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Na Colômbia, Legisladores Debatem a Legalização do Ecstasy

Há tempos a Colômbia é uma das líderes mundiais na produção de drogas – especialmente a cocaína. Mas só recentemente teve que confrontar a ideia de que o consumo dentro do país também está aumentando.

Foto cortesia de Échele Cabeza.

As batidas enchem o loft do Power Latina em Chapinero, bairro da capital colombiana, numa noite de sexta-feira. Imagens caleidoscópicas são projetadas num telão enquanto os frequentadores do clube de Bogotá fazem fila do lado de fora na chuva fria.

Uma foto imponente de dois metros de uma jovem saindo por uma porta com um olhar intrépido está pendurada no fundo do bar. Impressa junto com ela está a mensagem: “Saia do armário psicoativo”.

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Uma frase atraente – concatenada pelo grupo de defesa do uso seguro de drogas Échele Cabeza – encoraja usuários de ecstasy e outras drogas sintéticas a se abrir sobre seus hábitos e investigar a segurança das drogas que tomam, assim o grupo espera transformar as festas de Bogotá em algo mais esclarecido e menos perigoso.

Há tempos a Colômbia é uma das líderes mundiais na produção de drogas – especialmente a cocaína. Mas só recentemente teve que confrontar a ideia de que o consumo dentro do país também está aumentando. E isso, segundo os especialistas, não é algo particular da Colômbia. O consumo de drogas em todo o planeta está crescendo, diz Daniel Mejía, diretor do Centro de Pesquisa de Segurança e Drogas da Universidade dos Andes em Bogotá.

Seguindo essa tendência, uma nova legislação, apresentada pelo Ministério da Justiça, propõe regulamentar (e não proibir) o consumo pessoal de ecstasy e outras drogas sintéticas. Essa possibilidade agrada muito os usuários de drogas, satisfaz muitos dos especialistas no assunto e alarma alguns políticos locais.

“Isso mandaria uma mensagem errada para nossa juventude”, diz Efraín Cepeda, senador e chefe do partido conservador colombiano. Mais cedo naquele mesmo dia, ele havia dito aos repórteres colombianos que permitir o uso de drogas sintéticas seria um “salto no escuro”.

Mas a Colômbia já tem experiência com a descriminalização das drogas.

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Uma lei de 1994 permitia o porte de uma pequena quantidade de maconha e cocaína para consumo próprio. Nos anos 2000, sob a administração do ex-presidente linha-dura Alvaro Uribe, a Colômbia passou a ter uma abordagem mais repressiva quanto ao uso de drogas e, em 2009, começou a punir a posse e o uso de cocaína e maconha.

No entanto, em junho passado, o Tribunal Constitucional do país reverteu a criminalização do uso pessoal – e dessa vez estendeu a lei para incluir também drogas sintéticas.

Quais? É exatamente isso que o governo está tentando definir. Se a legislação for mesmo aprovada, ela permitirá a posse de doses pessoais de ecstasy (200mg ou 3 pílulas) e outras anfetaminas, mas excluirá metanfetaminas e LSD. O governo diz que está modernizando suas políticas para incluir as drogas usadas hoje em dia.

E ninguém entende mais disso que o Échele Cabeza. Em festas, shows e raves, o Échele Cabeza leva um laboratório móvel que pode revelar ao consumidor se a droga escolhida por ele realmente contém a substância prometida pelo vendedor. Os usuários podem tirar uma amostra de ecstasy, por exemplo, e o laboratório detecta se a pílula é verdadeira ou não. “Se isso contém MDMA [a principal anfetamina presente no ecstasy], o que vou te dizer? Não consuma isso com álcool”, diz Sergio Daniel, 28, sociólogo e voluntário da Échele Cabeza. “Se não contém, o que eu vou te dizer? Desculpe, mas não sei o que é isso – consuma de maneira responsável.”

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O coletivo é parte da Acción Técnica Social, a única organização sem fins lucrativos no país dedicada a reduzir o risco do consumo de drogas psicoativas. Um dos slogans deles diz tudo: mais prazer, menos viagens ruins. Muitos de seus membros são pessoas que faziam parte da cena de música eletrônica e consumiam as drogas associadas a ela no meio dos anos 1990.

Seu presidente, Julian Quintero, 35 anos, com um tufo de cabelo enrolado e uma tatuagem no braço que diz “Pessoas legais usam drogas”, lembra que, antes de sua popularização, o ecstasy era considerado um droga exclusivista – só a elite podia pagar o preço (cerca de US$15 a pílula na época, o que era bem caro num país ainda em desenvolvimento) ou tinha acesso através de amigos que traziam de viagens aos Estados Unidos e Europa.

No meio dos anos 2000, a qualidade do ecstasy caiu, assim como sua popularidade. O LSD começou a preencher a lacuna. No final da década, tanto o LSD quanto o ecstasy estavam no mesmo patamar de popularidade.

“Então, o que aconteceu no ano passado?”, diz Quintero. “O LSD estava uma porcaria.” Não apenas isso, a qualidade do ecstasy voltou a ser o que era. “A qualidade do ecstasy no ano passado substituiu a queda na qualidade do LSD”, segundo ele. Uma qualidade tão alta que fez ele e amigos da mesma idade voltarem a usar a substância.

