FYI.

This story is over 5 years old.

Identidade

Por que gays adoram o partido de extrema-direita da Alemanha

O Alternativa para Alemanha (AfD) tem angariado votos de pessoas LGBTQ contra a política de imigração da chanceler Angela Merkel.
Alice Weidel. Foto via usuário do Flickr Metropolitico.com.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Algumas semanas atrás, o Alternativa para a Alemanha (AfD em alemão), o partido populista de extrema-direita em ascensão do país, se reuniu em Colônia para decidir seu futuro. O AfD, que tem boas chances de entrar no parlamento alemão nas eleições nacionais em setembro, estava no meio de um confronto dramático entre as alas de extrema-direita e mais mainstream. Frauke Petry, química e ex-empresária que tem sido o rosto público do partido desde 2015, anunciou que não estava interessada em ser a candidata a chanceler do partido nas eleições — uma tentativa de pressionar os membros para votar na ala mais mainstream.

Publicidade

Não funcionou. O partido elegeu dois membros da ala conservadora para representá-lo na eleição, incluindo Alice Weidel, uma consultora de 38 anos do estado alemão de Renânia do Norte-Vestfália. No estilo típico do AfD, Weidel é altamente cética com a União Europeia em sua forma atual, uma vez acusou o Conselho Central dos Muçulmanos da Alemanha de "nunca se distanciar de maneira crível da charia da Idade da Pedra", e atua com um membro do partido que argumentou que Hitler não era "absolutamente mau". Num estilo menos típico do AfD, ela também está num relacionamento com uma mulher, com quem ela cria dois filhos.

"A onda recente de populismo na Europa está sendo marcada por gays abraçando publicamente a direita populista."

A combinação de homossexualidade e nacionalismo de extrema-direita não é algo novo em si — em círculos ativistas, o termo "homonacionalismo" muitas vezes é usado para descrever essa sobreposição —, mas a onda recente de populismo na Europa está sendo marcada por gays abraçando publicamente a direita populista. Dependendo da pesquisa que você ler, entre 16,5% a um quarto dos eleitores LGBTQ franceses apoiaram a Frente Nacional (FN) ano passado; segundo outra pesquisa mais informal do aplicativo de encontros gays Hornet, mais de um terço dos homens gays franceses planejavam votar em Le Pen no segundo turno as últimas eleições francesas. Uma pesquisa de 2016 de uma revista alemã descobriu que quase 17% dos leitores gays apoiavam o AfD.

Publicidade

Ainda assim, a tendência não é verificada apenas na França e Alemanha — na Holanda, Suécia, Noruega, Suíça e Áustria, partidos populistas de direita têm registrado um sucesso surpreendente com eleitores abertamente gays, complicando a suposição geral de que pessoas LGBTQ têm mais chances de apoiar partidos de esquerda.

Alex Tassis, chefe do grupo Homossexuais Alternativos do AfD (um grupo de simpatizantes LGBTQ do AfD), acredita que o partido será o mais popular entre homens gays na Alemanha, apesar de se opor oficialmente ao casamento gay — um "problema de luxo", como Tassis descreveu para mim. Como muitos outros simpatizantes gays do AfD, as principais preocupações de Tassis são a "islamização", que ele acredita ameaçar os valores ocidentais da Alemanha, e o multiculturalismo, que ele chama de uma "fantasia da Costa Oeste" que não pertence ao país. "Se é gay, você precisa ver como o ambiente social está mudando, agora através da política de refugiados de Merkel", disse ele, referindo-se à decisão de Angela Merkel de deixar centenas de milhares de refugiados entrarem na Alemanha em 2015. Ele acrescentou que o "mainstreaming de gênero", um termo da direita alemã para descrever conceitos vagos de igualdade de gênero, "é uma doença psicológica".

"Alex Tassis, chefe do grupo Homossexuais Alternativos do AfD, não acredita que os gays têm o dever moral de apoiar outras pessoas marginalizadas, como os refugiados."

Publicidade

Tassis também não acredita que os gays têm o dever moral de apoiar outras pessoas marginalizadas, como os refugiados: o "humanitarianismo", como ele chama, é uma "imoralidade decadente da classe alta milionária". Ele acrescentou: "Os gays precisam se distanciar para deixar claro de que lado estarão no futuro".

