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Opinião

Este País não devia ser para touradas. É tempo de as proibir

A lei devia acabar com esta cruel tradição e quem diz que depende dela para viver, deve ser ajudado por fundos apoiados pela União Europeia.
toureiro espeta faca em touro numa arena em san fermin
Até quando vamos ver a contínua e descarada violação dos Direitos dos Animais? (Foto por Dani Cabezas, captada em San Fermin, Espanha, e originalmente publicada aqui)

Portugal tem tido um avanço significativo nos Direitos Humanos, tendo em conta a legalização do aborto e do casamento homossexual neste milénio.

Um dia, era bom que a discussão sobre uma possível proibição das touradas fosse levada a sério. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais merece que assim seja.

Sadismo entre portas, a imbecilidade dos lobbies e costumes chocantes no estrangeiro

Quando contemplou não baixar o IVA dos espectáculos tauromáquicos por motivos civilizacionais, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, deu o mote para ataques vis dos aficionados e o aparecimento de dizeres tolos. O escritor e político, Manuel Alegre, conseguiu até atirar a inócua e desajustada afirmação: "É este tipo de intolerâncias que cria Bolsonaros". Errado, sr. ex-candidato à presidência. O que é trágico é continuarmos com uma tradição que, aos olhos de qualquer ser humano sóbrio, é malévola (como é sabido, depois de levar com as atrozes bandarilhas, o touro acaba por morrer no matadouro ao fim de poucos dias). Estamos perante "uma prática (…) para satisfação sádica de protagonistas e espectadores", escreveu na semana passada o também socialista Vital Moreira, no blogue Causa Nossa.


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Vê também: "Touros nas ruas de Espanha: Defensores dos Animais vs Tradições Taurinas"


Chega de desculpas como a questão de gosto, a tolerância para quem ama (!?) os touros, a beleza dos trajes e da música inerente e o facto de esta "arte" ser admirada por gente culta e respeitada, como Hemingway ou Picasso. Os trabalhadores dependentes deste negócio são, provavelmente, a única razão merecedora de conversa aprofundada (mais adiante, avanço com uma solução para ela).

O mal devia ser cortado pela raiz para as gerações mais novas - com o beneplácito de organismos públicos - não serem vítimas de lavagem cerebral e possam, naturalmente, considerar o universo taurino uma bárbarie. Esta bizarria medieval conta ainda com forcados falecidos e feridos, sem esquecer o calvário dos cavalos que nela participa. Nem sei como há lobbies a desejarem que esta violência gratuita seja reconhecida pela UNESCO, como Património Cultural Imaterial da Humanidade. A imbecilidade devia ter limites.

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Para ver sangue, mais vale o clássico "Touro Enraivecido", com Robert De Niro. (Filme de 1980, realizado por Martin Scorcese. Foto cortesia United Artists)

O mundo da globalização traz a informação de forma acelerada e, muitas vezes, chega sem filtro aos nossos ecrãs. Por mais que se queira evitar, seja numa rede social ou no zapping televisivo, a dura realidade irrompe no quotidiano sem que a encomendemos. No capítulo da tradição, há factos inexplicáveis que não deixam ninguém indiferente.

Nas Ilhas Faroé, centenas de baleias são chacinadas por causa de um ritual ancestral denominado "grindadráp"; na região chinesa de Guangxi, defendendo a crença de que o medo e o sofrimento melhoram o sabor da carne, um número maciço de cães é abatido ilegalmente para contentar os visitantes do Festival Yulin; em alguns países africanos, a mutilação genital é prática comum; e, na Arábia Saudita, as mulheres já podem conduzir mas se quiserem abrir uma conta bancária, aceder a uma intervenção médica ou viajar para o exterior, necessitam da autorização de um guardião (marido, pai ou irmão).

