Transformando as memórias de raves da adolescência em arte

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Música

Transformando as memórias de raves da adolescência em arte

O Tim Head fez um livro com colagens construídas a partir de pedaços de jungle, rave e parafernálias de rádios piratas que coletou ao longo dos anos.

Tim Head nasceu em Londres nos anos 1980 e cresceu cercado pelas imagens e sons da cultura rave. No entanto, em vez de abandonar essas memórias em cantos escuros de clubes agora falidos, ele decidiu preservá-las. Seu livro Maximum Respect (publicado pela Smalltime Books) apresenta colagens construídas a partir de pedaços de jungle, rave e parafernálias de rádios piratas que ele coletou ao longo dos anos — veja mais na galeria acima.

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Liguei para o Tim para conversar sobre a estética das raves londrinas, suas memórias da época e por que a música eletrônica atual não empolga a gente.

VICE: Certo, Tim. O que atraiu você na estética rave?
Tim Head: A estética rave tem a ver com futurismo, união, escapismo e fantasia. É como rock progressivo pixelado, uma capa de disco do YES feita pelo Roger Dean com um Commodore Amiga depois tomar pílulas demais. Meu clichê de rave preferido é a fantasia de ficção científica — geralmente uma cabeça flutuante estilo O Passageiro do Futuro por cima de uma superfície de tabuleiro de xadrez, peças de xadrez gigantes ou círculos de luz e uma mina dançando jogada de maneira aleatória. Aquela coisa Dungeons & Dragons via Black Market Records. O que eu amo são essas incríveis visões futuristas feitas só para vender uma rave num armazém em Dagenham. Também aprecio a ligação com a herança psicodélica dos anos 1960, a reapropriação da op art. As paradas eram muito mais "faça você mesmo", ecoando os lugares escuros e urbanos onde elas iam ser exibidas.

Como você começou a trabalhar com arte?
Como a maioria dos caras, cresci hipnotizado por quadrinhos e desenhos animados, que me inspiravam a pegar giz de cera colorido com meus dedos gordinhos de bebê e desenhar batalhas épicas entre robôs ou dinossauros andando de skate.

Você teve alguma educação formal ou foi só isso mesmo?
Tentei estudar arte clássica na faculdade, mas larguei depois do primeiro semestre. Eu não aguentava ter aulas com  uma professora que fazia a gente desenhar tigelas de frutas estilo hachura enquanto tomava uns goles de gim de sua garrafinha. Depois dessa decepção, caí nessa de ser um clichê tardio dos anos 1990 e comecei a fazer filmes e desenhar em paredes.

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O que você curtia antes de descobrir as raves?
Como era o começo dos anos 1990, fui um grunge skatista da quebrada por um tempo. Sabe como é: camisa de flanela amarrada na cintura, tentando dar ollie com um Converse fodido, Pearl Jam no headphone, enrolando uns becks toscos e falando bobagem pras minas.

Parece legal. Eu era só um bebê quando a rave estava no auge, quantos anos você tinha?
Bom, acho que todo mundo tem uma opinião diferente sobre quando foi o auge. Para mim, é provável que tenha sido 1994 para a rave, 1996 para o drum and bass e começo dos 2000 para o grime. Então, na época da rave, eu tinha uns 14 até 16 anos, que é a idade perfeita para se ficar obcecado por música e deixar isso consumir sua vida. Nessa idade, você é um camaleão esperando a coisa certa para acender aquele fusível para você. No meu caso, o fusível foi aceso pelo Stevie Hyper D.

Quem te expôs a tudo isso?
Foi meu amigo James que — numa aula de geografia do colegial — me apresentou ao mundo tecnicolor do jungle e da rave com um walkman escondido. Ao mesmo tempo em que um tal professor Theobald tentava me ensinar sobre as porras de placas tectônicas, eu ouvia a última fita do James, transformando aquela aula de West London numa rave completa.

