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Sexo

Os millennials que escolheram uma vida sem sexo

Assim como outras pessoas jovens, sou um homem de 29 anos que aceitou voluntariamente o celibato.
TS
ilustração por Thomas Slater
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Ilustração de um homem andando na direção contrária de uma placa que diz "sexo"

Este artigo foi publicado originalmente na VICE UK.

Quando é que foi a última vez que fizeste sexo? Uma questão delicada, sim, mas a que consegues responder numa questão de segundos. Esta manhã, foi? Sexta-feira à noite? Talvez há duas longas e penosas semanas? E se a tua última queca estivesse tão enterrada nas marés do tempo que não te conseguias lembrar quando tinha sido? E se essa decisão de renunciar ao sexo tivesse sido inteiramente voluntária?

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Bem-vindos ao mundo do millennial celibatário.

E, mais pertinente ainda, bem-vindo ao meu mundo: sou um homem de 29 anos que decidiu voluntariamente aceitar o celibato. Também tenho noção de que, para vocês, a palavra "celibato" traz à cabeça imagens de monges, de putos do Texas fanáticos das armas, de virgens fanáticos das armas no Reddit ou daquela raça muito específica de suburbanos tristes, fanáticos das sandálias que encontras nas esplanadas dos jardins, a observar fixamente os cães que estão a ser passeados. A ideia de ser um millennial celibatário voluntariamente - especialmente sendo agnóstico - é, para muitos, completamente incompreensível. Mas, eu dir-te-ia que é uma realidade da qual não estás tão longe quanto pensas.


Vê: "O que é que se passa com o amor?"


Há alguns anos, a minha última relação amorosa foi-se apagando, exactamente da forma como estas coisas tendem a acontecer. Duas pessoas tristes e stressadas só conseguem fazer-se mutuamente felizes até certo ponto. E a triste verdade é que, a menos que ambos estejam providos de líbido suficiente para dar e vender, o sexo é uma das primeiras coisas a desaparecer.

À noite, em frente ao ecrã mal iluminado do computador, ambos se vão desconectando um do outro, virando-se, silenciosamente, para paredes opostas. De manhã, um toma duche enquanto o outro lê e-mails, começando o dia logo em stress, tornando a vida em algo que parece impossível de controlar ou abrandar. Primeiro um, depois o outro. Até que, acabámos. Ela saiu de casa, depois eu saí da casa e depois os dois tentámos seguir em frente.

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Durante grande parte do tempo que se seguiu, perguntei-me quando é que o desejo - uma palavra que nunca tinha aplicado com seriedade a mim próprio - voltaria a bater-me à porta. No principio, isso encheu-me com um sentimento corrosivo de dúvida e preocupação. Mas, com o tempo, fui-me apercebendo de que estava a começar a aceitá-lo. Depois de uns meses daquilo que considerava ser uma abstinência externamente imposta pelas circunstâncias, dei-me conta que, fora do contexto de uma relação, o sexo não era uma parte importante da minha vida.

Por muito sexo que andes a fazer, de certeza que já reparaste que estamos a viver uma mudança na maneira como o amor, as relações e o sexo funcionam. Sair com alguém devia ser divertido - lembram-se? -, mas é cada vez menos. As apps omnipresentes pelas quais navegamos no autocarro ou na casa-de-banho, prendem-nos a um sinistro vai-não-vai, levando-nos a recriar uma versão de nós mesmo mais e mais apelativa para expor no mercado amoroso.

Encontros tornaram-se em trabalho e os nossos perfis do Tinder, Grindr ou Hinge tornaram-se nos nossos CV's que publicamos online enquanto procuramos negociar digitalmente. "Fechar o acordo" de uma intimidade que é apenas vagamente real. Há quotas de produtividade a atingir, encontros para serem combinados, papelada e burocracias que não acabam no grupo em que fofocamos sobre o que andamos a fazer.

Quando ir a encontros - o que, afinal de contas, é como a maioria das pessoas chega ao sexo - deixa de ser divertido e se torna numa grande fonte de ansiedade, até que o desejo em si começa a parecer-se a um sentimento paralisante de tensão, até que também o desejo em si traz ansiedade, até que a ideia de desejar dá ansiedade, até que também a ideia de ser desejado te põe ansioso… Com o tempo, sexo deixa de ser uma opção atraente.

