Por que é tão difícil fazer um videogame
Ilustração por Tom Humberstone.

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Por que é tão difícil fazer um videogame

Um dossiê sobre as muitas etapas envolvidas na criação de um jogo, da ideia inicial à demo que deu certo.

Fazer um videogame não precisa ser difícil. Não precisa levar anos de trabalho, meses de hora extra e uma equipe de centenas de pessoas para fazer um ponto na tela se mexer e pular até um objetivo. Mas se você quer estar à altura de jogos como o expansivo Grand Theft Auto V da Rockstar e criar novos jogos com tecnologias como a realidade virtual, tudo que descrevi acima geralmente é necessário para continuar no topo, e fazer algo que deixe seus investidores e clientes felizes.

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Convivo com videogames a vida toda, mas trabalho com isso há uns sete anos. Um trabalho que às vezes envolve ficar enfurnada em salas com o ar-condicionado no máximo, onde a única brisa de calor vem dos PCs rodando as primeiras demos do que será, espera-se, o próximo grande título do desenvolvedor. Do lado da imprensa, já vi muitos desenvolvedores nervosos com uma demo, esperando que eu não tentasse abrir aquela porta que faz a coisa toda travar. Ou quando o relações-públicas interrompe uma entrevista dizendo "eles não estão falando disso por enquanto", porque a publicidade nos videogames se tornou um negócio delicado. Eles não querem que uma demo problemática acabe com a imagem do jogo todo.

Mas esses são vislumbres breves das provações de se trabalhar desenvolvendo videogames. Todo mundo tem uma vaga consciências dessas provações. As pessoas concordam com a cabeça quando alguém diz como é "difícil" fazer um videogame, geralmente adicionando uma crítica a um jogo, como para dizer "Sim, foi difícil fazer esse jogo, mas eu esperava mais". Às vezes essas expectativas são razoáveis. Mas muita gente que trabalha no campo realmente entende o que os desenvolvedores "poderiam" ter feito ou "deveriam" ter mudado?

E a própria estrutura que limita como os desenvolvedores falam sobre seus jogos acaba inibindo esse entendimento.

Para ver além dessa fachada, coloquei de lado os óculos cor-de-rosa que me deram esses anos todos trabalhando com videogames e perguntei a vários desenvolvedores como realmente é fazer um videogame, e por que é tão difícil.

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Construindo às cegas

"Os desafios de fazer um videogame podem ser parecidos com os de tentar construir uma casa usando uma venda", disse Ryan Benno, artista de ambiente da Insomniac Games — cuja arte você já deve ter visto no Walking Dead e na séria Wolf Among Us da Telltale, além de em Call of Duty: Infinite Warfare. "Você pode planejar onde as paredes vão ficar, como vão ser as salas, como fazer fundações estáveis e funcionais, mas até você estar realmente naquele espaço, você não sabe como ficou."

Depois de falar com oito desenvolvedores, essa analogia parece o jeito mais simples de descrever como é trabalhar num projeto de anos envolvendo vários departamentos, que trabalham em pedaços separados do jogo, com um orçamento particular e restrito por certas ferramentas. Uma equipe pode estar trabalhando na casa, mas todo mundo tem sua prioridade individual. Alguém trabalha nas fundações gerais enquanto outra pessoa está fazendo o desenho de uma sala específica. Enquanto a sala muda, a fundação precisa se adaptar para manter o peso dela. Artistas entram para decorar, a eletricidade é instalada, e alguém compõem a música que vai tocar em cada quarto. Mentes criativas entram e trabalham diligentemente em suas disciplinas, enquanto um produtor se certifica de que tudo se encaixa, que todo mundo cumpra seus prazos e ninguém fique para trás. Isso no melhor cenário possível, mas o processo de construir essa casa — o processo de fazer um videogame — nem sempre segue conforme o planejado.

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"Se você está tentando fazer algo novo, significa que você é inerentemente incapaz de estimar isso com precisão." – Samantha Kalman

Na fase de pré-produção, os desenvolvedores precisam imaginar que ideias funcionam melhor, com o menor risco para o projeto geral. E muito desse trabalho de pré-produção acaba sendo na base da suposição.

