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Procurei a Cura Gay (e Foi Deprê)

Resolvi ir até uma Igreja Universal do Reino de Deus e averiguar se existe mesmo uma cura e quanto ela custa. Confesso que fiquei meio apreensivo.

Vamos combinar, ser gay não é fácil! Principalmente para quem não dispõe de recursos financeiros. O gay rico pode andar despreocupado preso no seu carro blindado ao invés de se expor no transporte público. Pode também frequentar lugares onde é cool ser veado (esqueçam o “pequeno” incidente da lampadada na Avenida Paulista) e ainda ter o privilégio de ser o melhor amigo, quase um bicho de estimação, de uma mulher moderna. Dizem que fica até mais fácil conseguir emprego na área de moda ou de criação se você for afetado. "Quanto mais gay, mais criativo e bem relacionado, eu gosto desta gente efusiva trabalhando para mim", me disse uma vez o diretor de criação de uma agência de publicidade que figura na lista das dez mais premiadas do Brasil.

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Mas para quem não tem a sorte (?) acima, ser um gay pobre ou morar em regiões menos liberais pode ser perigoso. Como você sabe, em alguns países do Oriente Médio, o homem que pratica a sodomia pode ser julgado e condenado à morte. E aqui no Brasil é muito mais tranquilo! Na Rua Augusta, berço da diversidade paulistana, eu já vi um garoto de saia apanhar e, quando o acompanhei ensanguentado até um policial, ouvimos que "não se pode provocar e ficar dando mole, tem que se vestir igual gente, senão apanha mesmo".

Tudo isso me faz compreender (mas não concordar com) alguns dos motivos que levam uma pessoa a tentar procurar a "cura gay" nas igrejas. Por comodidade, resolvi ir até uma Igreja Universal do Reino de Deus perto da minha casa e averiguar se existe mesmo uma cura e quanto ela custa. Confesso que fiquei meio apreensivo. Eu já fiz matérias em que abordei prostitutas, garotos de programa e moradores de rua, mas nunca havia ficado tão tenso quanto naquela visita à igreja. Acabei bebendo umas doses de whisky para tentar relaxar. No caminho, minha mãe me ligou e perguntou o que eu estava fazendo.

- Oi mãe, estou indo na igreja.

- Ué, mas por quê? Algum amigo seu vai casar?

- Não, não! É para uma matéria que estou escrevendo. Tô indo ver quanto custa a cura gay.

- Cuidado, hein! Se souberem que você foi lá espionar é capaz de sumirem com você!

- Relaxa mãe, só vou relatar o que eu presenciar. E qualquer coisa eu mudo de nome, endereço e profissão.

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- Sei, seu engraçadinho! Bom, cuidado. No mínimo, você corre o risco dessa tal cura dar certo, não venha reclamar depois, hein!

Desliguei o telefone rindo e lá estava eu na frente de uma das autoproclamadas casas de Jesus. Antes de entrar, quase levei um esbarrão do segurança que colocava um mendigo para fora segurando o seu braço. "Eu já falei que aqui não é lugar para você, seu infeliz! Da próxima vez eu chamo a polícia, está me ouvindo? Rapa fora daqui!".

Fiz o sinal da cruz, pedi proteção ao meu deus e entrei da maneira mais reservada que pude. As minhas tatuagens nos braços e na nuca, ou talvez o meu cabelo moicano, chamaram a atenção dos fiéis e, ao invés de me sentir um peixe fora d'água, me senti um peixe na chapa quente, sendo fritado por olhares que me diziam que eu não pertencia àquele lugar. Me sentei em uma fileira da frente, pois queria ser visto e poder avaliar melhor como as coisas funcionavam ali.

Eu estava decidido a falar com o pastor após o culto, só não sabia direito como faria isso sem que ele percebesse que eu estava ali em busca de uma reportagem. Ele estava contando uma história sobre Israel, que não entendi muito bem, pois cheguei com o culto já começado. Após o pastor cantar uma música de louvor a Jesus, que eu acompanhei com os braços erguidos junto com as pessoas ao meu redor, ele disse emocionado:

"Meus queridos irmãos, hoje o meu coração está pedindo para que eu aumente a fé de vocês. Geralmente as doações que vocês fazem para Jesus são colocadas em envelopes e ninguém fica sabendo o tamanho da sua fé. Uns dão menos, outros dão mais, mas só vocês e Jesus veem isso. Mas a Bíblia, como vocês sabem, tem o poder de nos inspirar. E hoje é ela quem vai nos guiar! Cada um de vocês vai vir aqui na frente e contribuir abertamente para que todos vejam. Façam uma fila e contribuam colocando as notas em cima da Bíblia que eu vou deixar aqui em cima do púlpito. Não precisa ter vergonha não, podem subir."

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E lá fui eu contribuir para mostrar a minha fé, mas antes, guardei o envelope da doação do bolso para poder clicar a imagem que você vê acima. Peguei a fila indiana que se formou e abri a carteira enquanto andava junto com outras pessoas. Só então percebi que tinha apenas uma nota de R$ 50,00 e mais nada. "Como sou estúpido", pensei. Mas já era tarde, fiquei constrangido de voltar ao meu lugar sem mostrar o valor da minha fé. Ao colocar a nota em cima da Bíblia me senti um pouco mal, mas fui incentivado pelo pastor, que me olhou com um sorriso largo e fez um sinal de que queria falar comigo após o culto. Bingo! Consegui chamar a sua atenção sem precisar abordá-lo. De estúpido passei a me sentir sortudo! Pelo que vi, a maior contribuição do dia havia sido a minha e talvez isso tenha chamado a atenção dele.

