FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

​Quantas Mulheres Serão Mortas Até o Brasil Admitir sua Cultura Racista de Violência de Gênero?

Segundo o Mapa da Violência de 2015, houve um aumento alarmante de 54% nos assassinatos de mulheres negras no período de 2003 a 2013. Ainda segundo a pesquisa, a maioria dos homicídios de mulheres são cometidos por familiares.

Foto do usuário zippythesimshead do Flickr.

A edição de 2015 do Mapa da Violência, publicada nesta segunda-feira (9), dedicou uma parte da pesquisa a catalogar dados importantes sobre a violência contra as mulheres. Eles ainda assustam. Entre 1980 e 2013 foram assassinadas 106.093 mulheres, e foi registrado um aumento de 66,7% nas mortes de mulheres negras. A maioria das mortes acontecem em âmbito doméstico.

Curiosamente, os dados foram divulgados na mesma semana em que aconteceu o caso da morte da dançarina cearense Ana Carolina Souza Vieira de 30 anos, estrangulada pelo namorado que passou dois dias abraçado com o corpo da ex-namorada em São Paulo. Segundo o depoimento, Anderson Rodrigues Leitão chegou a acender um incenso para disfarçar o mau cheiro do corpo da dançarina.

O que une Ana Carolina, eu, você e todas as mulheres é a violência. A maioria é doméstica (a pesquisa apontou que a "domesticidade" é um dos fatores mais comuns entres as mortes femininas) e são praticadas na maioria das vezes (50,7%) por parentes, maridos, parceiros ou cônjuges. Se o recorte é feito pela cor, o número é ainda mais escandaloso. Em uma década (2003-2013) as mortes de mulheres negras cresceram 54% enquanto a violência contra brancas diminuiu 9,8%. Vale lembrar que essas mortes catalogadas não tiveram o impacto da Lei do Feminicídio promulgada em março de 2015 e que finalmente tipificou as causas de morte motivadas pelo gênero no país. No entanto, a publicação desses números só comprova como a necessidade dessa lei é imperativa. No entanto, pouca atenção se chama quando uma mulher negra é morta por um conhecido. Essas histórias de mulheres negras, pobres e com acesso limitado à políticas do Estado e até mesmo ações do movimento feminista são mato no cotidiano brasileiro. Embora o país tenha adotado medidas importantes como a criação de Delegacias da Mulher e a promulgação da Lei Maria da Penha, corre solta a cultura racista de violência contra à mulher que cada dia retira um pedaço da participação feminina na história do país. De acordo com o mapa, 2013 registou 4.762 mortes femininas no país. 13 mortes por dia. Visto que, preferencialmente, os assassinatos das mulheres são cometidos por seus companheiros, a pesquisa apontou que ainda estamos muito longe de garantir uma proteção mínima à mulher em situação vulnerável. São nessas mulheres que o Estado e o feminismo precisam chegar para conseguir libertá-las de um ciclo de abuso que só cresce com o passar do tempo. A pesquisa foi pontual em mostrar que, embora o Brasil conte com aparatos legislativos avançados em comparação a outros países, nada adianta se o país ainda é dominado por uma cultura de violência. Ainda assim, tramitam no Legislativo propostas como a possibilidade de revogar o Estatuto do Desarmamento e também a de dificultar o acesso ao aborto legalizado em casos de violência sexual – é um retrocesso que pode piorar estatísticas (e, mais importante, vidas) já claramente atingidas por essa violência sistêmica. Portanto, é preciso sim garantir que a eficácia da lei chegue até as mulheres escondidas em municípios muito distantes do eixo São Paulo – Rio de Janeiro. Até lá, quantas terão partes do corpo arrancadas, seus corpos queimados, serão esfaqueadas ou baleadaspelos seus companheiros até começarmos a querer erradicar a cultura de violência no país? Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.