"Você simplesmente não sabe o que vai acontecer até ter terminado", me disse Bruce Straley, codiretor da Naughty Dog, por telefone. Straley, artista e designer conhecido por seu trabalho em Uncharted 2, The Last of Us e Uncharted 4, estava falando sobre a importância de desenvolver [um game] com a mente voltada para a visão central da experiência do jogo. "Essas são lições que aprendemos na produção. Mesmo em demos que fizemos. Elas são jogáveis, mas há certas mecânicas que não encarnaram perfeitamente. Não sei como isso vai funcionar no esquema maior das coisas. As equações podem não bater sobre o que é divertido e o que não é; o que é cativante e o que não é. Então só tento fazer o meu melhor."

A evolução da sequência do jipe em Uncharted 4. Vídeo cortesia da Naughty Dog.

Samantha Kalman, desenvolvedora indie e fundadora da Timbre Interactive, me disse algo parecido. "Tem sempre desconhecimentos conhecidos e desconhecimentos desconhecidos. Você só pode estimar com 100% de confiança sua habilidade de fazer algo que já fez antes", disse Kalman. "Se você está tentando fazer algo novo, significa que você é inerentemente incapaz de estimar isso com precisão."

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O desenvolvimento começa com um passo — uma apresentação interna rascunhada em algo como o PowerPoint, digamos. Mas ideias e execução dessas ideias são coisas diferentes, e o processo de fazer o protótipo dessas ideias pode revelar direções ou ideias melhores para os desenvolvedores buscarem. "Você não pode dizer como anda a jogabilidade do seu jogo até ter construído uma boa parte dele", me disse Alex Chrisman, diretor de produção da Certain Affinity — conhecido por seus jogos multiplayer de tiro em primeira pessoa como Halo. "Pré-visualização é algo muito difícil. Você tem várias partes importantes, e muitas vezes descobre que elas não se encaixam no final do projeto". Seu colega, o produtor Ryan Treadwell, descreve esse processo como "tentar entender a visão do seu próprio jogo". Os desenvolvedores precisam ter a mente aberta enquanto lidam como problemas materiais. Algumas características podem não funcionar, outras podem levar muito tempo para funcionar corretamente e perdem prioridade pelo bem maior do projeto inteiro.

O básico também é imaginado na pré-produção, quando a tecnologia e o mecanismo em que os desenvolvedores estão trabalhando são testados, e seu alcance viável é estabelecido. É aqui que os desenvolvedores têm uma ideia do que podem conseguir — contagem de polígonos, textura, carregamento de animação, etc. Essa fase, na qual os desenvolvedores podem criar protótipos fragmentáveis, é a hora apropriada para experiências, segundo o designer de jogos Antoine Thisdale, da Eidos Montreal.

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Uma fase "caixa cinza" do desenvolvimento de Deus Ex: Mankind Divided. Screenshot cortesia da Eidos Montreal.

Ainda que com muitas dificuldades, desenvolvedores são profissionais criativos, e às vezes o processo de experimentação pode levar o jogo para a direção errada. "É muito fácil se perder na experiência, se perder da ideia do que o seu jogo deve transmitir", disse Thisdale por telefone. "As pessoas tendem a esquecer bem rápido o que precisa ser acertado antes. Meu trabalho como designer de jogos é acertar a experiência. Preciso do CCPL. Controles, câmera, personagem, locomoção, tudo isso. Preciso sentir que meu personagem está fazendo o que deveria estar fazendo." Esses princípios básicos podem parecer pouco românticos, mas são essenciais para guiar o resto da experiência do jogo. E enquanto as fases são ditadas por caminhos cuidadosamente traçados e adornados com arte decorativa, o desenvolvedor responsável por criar tudo isso ainda tem que ficar atento para garantir que a experiência central continue intacta enquanto o jogo se expande.