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Todos sabemos que os millennials supostamente fazem menos sexo que as gerações anteriores - até o teu bis-bis-bis-bis-bis-bis-avô, o celta que vivia numa cabana, tinha mais acção que tu. E todos sabemos que a ansiedade, a maldição da era moderna, tem grande culpa nisso. A ansiedade é, penso eu, a razão principal que me leva a estar feliz por abandonar, aos 29 anos, a luta de desejar e ser desejado. Porque, para mim, luxúria e amor já não são um escape nem um consolo. Em vez disso, são mais como uma cedência, tal como tudo o resto que integra a neurose transaccional da vida na era digital.

Jack é um modelo de 26 anos a viver em Londres. Depois do Natal, fez uma promessa a si próprio de tentar o celibato, apesar de por motivos diferentes dos meus. "Tinha sofrido uma série de desgostos amorosos e estava completamente devastado por causa de um homem com quem tinha sexo extraordinário - fazer sexo medíocre ou até banal com outras pessoas só tornava mais latente a perda do sexo que costumava ter", conta-me. E acrescenta: "Senti que estava desesperadamente à procura de algo, por isso decidi apagar todas as aplicações e não fazer sexo durante um mês".

O que começou como uma experiência tornou-se, gradualmente, em algo que continuou indefinidamente. Quando lhe pergunto se considera que está a ser bem-sucedido, Jack acena com a cabeça e diz: "Muito. Aprendi que, mais do que tentar satisfazer esta necessidade terrível por sexo ou intimidade, consigo acalmá-la, reduzi-la a um nível tolerável, agradável até, saudoso". O resultado, diz Jack, é que tem mais tempo para os amigos ou para ir ao ginásio. Não que entrar voluntariamente no período de abstinência resulte, automaticamente, no desaparecimento do desejo. "Voltei a ver pornografia e a masturbar-me várias vezes", admite. E conclui "O que é na boa. É suficiente!".

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Vê: "A indústria do amor na era dos smartphones"


Uma outra amiga, Monica, que trabalha em Marketing e vive em Manchester, está de momento no plano de reabilitação de 12 passos. Parte do plano passa por decidir abster-se de relações, tanto românticas como sexuais. Pergunto-lhe se ela acha que o "celibato voluntário" é válido - quer como um aparelho linguistico para descrever uma fase de seca, como Jack aplicou, quer como forma e vida, como eu. "Há, sem dúvida, pessoas que se indentificam como voluntariamente celibatárias, assim como há benefícios inegáveis numa vida sem contacto sexual," realça. E sublinha: "No entanto, dou por mim muitas vezes a pensar se não será uma forma de evitar intimidade e toda a ansiedade que vem com ela".

Isto é algo que eu - e seguramente outros celibatários - pondero muitas vezes. Amigos meus, com alguma razão, questionam o quanto eu quero, realmente, ser celibatário ou se canalizei todos os meus medos (de ser rejeitado, de falhar, de não ser bom na cama, ou de não saber lidar com a pressão) num papel a interpretar quando saio à noite. Perfeito para esconder a total ausência de esforços da minha parte no que toca a voltar a integrar-me na comunidade romântico-sexual. Não será, perguntam-me os meus amigos, uma desculpa? Uma forma de esconder a ansiedade à volta do sexo e do que significa gostar de sexo, pensar em sexo, querer sexo, querer que os outros pensem sobre nós num contexto sexual?

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Bem, sim e não. Há certas noites (mais manhãs, para ser sincero, aquelas que acordo de ressaca e percebo que na noite anterior estava rodeado de casais e agora estou totalmente sozinho, apenas com um livro e um telefone ao meu lado; as manhãs em que me arrasto até ao centro de lazer do fundo da rua e fico a ver outros homens tristes e sós, homens que não gostam das suas vidas nem da textura das mesmas, homens que se sentam de pescoço enfiado no peito e punhos cerrados) em que sou forçado a considerar quão voluntária é, na verdade, a minha decisão de abstinência do mundo do sexo.

Tenho saudades da intimidade, isso é inegável, assim como da proximidade que apenas o sexo com alguém que amas realmente é capaz de dar. Mas, não tenho saudades ao ponto de me forçar a renegociar a minha relação com a forma como as coisas funcionam hoje em dia. Fundamentalmente - por mais estranho que vos possa parecer -, não sinto saudades do sexo em si, ou sim, mas não tantas como sentiria de uma oportunidade para renunciar a uma vida em que manter as minhas conexões sociais me traz ansiedade e sensação de fracasso.

Portanto, enquanto, por exemplo no São Valentim vocês andam aí todos a pinar como se não houvesse amanhã, eu tenho um bolo à minha frente, só para mim, e a oportunidade de o comer em paz.


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