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Entretenimento

A bizarra história real do pai das teorias da conspiração modernas

De Ol' Dirty Bastard a Donald Trump, as ideias insanas de William Cooper deixaram uma marca profunda.
Lia Kantrowitz
ilustração por Lia Kantrowitz
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Foto de William Cooper
Foto de William Cooper e desenho de alienígena via The Hour of the Time Photo Collection. Foto de Ol' Dirty Bastard por Scott Gries/Getty Images. Foto de Alex Jones via Wikimedia Commons. Colagem por Lia Kantrowitz.

Na visão da maioria dos teóricos da conspiração, sempre vai ter um Osama Bin Laden, um Timothy McVeigh ou um Lee Harvey Oswald, alguém para levar a culpa por crimes espetaculares ou injustiças enquanto forças mais nefastas continuam nas sombras. Mas nos últimos anos, uma nova onda de teorias da conspiração – e gente que acredita nelas – tem ganhado tração na internet. De Alex Jones manchando o nome das famílias das vítimas de Sandy Hook a mentiras sobre atores de crise de Parkland, a conversa renovada sobre reptilianos secretamente comandando o mundo e quase tragédias como o PizzaGate e, mais recentemente, referências a QAnon aparecendo em comícios do Trump, este momento é perfeito para novas paranoias. Mesmo que o jeito como narrativas falsas e tóxicas tomam forma e se espalham esteja mudando, todas devem alguma coisa ao antepassado dos teóricos da conspiração modernos, William Milton Cooper.

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Entre outras coisas, ele escreveu Behold a Pale Horse [Eis Um Cavalo Amarelo], um livro estranho que era considerado leitura obrigatória quando estive pela primeira vez nas entranhas da besta – ou seja, numa prisão federal americana – para cumprir uma sentença de 25 anos por tráfico de LSD em 1993.

Em seu novo livro, Pale Horse Rider: William Cooper, the Rise of Conspiracy, and the Fall of Trust in America, Mark Jacobson – que escreveu uma matéria para a New York sobre o chefão do tráfico do Harlem Frank Lucas, que se tornou o filme O Gângster com Denzel Washington – explora a vida de Cooper e seu legado na cultura americana. Cooper aborda todo tipo de teoria da conspiração envolvendo o assassinato de JFK, a ideia de que a AIDS é uma criação do governo, e que os Illuminati ajudaram o governo americano a lidar com alienígenas. Na prisão, Cooper era visto como um herói que queria despertar os oprimidos e deu a eles o 4-1-1. Ele acabou morto num tiroteio com a polícia – ele baleou um xerife na cabeça – em Apache County, Arizona, logo depois do 11 de Setembro.

A VICE se encontrou com Jacobson para falar sobre por que o livro de Cooper é tão popular nas subculturas carcerárias e do rap, se o programa de rádio de Cooper abriu caminho para personagens como Alex Jones, e quanto o discurso desvariado de hoje pode realmente ser atribuído a um homem.

VICE: O que te atraiu para William Cooper?
Mark Jacobson: Sempre me interessei por pessoas que pouca gente conhece. Na cadeia e no Harlem, as pessoas sabem quem é William Cooper, mas a maioria nunca ouviu falar nele. Pessoas assim são sempre interessantes para mim. Descobri sobre ele por acaso. Um amigo estava morrendo no hospital. O filho dele me disse: “Tem algo que eu gostaria de te mostrar”.

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Achei que era algo sobre o pai dele. Acontece que ele tinha encontrado um VHS de William Cooper falando sobre o assassinato de Kennedy e como foi o motorista quem baleou Kennedy. E assistindo aquilo… se fumar maconha suficiente, você vê algo ali. Nunca me esqueci daquela experiência estranha. E um dia eu estava andando pelo meu bairro e vi o ODB, Ol'Dirty Bastard, o cara do Wu-Tang Clan. A mãe dele mora no meu bairro. Era o começo da carreira deles, logo depois de 36 Chambers.