Ou você acaba em situações que Thisdale experimentou várias vezes, como quando um modelador em que ele está trabalhando vai muito além do limite de polígonos do mundo criado, como lixeiras. "Elas eram tão pesadas em polígonos que estavam custando um quadro por segundo, o que para um videogame é supercaro", disse Thisdale. "A experiência vai te dizer quantos polígonos você pode ter por tema, quanta textura, se posso colocar num filtro UV, se posso colocar mapeamento, se vai ter luz direta e dinâmica nisso, se devo colocar molduras." Esses detalhes aparentemente menores, apesar de visualmente impressionantes, acrescentam muito peso na performance de um jogo. É um equilíbrio delicado, e às vezes sacrifícios precisam ser feitos pelo benefício da experiência geral.

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O desenvolvimento de videogames, como me disse Kalman, não é algo linear. Geralmente é um caso de "dois passos para a frente, um passo para trás", ela disse. Ela experimentou isso em primeira mão no desenvolvimento de Sentris, seu primeiro jogo comercial, um videogame de criação de música com elementos de quebra-cabeça. (Você pode assistir a um timelapse do desenvolvimento de Sentris aqui.)

"Me vi revisitando, retrabalhando e mantendo códigos que em algum ponto achei que precisavam estar presentes. Esse tipo de coisa acontece muito como 'Ah, vai ser fácil, vou escrever esse novo script no Unity… ah, bom, ele tem essas dependências e isso afeta minha ordem de execução e tem um impacto na performance'. Isso acontece quase todo dia."

Uma das primeiras versões do tutorial do Sentris. Screenshot cortesia de Samantha Kalman.

O jogo que você vê na forma final, apresentável, ou mesmo o jogo que você vê em fotos durante a E3 ou qualquer trailer lançado, não é o jogo com que os desenvolvedores trabalham nos anos que levam para terminar um game. Em vez disso, os desenvolvedores carregam pequenos mapas, fases ou campos de teste e jogam por meio de experiências individuais para ter certeza que ele está funcionando corretamente. "Passamos muito tempo na caixa cinza", me disse Thisdale. "O jogo geralmente demora muito para carregar, então só carregamos o que geralmente é uma sala vazia com uma luz no meio e uma caixa do lado, e fazemos o que precisa ser feito". O que pode ser correr, atirar ou até testar um efeito visual final, como chuva ou fumaça. "É isso que fazemos. Esse é o jogo que jogamos", disse Thisdale. "O jogo que acabei de lançar [o Deus Ex: Mankind Divided], esse é o estado em que vi o jogo por quatro anos."

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É isso que desenvolver um videogame parece: caixas cinzas e concessões. É um equilíbrio entre tentar criar algo novo e emocionante, e ter certeza de que você tem tempo e orçamento para criar nem que seja uma fração da sua melhor ideia. "Não é uma obsessão, é tentar transmitir alguma coisa de dentro de nós como criadores e manifestar isso usando uma equipe de programadores, artistas, músicas e todos os departamentos que formam o desenvolvimento de um videogame. Esse é o desafio", me disse Straley, da Naughty Dog. "Em videogames, tentamos nos agarrar a uma visão, ao tom, à experiência que você está tentando alcançar — essa visão dentro de você já é uma benção como criador. Tentar extrapolar essa visão é a beleza e dificuldade de qualquer esforço criativo."

Videogames não são — na verdade não podem ser — o produto exclusivo de ideias excêntricas e inovadoras. Há limitações tecnológicas e responsabilidades com o projeto geral que precisam ser compreendidas, e isso informa todo o processo de desenvolvimento. Isso significa aceitar as limitações com as quais você está trabalhando, o que é muito difícil para qualquer mente criativa. "Temos mais vergonha do que ficou para trás que qualquer outra coisa", me disse Benno, da Insomniac Games. "Queremos fazer algo de que tenhamos orgulho."