Patrick Wielowiejski, um candidato a PhD da Universidade Humboldt de Berlim que vem estudando membros gays e lésbicas do AfD, disse que apesar dos gays votarem nos partidos conservadores há décadas, essa onda populista recente tem marcado a primeira vez em que um grande número deles faz isso publicamente. "Eles votaram nos partidos conservadores nos anos 70 e 80, já que provavelmente estavam no armário e tinham crenças nacionalistas", disse, "mas o que é novo é como eles estão se levantando e dizendo 'Somos gays, lésbicas ou homossexuais, e vamos votar na FN ou no AfD'".

Wielowiejski acredita que essa mudança pode ser uma consequência acidental do sucesso do movimento pelos direitos gays na Europa. Durante os anos 70, muitos ativistas LGBTQ na Alemanha e outros países não queriam apenas ganhar direitos para si, mas mudar fundamentalmente as visões da sociedade de sexualidade e gênero. "Eles não queriam ser reconhecidos como uma minoria", disse ele. "Eles diziam 'Vocês têm medo da homossexualidade porque isso ameaça sua masculinidade', e queriam integrar os gays na sociedade."

Publicidade

Mas enquanto o ativismo gay adotou uma estratégia mais focada em política nos anos 80 e 90, centrada no argumento de que as pessoas LGBTQ eram uma minoria que precisava ser protegida, isso abriu a porta para grupos como os Homossexuais Alternativos. Como Wielowiejski coloca, essa abordagem significa que muitos gays se tornaram satisfeitos ao serem aceitos como uma minoria e confortáveis em ignorar outras injustiças sociais que não os afetam diretamente. "Esse tipo de política pode facilmente ser combinada ao nacionalismo", ele disse.

A ascensão de gays para posições de liderança nesses partidos também serve como uma folha de figueira para as políticas mais xenofóbicas do partido. Apesar de Weidel ser o primeiro membro de alto escalão queer do AfD, há várias pessoas LGBTQ em posições de liderança na Frente Nacional, incluindo Florian Philippot, o consultor mais próximo de Marine Le Pen.

O AfD já vez algumas tentativas claras de alcançar eleitores gays. No verão passado, o ramo de Berlim do partido lançou uma campanha de outdoors apresentando um casal gay dizendo: "Meu parceiro e eu não queremos encontra imigrantes muçulmanos que acreditam que nosso amor é um pecado mortal". O prefeito de Berlim chamou a campanha de "nojenta". Essa tentativa de chamar a atenção de eleitores gays e lésbicas permitiu que o AfD se retratasse como baluarte "tolerante" contra os invasores "intolerantes" — ou seja, muçulmanos e outros estrangeiros — mesmo condenando políticas pró-gay como o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Publicidade

Beate Küpper, psicóloga social da Universidade Hochschule Niederrhein da Alemanha que estuda a extrema-direita, argumenta que há explicações psicológicas para a atração de muitos gays pelo populismo de direita. "Se coloco alguém para baixo, me sinto automaticamente melhor, falando relativamente", relativizou a pesquisadora. Ela apontou que vários estudos mostram que grupos de minorias tendem a "fechar a porta atrás de si" — ou seja, trabalhar contra interesses de outras minorias assim que ganham direitos para si.

Para gays que ainda se sentem marginalizados na vida cotidiana, se juntar ou apoiar publicamente partidos populistas de direta permite que eles demonstrem pertencer à maioria: "É uma mecanismo de proteção". No caso de Alice Weidel, disse Küpper, sua retórica antimuçulmana permite que ela se distancie de sua identidade outsider como lésbica. "Já vimos isso em conflitos de grupos; quando grupos de jovens batem em alguém, geralmente não é no líder — é naqueles que estão mais baixo na hierarquia", ela disse. Weidel, por sua parte, atacou a mídia por focar na sua vida pessoal.

Sem surpresa, Alex Tassis não é um grande fã da análise de Küpper. "Esse era o tipo de psicologização que os nazistas faziam", disse. "Você pode ler sobre isso nas revistas da SS." Por outro lado, ele está muito feliz com o novo papel de Alice Weidel no partido, o que ele vê como um avanço para a visibilidade gay. "Dou boas-vindas a isso", ele disse. "Ser gay não é um problema no AfD. O AfD está preocupado com outras coisas."

Siga o Thomas Rogers no Twitter .

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.