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O que a Música de 'Watch Dogs' Diz Sobre o 'Herói' Aiden Pearce

As escolhas musicais feitas pelo protagonista do jogo da Ubisoft conseguem dizer bastante coisa sobre o tipo de homem que ele realmente é.

Gostei muito da trilha sonora de Watch Dogs, não porque ela seja particularmente boa (Alkaline Trio, gente?), mas porque se trata de um raro exemplo de música de videogame escolhida pelo seu personagem. As músicas licenciadas do jogo de 2014 da Ubisoft não vêm pelo rádio, como em Grand Theft Auto, ou tocam de acordo com a ação, como a trilha sonora orquestral típica. Elas estão no celular do protagonista, Aiden Pearce. Ele começa o jogo com elas ou as rouba de aparelhos de outras pessoas usando o aplicativo "SongSneak" do game, mas todas as músicas são escolhidas por ele. E isso me fez pensar: o que o gosto musical de Aiden diz sobre ele? Como um ativista político de difamação revirando o lixo de alguém, o que podemos deduzir sobre esse protagonista examinando sua coleção de músicas?

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Primeiramente, vamos analisar sua coleção de punk rock. Temos o acima mencionado Alkaline Trio com a faixa "Private Eye". Também temos "Help Is On The Way", do Rise Against, e "Goin' Down High", do Madina Lake. Para mim, parece que Aiden, que tem 39 anos, entrou no Google, digitou "punk rock" e baixou qualquer música que apareceu primeiro no YouTube. A imprensa de Watch Dogs está cheia de histórias sobre ele, o chamando de "O Vigilante" e "A Raposa", e é como se ele tivesse se deixado levar pelo próprio mito e tentado viver de acordo com essa imagem antiestablishment, fingindo se interessar pela cultura punk. É a música do pai tentando interagir com o filho – é fácil imaginar um sobrinho de Aiden revirando os olhos toda vez que o tio fala que "curte muito Rise Against".

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Mas nem tudo é punk afetado. Aiden também tem algumas faixas do The Vindictives, uma banda punk dos anos 90 de Chicago, que é o cenário do jogo. Isso já é um negócio mais obscuro: as duas músicas que ele toca, "Alarm Clocks" e "The Invisible Man", são mais pesadas que o resto de sua lista punk. Talvez, na juventude, Aiden tenha sido um punk firmeza, e sua playlist é uma lembrança de todas as bandas underground que ele viu tocarem. Afinal de contas, Rise Against e Madina Lake se formaram em Chicago – talvez, então, em vez de paga-pau desse estilo musical, ele seja muito ligado à cena musical de Illinois.

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E é um pouco como se ele estivesse desesperado para parecer "por dentro", já que tem muita música de "tiozão" no celular de Aiden. Ele tem "DangerousTonight", de Alice Cooper, "Move OnUp", de Curtis Mayfield, e um pouco de Iggy and the Stooges. Também temos "Wake Up Sunshine", do Chicago, e "Diane Young", do Vampire Weekend, só para não descartar o pop inofensivo. Isso certamente é a trilha sonora dum cara chegando aos 40. Vários clássicos. Coisa fácil de se ouvir. É o tipo de coisa que Aiden poderia tocar no iPod que ele ganhou do cunhado no Natal enquanto prepara o molho do macarrão para o jantar de amanhã com os amigos. Na verdade, acrescentando à sua credibilidade de meia-idade, ele tem uma seleção de músicas eletrônicas e dance, indo de Daft Punk e Squarepusher até Godsof Fashion.

À primeira vista, isso poderia indicar um homem que está na vanguarda da música moderna – esse é o tipo de som que beneficia alguém que passa o dia inteiro hackeando em touchscreens. Mas meu pai, quando tinha 40 e poucos anos, antes de entrar de cabeça no visual jaqueta de couro e botas de caminhada dos seus 50, tinha vários discos legais em casa, e ele nunca tinha chegado perto de um computador. Todas essas músicas, na verdade, foram tiradas dos Hinos Dance de Dave Pearce, que os caras mais novos do turno da noite insistiam em ouvir nos sábados. De novo, suspeito que Aiden esteja tentando acompanhar a juventude, dessa vez copiando as playlists do Spotify de colegas hackers mais descolados.

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Mas nada disso é particularmente duvidoso – o perfil de Aiden até agora é o de uma pessoa um pouco ansiosa demais para parecer legal, mas principalmente paternal. Ele parece um cara legal, certo? Errado. Porque finalmente chegamos à lista de rap e hip-hop dele. E, por essas faixas, podemos ver o bosta hipócrita, sem consideração e violento que ele realmente é.

Vamos analisar "C.R.E.A.M.", do Wu-Tang Clan. "It's been 22 long hard years of still struggling" ("22 longos anos duros de luta"), diz Inspectah Deck no segundo verso. "A Young buck sellin' drugs and such whonever had much / Trying to get a clutch at what I could not touch / The court played me short, now I face incarceration / Pacing, going upstate's my destination" ("Um moleque vendendo drogas e tal que nunca teve muito / Tentando ter um gosto do que nunca pude tocar / O tribunal não me deu chance, agora encaro a prisão / No ritmo, meu destino é o norte do Estado"). Como "One Mic", do Nas, e "I Shall Not Be Moved", do Public Enemy, duas outras faixas que Aiden escuta, "C.R.E.A.M." fala sobre as lutas das pessoas negras norte-americanas contra sistemas como classificação, segregação social, economia e agências da lei. É uma música que ilustra as ações e os preconceitos de gente como Aiden – tipos brancos influentes com atitudes linha-dura de policiamento – criando e propagando o sofrimento de jovens negros pobres.

É particularmente escroto que ele escute esse tipo de música e depois passe um bom pedaço de Watch Dogs atirando em gente negra nos bairros mais pobres de Chicago. Você tem toda a subtrama com Bedbug, Iraq e os Black Viceroys. Também há várias missões secundárias e encontros únicos com criminosos, que geralmente acabam com Aiden perseguindo e matando algum ladrão de bolsa ou traficante.

Num jogo com ideias lamentavelmente descomplicadas sobre criminosos e policiamento, é perturbador como a Ubisoft comprou e usou músicas de hip-hop. Isso parece tanto uma afetação de Aiden como de seus criadores, um desrespeito com o lugar de onde a música realmente veio. Gosto de como a música de Watch Dogs mostra quem é a pessoa com quem estamos jogando – acho que é um toque interessante e humanizador para o personagem, além de combinar bem com a estética de tecnologia moderna do game. Mas também gosto de como isso diz algo sobre a Ubisoft, mostrando como os desenvolvedores talvez nunca tenham parado para questionar a política de Watch Dogs. Como o jogo ilustra várias vezes, é incrível quanto você pode descobrir olhando o celular de alguém.

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Tradução: Marina Schnoor