Caixas mágicas funcionando à fumaça

As decisões criativas que os desenvolvedores fazem nem sempre são transparentes, e as razões por trás delas menos ainda. Veja pular, por exemplo. Simples, né? Pulamos nos videogames desde os primórdios da tecnologia. Se o Mario consegue pular, por que um herói moderno não conseguiria? Mas às vezes, algo simples como pular exige muito trabalho para garantir que o personagem consiga fazer isso. Aí você tem um efeito cascata em todo o trabalho por causa da decisão criativa de incluir a mecânica de pular. A câmera precisa ser trabalhada para garantir que pular não entre em conflito com a imagem. As fases precisam ser adaptadas para incluir o uso dos pulos, ou garantir que o jogador não fique preso em alguma coisa por causa disso. Estamos falando de várias pessoas num projeto que leva o ato de pular em consideração no trabalho, que depois podem acabar priorizando um sistema de cobertura que reflete melhor a experiência pretendida.

Straley trabalhou em The Last of Us, um jogo sem botão de pulo. "O código escrito só para fazer o personagem aparecer na tela já era absurdo. E o código usado para ler dados de animação, a pele e o peso de um personagem para animá-lo do jeito certo — tudo isso sem realmente traduzi-lo para o espaço já representa meses de trabalho", ele explicou. "Isso apenas durante o processo de decidir se você vai fazer seu personagem pular, quais as consequências de pular, como ele pula, o que essas possibilidades vão significar para os designers, os layouts e o efeito nos artistas, sem esquecer que seu principal objetivo é fazer o jogador se sentir envolvido."

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"Jogos são essas caixas mágicas que funcionam à fumaça. A coisa mais invisível está suportando o jogo." – Nina Freeman

O mesmo nível de análise foi para outra mecânica aparentemente simples: cobertura, ou seja, se proteger atrás de alguma coisa. Straley considerou e reconsiderou como melhor incorporar o sistema de cobertura em The Last of Us de 2013. "Joguei o jogo por alguns meses e todo mundo já tinha se acostumado com a cobertura quando comecei a repensar: 'Não, por causa da Ellie [a personagem que acompanha o protagonista do jogo], por causa do espaço analógico, por causa de agachar, por causa de tudo isso, não quero que esse outro botão complique os controles", ele disse. "Tive que me desculpar muito com todo mundo e dizer aos programadores que eu não sabia o que estava fazendo, mas que eles precisavam confiar em mim para tomar a decisão certa, que eu ia continuar nesse caminho e que eles não teriam que reinventar a roda em se tratando de fazer um botão de cobertura."

No final das contas, The Last of Us basicamente reinventou a roda. Eles fizeram um botão de agachamento que incorporava um tipo de sistema "suave" de cobertura quando Joel (o protagonista) se aproximava de um muro ou objeto baixo.

Esses são apenas dois exemplos de meses de trabalho que aparecem como mágica na tela. Na maioria dos videogames, aperte "A" e você pula instantaneamente. Aperte "B" e você agacha. Mas nos bastidores a coisa é muito mais complicada que isso. "São camadas de coisas invisíveis que tornam sua experiência boa, mas que exigem meses de trabalho", me disse Nina Freeman, designer de fases do estúdio indie Fullbright, por telefone. "Esse trabalho menos visível tem tanto valor quanto a apresentação bem finalizada do jogo, ou qualquer mecanismo preciso que é muito visceral e você sabe que está ali. Videogames são essas caixas mágicas que funcionam à fumaça. A coisa mais invisível está suportando o jogo."

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É fácil apreciar a arte dos personagens, a música ou a história. Ou até apreciar as ferramentas de animação. Mas ninguém realmente elogia o trabalho feito para salvar o sistema de carregamento, ou a detecção de colisões. Exceto por Freeman, claro: "O fato de que você pode salvar um jogo do Tomb Raider e todos os animais vão estar na mesma posição quando você voltar, isso dá muito trabalho. É uma função." Essas funções podem não se extravagantes ou vanguardistas, mas no final, elas não são apenas interruptores que você pode ligar ou desligar — são resultado de muito trabalho. E esse trabalho muitas vezes é sujeito a escrutínio pesado.

O começo do desenvolvimento de Uncharted 4, as fases são básicas e planas. Imagem cortesia de Naughty Dog.