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Vê: "O controverso Festival da Carne de Cão em Yulin"


Como vês, a desculpa de que os costumes devem ser respeitados, porque faz parte da história e cultura de um povo, é uma falácia (a não ser que concordes com qualquer um dos quatro exemplos anteriores). Pode-se respeitar o passado, aprender-se com ele, mas com o passar do tempo - e mudança no plano legislativo -, há normas que deixam de fazer sentido.

Foi assim com a caça das baleias nos Açores ou o fustigar de animais em praças públicas em Inglaterra e Itália. Relativamente à tauromaquia, é curioso verificar que já foram abolidas em Portugal por quatro ocasiões. Em algumas delas, foi invocado como "um divertimento impróprio de humana Nação civilizada" (em 1809), ou decretada a punição de "toda a violência exercida sobre animais com pena correccional de 5 a 40 dias em caso de reincidência" (1919).

A empatia para com os animais e o desejado referendo

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As arenas portuguesas merecem paz. (Filme "Ferdinand", de Carlos Saldanha, em 2017. Foto cortesia 20th Century Fox).

A sensibilidade nacional para com o bem estar dos animais, está a aumentar. A propósito da afluência do público a certames taurinos, o relatório da Inspecção-Geral das Actividades Culturais revela a queda para metade do número de espectadores, nos últimos sete anos. A esse dado, adiciona-se a decisão dos estudantes universitários de Coimbra de acabarem com a garraiada tradicional e a entrada de uma nova força partidária no Parlamento, em 2015: Pessoas-Animais-Natureza (PAN).

Como é evidente, quando está em causa a matéria das touradas, o novato da Assembleia da República está no olho do furacão e os entusiastas da faena aproveitam para o criticar. No comentário semanal na TVI, Miguel Sousa Tavares assinala o crescimento de "uma perseguição" por parte do PAN a este género de eventos e, lamentavelmente, acrescenta que o deputado André Silva "mete mais medo do que um touro selvagem na arena". E eu a pensar que o verdadeiro terror foi ter-se deixado Ricardo Salgado de maneira infinita à frente do BES…

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O PAN, a organização Animal e a Plataforma Basta de Touradas, têm sido fundamentais para alertar sobre a tortura existente na tauromaquia. Em Julho último, o partido viu o seu projecto-lei para a extinção da actividade chumbado no Hemiciclo (unicamente aprovado por si, com o apoio das bancadas do Bloco, d'Os Verdes, juntando-se ainda oito deputados do PS e um do PSD). Durante o debate, André Silva foi taxativo ao declarar que a lide dos touros bravos "consiste na exibição da mais abjecta cobardia de que a espécie humana é capaz: o execrável divertimento com a fragilidade e com a dependência alheias".

Na entrevista dada ao jornal i, Rita Silva, presidente da Animal, entende que "a chave é acabar com os dinheiros públicos". Se dependesse "exclusivamente dos fundos privados [a tourada] já não existia", conclui. Na estimativa realizada pela Basta, lê-se que o Estado tem contribuído anualmente com mais de 16 milhões de euros para o desenvolvimento da cultura tauromáquica. Ou seja, se as corridas fossem proibidas, os agentes dependentes desta economia podiam ser protegidos com parte deste bolo pago pelos contribuintes, numa transição porventura merecedora de ser suportada por Bruxelas.

De resto, teria de existir uma reinvenção do meio, com as praças de touros a serem aproveitadas para outro tipo de acontecimentos (como já acontece). Este plano de reestruturação passaria, por exemplo, pela colaboração entre as autarquias e os ministérios da Agricultura, da Economia e da Secretaria de Estado do Turismo. Em todo o caso, estas notas soltas são ainda uma utopia. Como há um sentimento duvidoso na sociedade sobre a validade das touradas, porque não um referendo na próxima legislatura sobre a proibição das mesmas? Acredito que a maioria não gosta, não liga e veria de bom grado o seu fim. A palavra aos deputados para que se viabilize a consulta popular.


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