Ele estava lendo o livro de William Cooper, Behold a Pale Horse. E eu disse “Oi, cara”, mas ele nem tirou os olhos do livro. Quando essas coisas acontecem, se você é o tipo de jornalista que eu sou, elas não saem da sua cabeça. Eu não saio por aí cobrindo notícias, só penso nas coisas e vejo o que acontece. Por volta de 2013, senti que William Cooper era importante. Comecei a pesquisar sobre ele e sua história só ficava mais interessante. Aí aconteceu Trump e tudo mais, e achei que era a hora certa.

Depois de pesquisar e escrever o livro, parece que você decidiu que ele estava mesmo apoiando muitas coisas loucas, falsas, perigosas e prejudiciais, mas também que ele era mais que apenas um vendedor de teorias da conspiração. Como pode?
Ele estava realmente procurando o sentido de algumas coisas.

Todo mundo fala sobre a palavra “liberdade”. Mas o que isso significa exatamente? O que significa ser livre? Ele era obcecado por essa ideia, mas não se sentia livre. Ele se sentia preso mesmo não estando na cadeia, o que, acho, é a razão para ele ter se tornado tão popular entre detentos. Ele tinha essa sensação real de estar preso – essa ideia de que as pessoas estão te observando e tentando te impedir de ser uma pessoa livre.

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Muitas pessoas chamariam isso de paranoia num sentido clínico, mas era uma paranoia global e muitas pessoas sentiam o mesmo. E você sente isso fortemente quando está numa situação de confinamento real. Cooper estava procurando pela razão para ele se sentir confinado mesmo morando nos EUA, que deveria ser um bastião da liberdade. E isso se tornou a busca dele. Não estou querendo dizer que ele era honesto em suas narrativas, porque ele pegava atalhos e dizia coisas que não eram verdade.

Ele sentia que “liberdade é a coisa mais importante que busco, então por que não me sinto livre?” Era nisso que ele se concentrava. Acho que todas essas coisas de Illuminati, discos voadores e tudo mais eram razões para ele não ser livre, o motivo para ele não se sentir um ser humano livre. Se ele fosse só um charlatão, falando qualquer merda e tentando empurrar suas ideias para as pessoas, ele não seria interessante o suficiente para ter atraído tanta atenção.

Como o passado de Cooper influenciou sua habilidade para se tornar tipo um padrinho dos teóricos da conspiração modernos?
Ele era um apaixonado por armas de uma família de militares, mas quando foi para o Vietnã, ele começou a ter essa ideia de que tudo era uma farsa. Aquelas pessoas estavam lutando por sua liberdade e os americanos estavam lá para impedi-los de conseguir o que queriam. Era uma situação muito mais complicada que isso, claro, mas para ele, parecia tipo “Não sei se estou do lado certo aqui”. Aí ele foi para a Inteligência Naval e muito do que eles falavam era o contrário do que os documentos de inteligência que ele estava lendo diziam.

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Ele começou a pensar “Uau. Esse é um problema real”. Do Vietnã ele saiu com um caso sério de Transtorno de Estresse Pós-Traumático e passou pela Administração de Veteranos duas vezes. Isso meio que armou a personalidade dele para procurar pela pessoa que estava dizendo uma coisa, mas que não estava te dizendo a verdade. Parece que hoje tudo é assim. Mas não era isso que as pessoas pensavam nos anos 1960. As pessoas acreditavam no que o governo dizia, por mais estranho que pareça. Sempre houve teóricos da conspiração, mas para os teóricos modernos, Cooper é o pai. Você sempre ouve as pessoas falando sobre a Reserva Federal e os Illuminati – foi ele que inventou tudo isso.

