​Como fui de cover de Backstreet Boys a chef de cozinha sustentável
Todas as imagens são cortesia do Flying Fish

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​Como fui de cover de Backstreet Boys a chef de cozinha sustentável

Ser um falso Backstreet Boy em 1999 significava viajar o mundo tocando para multidões. Mas desisti de tudo para abrir um restaurante de frutos do mar nas Bahamas.

Matéria originalmente publicada em abril de 2015 no Munchies US.

Comecei a fazer cover de Backstreet Boys em 1999. Eu já era músico e um grande amigo tinha uma banda na época. Eles tinham um show fixo todo fim de semana na Canada's Wonderland, que é tipo a Disneyworld de Toronto. Tinha uma empresa em Toronto que basicamente só trabalhava com tributos. A Shania Twain tinha o Shania Twin, e tinha uma banda de tributo ao Eagles chamada Hotel California. Todas tinham um nome engraçadinho.

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Eu estava lá com meu amigo na coxia. Não percebi na época que um dos caras estava saindo da banda — o engraçado é que ele ia sair para fazer uma banda em homenagem ao Billy Joel. Se você visse a cara dele, entenderia a graça. Era igualzinho. E, claro, quando você faz esse tipo de coisa sozinho, rola muito dinheiro.

Perguntaram se eu queria entrar, e eu respondi: "Claro, pode ser, parece um negócio divertido". Eles viajavam bastante, então era um bom jeito de dar um rolê e uma oportunidade de conhecer o mundo. Mas no fim das contas, era uma produção séria — todos tínhamos as mesmas trocas de roupa e as mesmas coreografias dos Backstreet Boys de verdade. Tudo era exatamente igual ao show original, com exceção de alguns adereços mais elaborados.

"Uma vez abrimos para o Weird Al Yankovitch em um parque nacional no Nebraska, e era a conferência nacional dos Escoteiros da América, então tinha mais de 40 mil pessoas. Mas eles trataram a gente muito mal, então pegamos toda a comida e cerveja de lá e vazamos."

É preciso ser parecido com o cara que você imita — isso é o mais importante. A gente manipulava bastante com maquiagem e tal, porque também não se vê ninguém de perto. Mas mais importante ainda é que era preciso saber cantar a sua parte. Eu estudei teatro na faculdade e, no colégio, tinha sido o membro mais jovem de um coral masculino, com quase 30 anos de diferença. Eles eram muito, muito competentes em harmonia, e isso foi bom para o meu desenvolvimento. Cada membro dos Backstreet Boys tinha uma voz muito própria, então eu fui escolhido simplesmente por causa dos papéis de cada um.

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Tim Tibbitts. Foto de Lyndah Williams.

O lance com a banda foi divertido por um tempo. Deu para viajar e tocamos em espaços bem grandes. Uma vez abrimos para o Weird Al Yamkovitch em um parque nacional no Nebraska, e era a conferência nacional dos Escoteiros da América, então tinha mais de 40 mil pessoas — foi um show enorme. Mas eles trataram a gente muito mal, então pegamos toda a comida e cerveja de lá e vazamos.

A banda ficou tão famosa que tiveram que criar uma segunda banda para tocar nos shows, festivais e feiras menores, coisas assim. A gente chamava de Banda A e Banda B. Na Banda A, eu fazia o Howie, mas na Banda B, eu era o AJ. A Banda A era legal, porque obviamente os shows eram muito maiores, os lugares muito mais bacanas, estádios e arenas enormes. Mas eu não cantava tanto quanto um dos principais. Essa é a questão — você quer cantar.

Era uma loucura, principalmente com as crianças. A gente fazia um show de uma hora e 15 minutos na Wonderland e depois horas de sessão de autógrafos — assinando com o nome do membro da banda. Os outros membros, que eram mais novos, curtiam essa coisa toda, mas para mim era muito chato. Era estranho e acabou ficando um pouco demais. Eu era o membro mais velho da banda, já distante da adolescência, e foi por isso que fui me desanimando com tudo muito rapidamente. Só fiquei na banda mais ou menos um ano.

É um trabalho duro. Aos caras que fazem bem e por muito tempo, meus cumprimentos. É uma vida difícil. Se for fazer em um alto nível, é preciso ser perfeito, porque as pessoas esperam que você seja tão bom quanto os verdadeiros, e você é sempre ignorado por outros músicos. Todo mundo acha que você é uma piada. Foi difícil, porque eu estava tentando ter minha própria identidade como músico, ao mesmo tempo em que era frequentemente maltratado. Esse foi um dos motivos para eu sair. Eu queria ter meu próprio trabalho, cantar com meu nome de verdade.

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Foto de Mackey Media

Pensei: vou voltar para a gastronomia, por nela posso ficar em um lugar só e ainda assim ser criativo e trabalhar para chegar ao mesmo nível de familiaridade com o grande público com base no seu nível de técnica.