Todas essas funções levam tempo para serem terminadas do jeito certo. Enquanto o trabalho evolui, essas funções são impactadas pela matemática uma da outra. Felizmente, isso às vezes trabalha a favor do jogo. Thisdale disse que isso aconteceu durante a produção de Mankind Divided. Por alguma razão, do nada, o protagonista Adam Jensen começou a se mover mais suavemente. "Antes da mudança, eu estava realmente irritado com o tempo de resposta dos controles e tentando melhorar isso. Um dia isso magicamente desapareceu", ele me disse. "Fiquei louco tentando descobrir o que tinha mudado naquela versão. Era uma coisa mínima — acabamos descobrindo que isso tinha relação com o jeito como o código estava gerenciando a taxa de quadros. Não posso explicar os detalhes, mas tinha algo afetando o tempo de resposta e a taxa de atualização e, quando isso foi concertado, os controles pareciam muito mais suaves.

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"Essa pequena mudança resultou numa experiência completamente diferente. E daquele ponto em diante, por um ano, fiquei observando isso como um falcão." Mudanças súbitas no desenvolvimento de um jogo podem representar mudanças drásticas na experiência em geral. Há nuances em detalhes e números aparentemente aleatórios. E mesmo rastrear essas mudanças para onde elas ocorreram leva tempo. "Naquele dia fui para casa às 10 da noite", me disse Thisdale. "Éramos cinco trabalhando no escritório, completamente loucos, correndo de um lado para o outro, vendo os números e todas os dados dos logs de construção. Ficamos hipnotizados com aquela coisa. Você se agarra a essas coisinhas que parecem mágica."

Criatividade num cronograma

Voltando à analogia de construir uma casa, imagine um gestor cuja responsabilidade financeira é supervisionar o projeto todo — esse é o papel do produtor de um jogo. Outras pessoas assentam os tijolos, mas o produtor tem que se certificar de que a equipe tenha tijolos suficientes para assentar. Esses produtores representam ou respondem a uma empresa parceira, distribuidora ou investidor que, concordando com o financiamento do projeto, decide que parte do acordo é condicionada a ver se os desenvolvimentos iniciais respondem à visão da empresa. "A maioria das grandes companhias têm investidores", me disse Thisdale. "Elas são companhias de capital aberto. EA, Ubisoft têm ações. Temos pessoas investindo que precisam de um retorno. Eles precisam de um retorno trimestral, anual." Essas pessoas controlam o dinheiro e, às vezes, determinam os recursos liberados com bases em marcos predeterminados, como reuniões de sinal verde ou uma demonstração dos primeiros protótipos. Desde que o estúdio continue cumprindo esses prazos internos, ele vai continuar recebendo para completar o projeto.

Quando os prazos de um marco se aproximam, a prioridade não é mais a casa em si. Todo mundo pausa o desenvolvimento principal e se concentra em criar rascunhos ou minimodelos da casa que agradem os donos do dinheiro. Parte disso depende de suposições — certas funções ainda não foram fechadas, a direção de arte pode mudar, etc. Os desenvolvedores podem não saber exatamente como querem que as janelas abram e onde os interruptores de luz vão ficar, mas fazem algumas suposições criativas para conseguir o modelo da porta necessária.

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Os próprios prazos, ligados aos marcos ou cronograma de produção interno, também são determinados por suposições. Os artistas dizem que podem levar três semanas para terminar a arte do cenário exigido, que em teoria vai se alinhar ao prazo sugerido pelos designers para submeter os conceitos desses detalhes de cenário. Mas aí, por várias razões (incluindo respostas desfavoráveis das distribuidoras nas reuniões), os designers são atrasados e alguém vai ter que correr para alcançar todo mundo no cronograma. Do nada, prazos que começaram como sugestões se transformam em datas fechadas. Esses prazos severos, especialmente quando ligados a marcos, acabam ditando como os desenvolvedores avançam as decisões de conteúdo, segundo um diretor-criativo de estúdio que pediu para permanecer anônimo. "Há uma pressão constante para não fazer o que você precisa fazer nos videogames, que é a interação. A triste verdade é que esse tempo de interação (ou tempo para os envolvidos encontrarem a ideia certa) não parece uma boa para os donos do dinheiro." O que significa que uma ideia que poderia ser aperfeiçoada em apenas uma semana depois do prazo é descartada para atender o cronograma.