Li o livro de Cooper na prisão e não diria que é uma leitura fácil. Por que você acha que o livro é tão importante na prisão e no hip hop?
Esses caras lendo o livro na cadeia são o começou da coisa da conspiração moderna. Essa coisa “Eles querem me pegar. Eles estão me observando. Eles estão atrás de mim. Todo mundo pode ver meu histórico de ligações”. Todo mundo acha que suas informações estão sendo vasculhadas [hoje em dia]. Há essa sensação de “Estão me fodendo e tem gente atrás de mim, quem são essas pessoas?” E as pessoas não gostam de dizer “Bom, na verdade sou eu. Eu fodi com a minha vida”. As pessoas não gostam de pensar assim. Então culpam outros.

Não é todo mundo, mas muita gente faz isso. E acho que, digamos, se você é um homem negro nos EUA, você tem toda a razão do mundo para ser paranoico, certo? Você tem toda a razão para ser paranoico porque eles estão atrás de você. Quando as pessoas leem aquele primeiro capítulo, Armas Silenciosas para Guerras Silenciosas –, e aí vem outro chamado O Governo Secreto – Cooper estava procurando uma razão para as pessoas serem oprimidas e por que ele se sentia um prisioneiro apesar de estar tentando fazer suas próprias coisas, e os rappers [e detentos] sacavam esse tipo de coisa. Da maneira deles, eles estão procurando a mesma coisa pela qual William Cooper procurava.

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Quase dez anos depois [de ver ODB com o livro], entrevistei ele alguns meses antes dele morrer. Ele supostamente estava terminando o disco que ele nunca terminou. Lembrei da vez que o vi lendo o livro, e ele disse “Ah, sim. William Cooper, certo”. E eu disse “Bom, o que tem de interessante em William Cooper?” E ele disse “Bom, todo mundo na Terra está se fodendo. O que William Cooper faz é te dizer quem está te fodendo. Quando você é alguém como eu, essa é uma coisa muito significativa”.

Prodigy [do Mobb Deep] também leu Behold a Pale Horse. Ele aparece como convidado num clipe de LL Cool J chamado “I Shot Ya”. Ele entra e diz “Os Illuminati querem minha mente, alma e corpo”, e “A sociedade secreta está de olho em mim”. Isso tudo ele aprendeu no livro de William Cooper. Também o entrevistei antes dele morrer, e ele disse que a primeira vez que viu a palavra Illuminati foi em Behold a Pale Horse. Em 1996, Jay-Z citou a frase de Prodigy. Mas quando Jay-Z disse isso, você já ouvia a mesma coisa na rádio 24 horas por dia, certo? Essas coisas já se infiltraram por toda a cultura.

Mas no lado mais sombrio da nossa cultura, você acha que é justo dizer que o programa de rádio de Cooper The Hour of the Time abriu caminho para Alex Jones?
Alex Jones cresceu no Texas ouvindo William Cooper no rádio. Muitas pessoas só conhecem o livro, nunca ouviram o programa dele. Quando ele tinha o programa, era difícil superá-lo. Ele tinha uma narrativa incrível, uma voz muito boa, e nas vezes que ele tomava uns drinques ele podia ser fantástico. Você ficava enfeitiçado. Quando Alex Jones fez seu programa, ele recebeu William Cooper algumas vezes, e Cooper era um paranoico total. Ele era contra todo mundo que tinha um programa de rádio, não importando se era bom ou ruim. Ele não gostava de Alex Jones.

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Tem uma longa lista de programas no site The Hour of the Time, e um deles se chama “Alex Jones, Mentiroso”, onde ele fala sobre Jones. Isso foi há 17 anos, e ele chamava Alex Jones de mentiroso. Isso quando ele sabia que era o herói de Alex Jones. Sim, Jones tirou muita coisa dele, mas não acho que ele segue a ética de Cooper, por assim dizer. Passando pelos programas dele, você vê que ele fala mal de William Cooper algumas vezes. Mas fica bem claro que, na verdade, ele admira Cooper.

