Punks Romenos Contra o Comunismo

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Punks Romenos Contra o Comunismo

Conversei com um cara das antigas que fazia parte da cena de Craiova, cidade que foi o berço do punk no país.

Vivi na Romênia a vida inteira. Mesmo assim, sempre pensei que o punk só tinha chegado aqui depois da queda do comunismo em 1989. Aí ouvi falar de uma exposição chamada Punk, Ash and Holocaust, que acontecia numa cidade do sudeste da Romênia chamada Craiova. Acontece que ali foi o berço do punk no país, e a cidade abrigava uma comunidade punk forte de mais de mil pessoas no final dos anos 1980, que floresceu nos anos 1990 até que a globalização levou a melhor.

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Curioso para saber mais, fui conversar com um cara que se referiu a si mesmo como “Antipro”, o nome de uma das bandas que emergiu naquela cena mais tarde nos anos 1990. Ele não quis revelar seu nome verdadeiro, mas era um dos caras das antigas da cena punk de Craiova.

VICE: Como o movimento punk alcançou Craiova?
Antipro: Antes da queda do comunismo em Craiova, havia um número pequeno de pessoas com tendências mais liberais, que se identificavam com a expressividade da música punk. Inicialmente, eram só sete ou oito adolescentes — eles ouviam punk, cortavam o cabelo de um jeito estranho e usavam roupas militares. O resto do pessoal foi atraído por eles por pura curiosidade. Mais tarde começamos a trocar músicas, coisas gravadas das rádios sérvias. A polícia secreta seguiu alguns de nós, algumas pessoas foram interrogadas e torturadas. Quando os anos 1990 chegaram, ficou mais fácil se movimentar e foi isso que fizemos. Craiova é pequena, então era natural que nos espalhássemos. Daí Bucareste seguiu o exemplo.

Qual era o tamanho da comunidade?
Éramos cerca de mil pessoas, mas nem todos eram ativos. Apenas algumas centenas se reuniam para os shows em Timişoara. As duas principais bandas de Craiova eram o Terror Art e, depois, o Antipro.

Além dos shows, o que mais vocês costumavam fazer?
A gente lia muito e ouvia música, mas não ficávamos só nas bandas punk como The Exploited, Sex Pistols e Ramones, também ouvíamos muita música experimental. Estávamos sempre procurando por coisas novas. Escrevíamos para amigos de diferentes cidade e países perguntando sobre música, então virou meio que uma competição descobrir novos gêneros e mostrar para os amigos.

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E onde vocês costumavam se encontrar?
Antes da queda do comunismo, acho que os punks mais velhos se encontravam dentro da agência dos correios durante o dia. Com os anos 1990, vieram alguns bares e até tínhamos um porão onde fazíamos festas. Depois disso só crescemos — em 1994, tínhamos centenas de membros.

Vocês tinham problemas por causa do jeito que se vestiam?
Nosso grupo era bem conhecido na cidade, então não tínhamos problemas porque as pessoas nos evitavam. Nada nunca aconteceu comigo especificamente. Algumas pessoas gostavam de falar merda da gente, mas nunca entrei em nenhuma encrenca por causa das minhas roupas. Acho que nem dava para dizer que éramos contra a cultura mainstream, porque naquela época não havia realmente uma cultura mainstream. Estávamos tentando inventar uma.

De qualquer maneira, nosso grupo era mais como um grupo de discussão. Muitos eram formados em filosofia e vivíamos falando sobre noções de sociedade e vida. Alguns foram para o exterior para fazer doutorado, alguns se mudaram para a Alemanha.

Foi assim que o movimento punk acabou, porque todo mundo deixou a cidade para estudar?
Provavelmente teve a ver com as mudanças que atingiram a sociedade romena. Em 1995, o canal Pro TV foi formado e chegou ao mercado com um jornalismo agressivo e manipulador. Eles lançaram uma campanha para disseminar informações falsas sobre os punks de Craiova, dizendo que éramos satanistas. As coisas saíram do controle quando o serviço secreto romeno começou realmente a seguir pessoas e revistar nossas casas para encontrar provas disso.

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Protestamos contra isso e explicamos que não tínhamos nada a ver com essa merda toda de que eles nos acusavam. Felizmente, o povo de Craiova nos conhecia bem e nos defendeu da mídia local e das autoridades.

Por que você acha que a nova geração de adolescentes de Craiova parou de ouvir punk?
Não era muito a questão da música, isso era só um pretexto para nos reunirmos. Não sei como a nova geração se reúne agora, ou mesmo se a ideia de punk é relevante hoje. Naquela época, os espaços públicos continuavam sendo do público. Eles ainda não haviam sido engolidos pelas grandes corporações e cadeias de restaurantes e bares.

O que liga o punk romeno ao punk da Inglaterra e dos Estados Unidos?
Não acho que os punks de Craiova eram similares aos britânicos e norte-americanos. O punk da Europa Oriental tinha suas peculiaridades. Mesmo o movimento punk tendo uma orientação de esquerda em países onde tomou forma, estávamos de saco cheio dos políticos de esquerda. Tínhamos experiência com o comunismo de esquerda e não queríamos mais saber disso.

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