Quando fez 18 anos, você chegou a ir naqueles super clubes que apareceram tentando imitar as festas nos armazéns?
Na verdade, não. Quando eu já era velho o suficiente para sair à noite, comecei localmente. Lugares como Brentford Leisure Centre e os bares e clubes de Kingston — qualquer lugar que me deixasse entrar, na verdade. No final do colegial e no começo da faculdade, eu costumava ir ao Metalheadz no Blue Note London e no Turnmills. Mas as festas nas casas das pessoas eram sempre as melhores. Essas festas ainda são as melhores.

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Qual era sua fita mais tocada na época?
Minhas fitas preferidas eram compradas nos parquinhos. Três TDKs por cinco libras. O parquinho da Orleans Park School em Twickenham era meu mercado de fitas. Noventa por cento das fitas que eu tinha eram escritas à mão, e as que eu mais gostava eram simplesmente intituladas “JAMMIN” e “BLCKMARKET 4” — faltando o “a”, que obviamente era um set do Nicky Blackmarket. Acho que a “JAMMIN” era o irmão do meu amigo tocando umas músicas num quarto qualquer; no fundo dá para ouvir o telefone da casa tocando ou uma TV em outro cômodo, mas eu nem ligava porque a música era muito boa. Pura velocidade, agressão. Eu era muito moleque e pobre para ir até a Oxford e comprar fitas originais, então eu pedia paras pessoas gravarem para mim.

Qual é sua opinião sobre a cena dance atual?
É como aquele mosquito no âmbar do Parque dos Dinossauros — vai estar ali sempre. Vai sobreviver a milhares de anos, mas não vai a lugar nenhum. Toda cena, banda ou músico tem um tempo limitado de criatividade, mas, se a música for boa, ela vai transcender as tendências musicais, inovações e, por fim, ao próprio tempo. Claro, eu queria que o jungle e a rave estivessem aparecendo com coisas novas e empolgantes, mas fico feliz com as coisas incríveis feitas até agora, sinceramente. Sempre olho para esses caras do cravo — Beetohoven e Bach — que morreram centenas de anos atrás, junto com o público inicial, as inspirações e referências culturais deles. Mas a música deles sobreviveu e continua sendo tocada até hoje. Não vai ser incrível quando isso acontecer com o jungle e a rave, se os moleques de 2213 ainda ouvirem Nicky Blackmarket e Stevie Hyper D?

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Em termos da cena rave em geral, isso envolve a “música eletrônica” — esse termo, eca — que é, sem dúvida, maior do que antes em todos os sentidos. No entanto, para mim, maior nem sempre quer dizer melhor. Essas residências de rave em Vegas têm tanto a ver com o segundo verão do amor no Reino Unidos quanto os Dead Boys têm a ver com o Green Day na história do punk. Tudo muda, para melhor e para pior, mas só me importo com coisas feitas de um lugar honesto, não com contas bancárias.

Ainda estou tentando encontrar o melhor lugar para achar arquivos piratas de shows — o que você recomendaria?
Radio Necks e Grime Tapes são bons. O YouTube também é legalzinho. Que descanse em paz o One in the Jungle, que fechou recentemente. Se alguém tiver alguma recomendação, por favor, entre em contato.

Legal. Por último, o que vem agora para você?
Principalmente, tentar me manter focado e continuar fazendo coisas de que me orgulhe. Num futuro próximo, terei três exposições possíveis em Londres — duas abstratas com meus amigos Michael Swaney e Stephen Smith na W1 e Dalston, e depois, em fevereiro, vou fazer minha segunda exposição solo, que será um passo além. Tenho um curta documental para lançar, baseado num motoqueiro local chamado Ken. Também faço as imagens para uma marca de roupas de Londres e Tóquio chamada AFOUR, então, tenho que começar a trabalhar na coleção Outono Inverno 2014. Sempre ocupado, melhor ocupado do que entediado.

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