Após o culto e com a igreja quase vazia, eu subi no palco e recebi um aperto de mão acompanhado de uma voz suave:

- Você está aflito, não é mesmo? Eu percebi assim que você entrou por aquela porta. Como Jesus pode lhe ajudar?

- Padre, eu vim aqui…

- Não sou padre, sou pastor!

- Desculpe, é a primeira vez que eu venho e não sei direito…

- Não tem problema, estou aqui como um instrumento de Deus. Pelo seu hálito eu vejo que você tem problemas com o álcool, certo?

- Não, não tenho… Quer dizer, eu bebi um pouco antes de vir para cá, eu estava meio tenso.

- Fique tranquilo! Para tudo há uma solução e isso só depende da sua fé. Pode abrir o coração e dizer o que te aflige.

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- Bom, eu vou ser direto. Eu tenho uma namorada, mas às vezes eu pratico a homossexualidade. E isso não deixa o meu pai feliz. Ele está muito doente, à beira da morte já, mas eu quero que ele morra sentindo orgulho de mim. Por isso eu procurei vocês. Eu tenho um irmão que usava cocaína e só conseguiu se curar na igreja. E eu acredito que Deus possa me curar também.

- O seu irmão frequenta a Universal de qual cidade? Você sabe o nome do pastor?

- Não sei o nome do pastor, mas sei que é no interior de São Paulo, ele mora lá. Posso perguntar pra ele…

- Entendo. Bom, você veio ao lugar certo. O homossexualismo é condenado pela Bíblia e não é um comportamento digno de quem tem Jesus no coração. Às vezes o diabo vem na forma de um amigo que te leva para o mau caminho, aí você se sente culpado e desconta no álcool. Mas se você realmente está disposto a entregar a sua vida para Jesus…

- Eu estou sim, vou fazer tudo que for necessário. Eu só preciso saber se realmente é possível deixar de ser gay. O senhor conhece alguém que já tenha se curado?

- Ninguém nasce gay, a pessoa passa a ser gay quando o diabo encosta na vida dela. Ser gay é anormal, ninguém é feliz dessa forma, porque sempre há o sentimento de culpa. Se fosse algo normal, todo mundo seria gay e não haveria mais famílias. É exatamente por isso que você se sente tão culpado, bebe e tem nojo do seu comportamento. Estou certo?

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- Sim.

- Eu vejo nos seus olhos que você tem fé e Jesus vai tocar o seu coração através da oração que vou fazer para você. Se levante, por favor.

Foi aí que o pastor colocou as duas mãos na minha cabeça e começou a mexê-la de um lado para o outro, me causando um pouco de tontura. Fiquei meio constrangido, pois ainda havia algumas pessoas na igreja e ele gritava enquanto orava: "Jesus tem poder, Jesus é mais forte e eu ordeno que o diabo saia do seu corpo. Queima, capeta! Queima, pomba-gira! Queima, Iemanjá! Queima, demônio do homossexualismo! Esta alma é de Jesus e você não pode nada contra nós!".

Tudo isso durou longos 2 minutos e senti vontade de chorar, tanto que fiz isso na frente do pastor e de quem estava em volta. Ele perguntou se eu me sentia melhor após a oração e eu falei que sim, inclusive, que estava chorando de felicidade e alívio. Satisfeito, ele disse que faríamos juntos um trabalho de sete sextas-feiras e, caso eu tivesse fé, estaria curado dentro deste período. Mas, segundo o pastor, eu teria que me dedicar e provar para Jesus que realmente era merecedor dessa cura. Eu não cheguei a perguntar qual o valor, mas ele me contou a seguinte história.

"Eu já participei de inúmeros casos de todo tipo de cura, até de câncer! A que mais me emocionou foi uma senhora que já estava em fase terminal e todos os médicos diziam que ela iria morrer em breve, os obreiros são testemunhas disso. Mas a fé dessa mulher era tão grande, mas tão grande, que ela não desistiu. E como tinha poucas posses, resolveu vender os móveis da sua casa e doar aqui para a igreja todo o dinheiro que lhe restava. Chegou a ficar sem dinheiro até mesmo para os remédios e tratamentos contra a maldita doença. Mas sabe o que aconteceu? Em menos de um mês ela estava curada, os médicos ficaram chocados. Hoje em dia ela está totalmente recuperada, foi morar no sul do país e abriu uma empresa. Está rica de saúde e de posses, com a graça de Deus! E mesmo morando no sul e frequentando a igreja de lá, ela continua enviando dinheiro para cá. Você entende o que eu quero dizer? Jesus quer saber o quanto você acredita nele e qual o tamanho da sua fé. Agora eu quero que você vá para a sua casa e reflita sobre isso que te contei. E tenho certeza de que nos veremos em breve!"

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Tudo isso me pareceu inacreditável, quase uma ficção. Cheguei a pensar se não teria sido fruto de um delírio da minha imaginação, desde o mendigo sendo expulso da igreja até o fato do pastor ter me abordado sem que eu precisasse fazê-lo. Quase deixei de escrever esta matéria, pois achei que ninguém acreditaria em mim. Só me dei conta do quanto o nosso senso de realidade anda deturpado quando reli o segundo parágrafo deste texto.

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