O laboratório do Échele Cabeza tem registrado níveis extraordinariamente altos de MDMA nas pílulas de ecstasy – algumas das que apareceram por lá possuíam o conteúdo de duas pílulas de ecstasy em uma. “É bom demais”, disse Quintero. “Isso dobra o efeito, mas também dobra a crise [quando o efeito passa].”

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Quintero observou que a alta qualidade no último ano acabou derrubando um pouco o consumo por algum motivo. Mas alguns políticos temem que o consumo crescerá assim que a Colômbia aprovar a lei da dose pessoal de ecstasy.

“Isso vai aumentar o consumo”, diz Gilma Jiménez, senadora que se opõe à lei. “Isso atrairá nossas crianças para o submundo e elas se tornarão viciadas e traficantes.”

Mas Augusto Pérez, psicólogo que trabalha com viciados em drogas e diretor da Nuevos Rumbos Corporation, uma ONG que estuda e presta consultoria para políticas sobre drogas, diz que atitudes assim são alarmistas e infundadas. O ecstasy não tem qualidades viciantes por si próprio e ele diz que os colombianos não devem esperar que o consumo disso dispare com a descriminalização – não houve um pico duradouro de consumo de cocaína e maconha depois da despenalização disso aqui no passado, diz Pérez.

Essencialmente, o ecstasy é apenas uma das muitas drogas (geralmente na mesma faixa de preço) em oferta em Bogotá. “Aqui temos uma cena de festas que poucas cidades na América Latina têm”, aponta Quintero. “Aqui você pode consumir as drogas que quiser a um preço baixo e com alta qualidade.”

O governo pretende enviar a lei ao Congresso para votação em julho. Uma pesquisa recente feita por uma estação de rádio local descobriu que 67% dos entrevistados eram contra a despenalização do ecstasy e outras drogas sintéticas.

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“Por que eles [os políticos contra isso] estão arrancando os cabelos e criando um escândalo tão grande por causa da descriminalização de substâncias como o ecstasy?”, diz Pérez. Ele aponta especialmente que o uso pessoal de cocaína, uma substância bem mais perigosa e viciante, já foi despenalizada – e que isso não teve efeitos significativos nos níveis de consumo.

Não é como se a Colômbia tivesse uma crise de consumo de ecstasy nas mãos: um estudo universitário do ano passado descobriu que menos de um por cento dos estudantes já usou isso, e que, no quesito popularidade, a droga fica atrás da maconha, cocaína, LSD e inalantes.

Então por que alguns políticos estão fazendo tanto barulho sobre adicionar o ecstasy à cesta de drogas permitidas para o uso pessoal?

“Porque é algo novo”, me disse um usuário de ecstasy que preferiu se manter anônimo. “As pessoas não entendem a realidade.” Apesar do ecstasy estar por aí há anos, seu uso não se espalhou e a cena em si é relativamente pequena, associada a festas de música eletrônica, skatistas, a cena artística e aqueles que conseguem pagar de US$12 a 17 por uma pílula. Além disso, as pessoas não tendem a usar isso regularmente, e sim como experiência particular de final de semana, apontou Joana Arevalo, ativista e defensora dos direitos dos usuários de drogas psicoativas (ela própria uma usuária).

A maioria dos políticos que se opõe à permissão do ecstasy não está alarmada com a regulamentação das drogas sintéticas em si, mas é contra permitir o uso pessoal de qualquer tipo de droga.

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“A chave é focar em políticas que abordem os danos do consumo problemático” – o tipo relacionado ao vício, crimes e doenças –, diz Mejía, que faz parte de uma comissão formada pelo governo para fazer propostas para avançar com as políticas de regulamentação de drogas no país.

A posição dura quanto ao tráfico dessa lei proposta pelo governo e, ao mesmo tempo, a abordagem menos dura para o consumo refletem uma grande mudança na perspectiva do consumo de drogas como uma questão de saúde pública, e não criminal. Especialistas no assunto saúdam a abordagem que se concentra na prevenção e no tratamento em vez de mandar os consumidores para a cadeia.

Com a lei, “estamos separando criminosos e consumidores”, anunciou a Ministra da Justiça Ruth Stella Correa.

Não importa o que aconteça, sempre haverá pessoas que festejam com drogas, então deveríamos nos concentrar em reduzir os riscos que elas podem encontrar quando fazem isso, diz o Échele Cabeza.

“Agora existem muito mais substâncias, mais drogas piratas, mais pessoas em busca delas e, acima de tudo, muito mais gente vendendo de tudo”, diz Daniel. Sendo assim, informar o policonsumidor que drogas não devem ser combinadas é parte da estratégia do Échele Cabeza. O laboratório móvel também é vital, diz Daniel, já que isso informa os usuários de que a droga que estão consumindo pode não ser exatamente o que foi vendido a eles pelo traficante. E se eles percebem um padrão em alguma parte da cidade, ou que um certo traficante está vendendo drogas batizadas, eles podem alertar os usuários.

Não é uma questão de parar a festa, me disse Daniel. Eles querem é tornar a festa segura.

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