Muitos dos efeitos ambientais de Uncharted 4 foram acrescentados nos últimos estágios do desenvolvimento. Imagens cortesia da Naughty Dog.

Claro, algumas distribuidoras têm uma abordagem muito mais livre quando se trata dos desenvolvedores. Dependendo da relação entre os dois, uma distribuidora pode confiar totalmente no estúdio para criar o jogo que sabe que ele pode fazer, em vez de fazer reuniões constantes com um empresário dizendo como a equipe criativa deve trabalhar. Mas alguns estúdios têm todo seu fluxo de trabalho supervisionado.

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Apesar das necessidades de marketing — na forma de trailers, demos e versões beta — geralmente significarem mais restrições à linha do tempo do desenvolvimento, um cronograma firme geralmente beneficia o estúdio. Sem nenhum prazo, a maioria dos artistas não estaria preparada para entregar seus bebês ao público por causa das críticas. Sempre tem alguma coisa para melhorar ou acrescentar. "A realidade é que, se formos deixados por nossa conta, como desenvolvedores, nunca lançaríamos um jogo porque tem sempre alguma coisa para integrar, novas ideias para testar e aperfeiçoamentos para melhorar o jogo", me disse Straley. "Um jogo nunca é terminado, só lançado."

A arte nunca é terminada, só é abandonada

Sem dúvida, o maior marco (que a maioria das empresas, independentemente da estrutura, compartilha) e a primeira demonstração pública do jogo — experiências de jogo para serem exibidas a milhares de espectadores em grandes convenções como a E3, que acontece todo ano em junho em Los Angeles. Nessas convenções, o estúdio não tem apenas que impressionar as distribuidoras e investidores, mas o público também.

Isso pode significar tempo tirado da produção para focar em criar uma "fatia vertical" do jogo — essencialmente uma demonstração breve dele — com o jogo completo representando a "torta" inteira. Os desenvolvedores levam uma fase, mapa ou seção do jogo, aperfeiçoado com arte e música, para compartilhar os últimos desenvolvimentos com o público.

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"Você não precisa ter o jogo inteiro definido, você ainda nem sabe todos os mecanismos", me disse Straley. "Você tem que definir um pedaço e o tornar jogável para a publicidade, ao vivo no palco, e o que você está dizendo para o público é 'É assim que vai ser o jogo, a aparência dele, e é essa experiência que você pode esperar de nós daqui oito meses'. E essa parte e extraordinariamente difícil de manejar na produção."

"Todo mundo está construindo sua própria fantasia do que o produto precisa ser, tem que ser, quer ser. Mas você esquece qual é o produto." – Antoine Thisdale

O melhor que um trailer ou uma demo pode fazer é mostrar o progresso atual e as projeções do que produto pode ser. Mesmo se o pedaço vertical for uma fase inteira, isso não significa que os desenvolvedores não podem voltar atrás e incorporar mudanças com o que eles descobriram depois que um trailer/demo foi divulgado. De várias maneiras, mudança e interação são a pedra angular do desenvolvimento de games. Qualquer coisa desde o cabelo do personagem até a performance central podem mudar no decorrer do desenvolvimento.

Em vez de ver essas demos ou trailers como sugestões do que o desenvolvimento e a visão do jogo estão buscando, os espectadores geralmente os veem como promessas. Por causa da natureza da máquina de hype que é o marketing moderno, trailers promissores formam as expectativas do público. E se algo mudar por causa da necessidade ou de uma decisão criativa, um produto final que não representa com eficiência um pedaço vertical preliminar parece um fracasso, ou uma promessa desfeita.