É justo dizer que Cooper também facilitou a ascensão de Trump?
Trump é um produto de uma narrativa que saiu de sentimentos de conspiração e religiosos. A ideia de que Hillary Clinton é dos Illuminati, como Bill Cooper sempre disse, pode ser falha, mas carrega muita força. A conspiração está sempre em guerra com o establishment. Essa é uma das melhores partes da conspiração, que pode muito bem ser chamada de parapolítica. É difícil encontrar alguém que pareça mais establishment que a Hillary. Então faz sentido para alguém que vê os Clinton como elite votar contra eles. A coisa louca aqui é que muita gente vê Trump, um bilionário, como alguém que não é parte da elite. As razões religiosas para votar nele parecem mais interessantes para mim. A ideia de que ele é um escolhido mandado por Deus, na forma de um magnata dos imóveis galanteador, acompanha a noção do pecador renascido que recebeu outra chance pela graça de Jesus. Isso não faz sentido para quem é secular, mas é uma ideia muito atraente para os crentes. O que resta decidir é se esse tipo de pensamento religioso cai na mesma categoria que teorias da conspiração.

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Como uma situação como Sandy Hook e os negacionistas nos EUA – que insistem que a tragédia não aconteceu do modo como sabemos – se encaixa na teoria da conspiração moderna de Cooper e no impacto de seu legado?

Um dos parágrafos mais citados de Behold a Pale Horse prevê a ascensão dos atentados em escolas por gente exatamente como Adam Lanza, o atirador de Sandy Hook. O que Cooper dizia era que a prescrição excessiva de drogas como a Ritalina para crianças inevitavelmente criaria esses incidentes. Esse era um argumento legítimo contra a indústria farmacêutica e escolas indiferentes, coisas que Cooper atacava. Quanto à fase seguinte da conspiração, os atores de crise, etc., as coisas que fizeram Alex Jones se encrencar, nem em um milhão de anos consigo imaginar Cooper dizendo algo assim. Para mim, a coisa de negar Sandy Hook vem de pura crueldade. E mesmo que Cooper tenha dito muitas coisas pesadas, ele adorava crianças (mesmo aquelas que ele abandonou) e venerava a família. Ele pode ter apoiado Jones no assunto da Primeira Emenda, mas ele teria denunciado a irresponsabilidade dessas afirmações. Cooper era um cara da conspiração, um homem desesperado em busca de uma versão deformada da verdade, mas ele não era um psicopata. Ele nunca prejudicou alguém intencionalmente para fazer dinheiro.

E o QAnon? O que Cooper acharia dos eventos cercando a ascensão dele?
Cooper no geral odiava toda e qualquer competição. Ele odiava Art Belle. Odiava Rush Limbaugh. Ele odiava qualquer outro apresentador patriota e pessoas envolvidas com OVNIs. Dizer que ele não se dava bem com os outros é pouco. Então, ele provavelmente teria visto QAnon como competição e odiado essa história. Para mim, QAnon tem pouco a ver com conspiração ou estado profundo: A mensagem de Q é basicamente sobre o novo Éden que a grande figura de Trump vai liderar quando o Armagedom contra os liberais acabar. Provavelmente algo muito mais louco que qualquer coisa que Bill Cooper e Donald Trump já disseram, mas é isso que passar anos trabalhando nesse material faz com você.

Cooper morreu num tiroteio com a polícia no Arizona. Foi uma coisa dele partindo nas chamas da glória, ou só algo romantizado?
Para mim, esse é um dos casos mais complicados de suicídio pela polícia que já vimos, porque ele realmente queria que os federais aparecessem e o matassem para ele poder se tornar um mártir. Quando os federais não apareceram, nem a polícia local, ele ficou lá esperando para se envolver em qualquer troca de tiros com a polícia. Acho isso triste. Mas quando aconteceu, as coisas saíram como ele queria.

Saiba mais sobre o livro de Jacobson aqui.

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