tão intolerante quanto as pessoas que os maltratavam na escola.

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"Queremos ser o mais receptivos e inclusivos possível, mas essa atitude também exige que aceitemos nazistas que vão nos dizer que se não os aceitarmos, nós é que somos os verdadeiros fascistas da história", ele me disse.

Lee Miller, que mora em Fort Collins, Colorado, me disse que está no fandom desde os 12 anos de idade. Segundo Miller, que não terminou o colegial, sua braçadeira nazista se originou como um acessório no Second Life — mas é difícil fazer ele definir o que isso representa, ou no que ele realmente acredita. Durante nossa conversa, Miller oscilou entre se justificar com ignorância e ironia. Quando perguntei por que ele simplesmente não tirava a braçadeira para acabar com o drama, ele pareceu improvisar uma história sobre como a personagem Foxler era baseada no pai falecido, e que mudar qualquer coisa seria equivalente a desrespeitar sua memória. Quando perguntei sobre suas crenças políticas, ele disse que elas estavam começando a mudar depois da reação negativa ao seu visual. Antes de tudo isso, ele frequentava exclusivamente o 4Chan, me disse, mas agora estava começando a ler sobre "guerreiros da justiça social" e "espaços seguros", e se envolver mais no que pode ser entendido como um molde de direita ligeiramente mais mainstream.

"Por que as pessoas estão tentando controlar minha existência ou tentando dizer o que posso ou não fazer quando isso está dentro da lei?", questiona. "Nunca me liguei muito em política, mas preciso levar a questão mais a sério agora que tudo isso está acontecendo."

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Miller diz que no começo apoiava Bernie Sanders, mas agora concorda com pelo menos algumas visões de Trump. Ele também admira as táticas de campanha de Trump e a maneira como o provocador laranja enganou a mídia para lhe dar cobertura. Enquanto isso, os furries aliados contra ele dizem que Foxler/Miller tem imitado esses truques. Eles acreditam que Miller diz qualquer coisa para aumentar sua popularidade e conseguir mais seguidores. Não importa que ele seja bissexual e seu namorado seja de uma minoria racial, porque se aliar a supremacistas brancos deu a ele uma plataforma. Sua origem e aparentes contradições o tornam vagamente similar a Milo Yiannopoulos, a personalidade alt-right que construiu toda sua carreira dizendo coisas calculadas para emputecer a esquerda. Miller até compareceu a um evento de Yiannopoulos mês passado, em traje furry completo.

Enquanto um furry acaba radicalizado, uma das hipóteses entre os furries é que membros do fandom congregam em fóruns vale-tudo como o 4Chan, que também são frequentados por membros de grupos de ódio como Stormfront, que apelam deliberadamente para nerds solitários. Os Raiders, como várias pessoas da extrema-direita hoje, podem dizer que estão apenas conduzindo um experimento social ou trolando, mas seus oponentes dizem que essa é só uma desculpa para suas visões intolerantes.

"Foxler quer atrair e manipular pessoas que sente que não se encaixam em lugar nenhum — e sinceramente, a maioria dos furries se sente assim", me disse uma furry do Colorado chamada Ash.

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Ash tem 28 anos e também é do Colorado, como Miller, e vem trabalhando para banir Foxler e sua turma de encontros locais. Braçadeiras agora estão quase que universalmente proibidas na cena local, ela me disse, e Foxler não é mais bem-vindo num baile bimestral local chamado Foxtrot. Mas um problema aqui é que como as pessoas nessa comunidade estão quase sempre fantasiadas nos eventos, é impossível dizer quem é secretamente um altfurry. Ash e outros estão monitorando o Twitter e tentando descobrir quem está se comunicando com o inimigo, mas não tem sido fácil.

Seu maior alvo agora é a Rocky Mountains Fur Con, que deve acontecer em agosto em Denver. Os furries antifa afirmam que membros dos Raiders são parte da equipe do evento e que a convenção não se pronunciou ainda sobre os pedidos deles para banir nazistas, porque teme violência como o ataque com gás de cloro que mandou 19 pessoas de uma convenção para o hospital em 2014, no Ilinóis.

Sorin, o presidente da convenção, se recusou a dar uma entrevista formal, em vez disso divulgando uma declaração relativamente em cima do muro: "A Rocky Mountain Fur Con não apoia nem tolera discriminação ou violência de nenhum tipo, e estamos entristecidos com o ódio e a divisão causada por uma minoria da nossa comunidade nos dois lados da questão".

Essa divisão, como aquela muito maior afetando os EUA, parece que não vai cicatrizar tão cedo.

"É tão estranho que isso esteja acontecendo na nossa comunidade", me disse Ash. "Mas enquanto o fandom cresce exponencialmente, temos que excluir pessoas completamente sem noção. E Foxler é exatamente esse tipo de pessoa."

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Tradução: Marina Schnoor 

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