"Todo mundo está construindo sua própria fantasia do que o produto precisa ser, tem que ser, quer ser", me disse Thisdale. "Mas você esquece qual é o produto." É difícil criar um retrato fiel de como um jogo vai parecer mais adiante, porque os desenvolvedores não sabem realmente até terminar. "As coisas mudam", disse Thisdale. "Animações mudam. Nosso personagem, Adam Jensen, mudou de animação umas quatro vezes. Se eu te mostrasse uma coisa de três anos atrás hoje, seria completamente diferente. Não é o mesmo modelo, não é o mesmo rosto, não é o mesmo figurino, as mesmas texturas, nada é igual."

Por outro lado, estrutura é o que obriga os desenvolvedores a tomar decisões. Mesmo lamentando a natureza às vezes irracional das expectativas e dos prazos, alguns desenvolvedores com quem falei disseram que isso ajuda o processo. "Há sempre mais 50 questões que surgem quando estamos tentando resolver um problema e definir uma mecânica", disse Straley. "Há centenas de possibilidades de estilos de arte e decisões criativas. É fácil achar que a prioridade é entrar em toda rua sem saída da estrada e achar uma solução 'perfeita'." Ter um prazo para a E3 significa ter que tomar essas decisões em vez de ponderar as 50 alternativas que a equipe criativa pode bolar.

Fases "caixa cinza" são um passo necessário no caminho para construir fases intrincadas. Screenshot cortesia da Eidos Montreal.

As demos da E3 também permitem que os membros das equipes vejam por si mesmo o jogo completo, com arte, animações e música, talvez pela primeira vez. Isso permite que a equipe veja o possível futuro de seu jogo, e dá um insight do que está funcionando ou não. "Até esse ponto, a visão do jogo está espalhada pelas mãos de centenas de pessoas", em disse Straley. "Os prazos ajudam a unificar a visão."

Não é apenas inspirador ver sua criação se juntar, também é uma oportunidade para se deliciar com ela em público. Muito do desenvolvimento de videogames é responder publicamente com um simples "não estamos discutindo isso ainda". A E3 e eventos que envolvem prazos de trailers e versões beta são a chance do desenvolvedor mostrar o que esteve ocupando seu tempo nos últimos três anos. É uma chance dele finalmente poder discutir isso.

Videogames nunca serão a visão perfeita em vinte dimensões imaginada na cabeça de um desenvolvedor. Há limitações realistas para o que pode ser traduzido numa experiência jogável, dependente das limitações da tecnologia e da estrutura de desenvolvimento do jogo. E ainda assim, temos muitas oportunidades de jogar games que são representações das melhores ideias de um estúdio, por mais recortadas que sejam.

"Às vezes trabalhos inacabados são melhores", analisou Straley. "O prazer de criar arte, qualquer arte, é como uma foto de um tempo e espaço. Onde você estava no dia em que pintou aquele quadro? Você capturou uma certa quantidade de luz, uma essência sua entrou nele, usei pinceladas fortes, capturei cada detalhe? Essas escolhas que fazemos como criadores são o motivo para a arte ser tão especial. Posso olhar para dois artistas e ver duas imagens completamente diferentes do mesmo momento. Isso é abandono. Essa é a beleza do abandono."

Eu poderia ter abordado esta matéria sob vários ângulos. Tive essa ideia quando pensei na natureza dos videogames vários meses atrás. Entrevistei 10 desenvolvedores com uma certa direção narrativa em mente. O que ficou naquele texto abandonado nos Meus Documentos são mais de cinco mil palavras. Este texto é resultado de um novo começo e entrevistas com oito desenvolvedores. Assim como desenvolver um videogame, ele tomou muito mais tempo do que estimei no começo, e passou por uma série de mudanças. E mesmo depois disso, tive dezenas de ideias com que trabalhar — muitas teorias e razões por que o desenvolvimento de videogames é tão difícil — mas achei que os leitores não investiriam em tantas palavras assim. Isso significou fazer concessões, e decidir que histórias eram as melhores para contar, e que eu poderia contar com os recursos à minha disposição. E esse foi um processo criativo. Nossas ideias geralmente serão maiores na nossa cabeça do que no papel, ou na tela.

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Tradução: Marina Schnoor

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