Mesmo naquela época, nunca parei de cozinhar. Conheci minha mulher, a Rebecca, — e o sommelier do nosso restaurante, o Flying Fish — em uma cidadezinha perto de Toronto. Ela ainda estava na faculdade e nos conhecemos em um restaurante onde nós dois trabalhávamos. Isso foi antes de ela começar a trabalhar em uma penitenciária como agente de serviços alimentícios, cuidando da parte de orçamento e planejamento das refeições.

Sempre que eu estava em casa, tinha um chefe incrível no restaurante onde a Rebecca era gerente. Ele saiu de lá para administrar um country club e me chamou para ir junto, e eu disse que poderia trabalhar com ele quando estivesse na cidade. Eu viajava e fazia música, e depois voltava. Tinha que dar um jeito para pagar as contas entre uma turnê e outra, e essa era sempre uma boa oportunidade.

Passei a me dedicar totalmente à gastronomia quando larguei a música. Hoje já faz oito anos, desde que mudamos para cá. Viemos passar "um ano" e aqui ficamos. Quando viemos para as Bahamas, conseguir atenção aqui foi muito mais fácil que no Canadá. Um dia alguém falou para a gente: "Aqui vocês não são peixe grande em um lago pequeno, são uma baleia em um dedal."

Meu restaurante favorito no mundo é o Le Bernardin. Nunca tive experiência de jantar melhor do que lá na minha vida. Tenho Eric Ripert na mais alta consideração, e muito da forma que penso em comida vem dessa experiência. Quando abrimos o Flying Fish, queríamos sentir o que sentimos quando jantamos lá, então começamos nesse campo.

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Foto de Lyndah Williams

A única coisa que tem de fato nas Bahamas são os frutos do mar — caranguejo, lagosta, peixe. Na semana passada, mergulhamos para pegar ouriços. Literalmente são as únicas coisas que você tem para usar, mas também prefiro assim. Acho que é mais versátil que carne.

O problema aqui não é a falta de produtos, mas a falta de conhecimento e de consciência geral sobre sustentabilidade. Nossa pescaria de stone crab, um tipo de caranguejo, deve ser a maior do mundo, mas a comunidade local nem sempre reconhece que os recursos são limitados e devem ser administrados corretamente para garantir a oferta no futuro. As pessoas aqui, inclusive os pescadores, precisam alimentar suas famílias; essa é a realidade. O caranguejo deveria ser o grande fruto do mar do futuro, porque é sustentável de verdade, e provavelmente meu favorito para trabalhar — além de ser incrivelmente delicioso. É sustentável porque você pode tirar uma garra e, se deixar a outra, ele consegue se defender, sobreviver e se regenerar. Mas se você tirar as duas garras, ele vira vítima fácil para os predadores. Infelizmente, a maioria das pessoas não sabe disso, e acaba tirando as duas garras. O mesmo problema acontece com as lagostas — tem gente aqui que chama a lagosta jovem de "caranguejo do verão" e pesca durante a temporada de acasalamento.

O peixe-leão está ficando cada vez mais difícil de conseguir. Atualmente, tenho um monte de adolescentes que pescam para mim com caça submarina. Os pescadores não querem fazer isso. É demorado e perigoso. Ninguém quer lidar com eles. Mas é um peixe excelente — muito doce, delicado, a pele é fina, então fica supercrocante e é muito saboroso. É muito versátil e dá para fazer todo tipo de coisa com ele. Além disso, somos o único predador dele, então temos meio que uma obrigação moral de comê-lo. Ele está dizimando as pescas comerciais daqui.

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Foto de Lyndah Williams

Nas Bahamas, nosso grande foco é caranha e garoupa. São as principais espécies que pescamos, e também principais itens da dieta do peixe-leão. Aqui é muito difícil para o pescador. Um dos nossos pescadores estava contando que não consegue mais pescar garoupa, só vem peixe-leão.

Não servimos nada fora de época no restaurante. É uma questão filosófica. Basicamente tudo que servimos vem de pesca artesanal, e conheço todos os meus pescadores pelo nome. Mas nem todo mundo nas Bahamas é assim. O governo é bem progressista na questão de tentar proteger o que tem — à exceção do caramujo. É uma espécie muito ameaçada, mas como é a comida nacional das Bahamas, eles se recusam a protegê-la. Tem um debate sobre parar de exportar, mas 80% dos caramujos consumidos no mundo são consumidos nas Bahamas, onde são conhecidos como "conch". Não fará muita diferença se o problema não for cortado pela raiz.

Eu me apresento todo domingo no Flying Fish, e essa virou nossa noite de maior movimento da semana. Sou só eu e um violão, e eu toco o que estiver a fim. Normalmente, é rock 'n' roll clássico, mas já teve noites que acabaram com Alice in Chains e Tool. Às vezes sai um pouco de controle.

Gosto de tocar, e essa é a única hora que tenho para fazer isso. No momento, estou criando um cardápio novo e tentando me preparar para a primavera. É uma temporada que exige muito mais, então a música é minha válvula de escape um dia por semana mesmo.

Relato concedido a Hilary Pollack.

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