A DROGA PREFERIDA DA AUSTERIDADE
A SISA ESTÁ DESTRUINDO AS VIDAS DOS SEM-TETO DE ATENAS
By Alex Miller
Encontro com anarquista em Exárchia, distrito de Atenas. Fotos por Henry Langston.
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Dentro de uma delegacia de polícia de Atenas, entrevistando o diretor da unidade de narcóticos, percebi que tinha um pacote de metanfetamina quimicamente aperfeiçoada no meu bolso. Eu tinha comprado na noite anterior com um morador de rua grego e esqueci de jogar fora. Depois da entrevista, saí para fumar um cigarro, quando alguns policiais perceberam a equipe de filmagens que eu tinha levado comigo gravando à distância.
Minutos depois, os policiais nos arrastaram para uma sala de espera, o pacotinho de drogas ainda enfiado na minha calça. Eles fizeram algumas ligações, nos encararam e, por fim, relutantes, nos liberaram — sem nunca me revistar, felizmente. Ao sair, joguei o saquinho na primeira lata de lixo que vi.
Várias delegacias gregas foram bombardeadas nos últimos meses, então os policiais têm motivo para ficar nervosos, principalmente quando percebem que estão sendo filmados. Na nossa primeira noite em Atenas, outro grupo de policiais nos abordou e, depois de ver nossa equipe de filmagem na rua, exigiu que mostrássemos nossos documentos. Eles apagaram nossas filmagens e nos detiveram por algumas horas, até que conseguimos mandar entregar nossos passaportes na delegacia. A Grécia atualmente é um lugar paranoico. Polícia, fascistas, anarquistas, traficantes e usuários de drogas estão todos lutando pela supremacia local e ninguém confia em ninguém.
Na noite anterior a essa em que escapamos por um triz da delegacia de polícia de Atenas, fui abordado por um grupo de moradores de rua, e um deles fumava um negócio que tinha um cheiro horrível com o que parecia ser um cachimbo de metanfetamina feito com uma lâmpada velha. Apesar de não falar grego, consegui deixar claro que queria comprar um pouco da droga, coloquialmente conhecida como sisa. Ele se afastou com minha nota de cinco euros e aí um velho pegou no meu braço e gritou: “Não, não pega! Muito ruim”. Eu não ia fumar, mas estava curioso a respeito da nova droga da Grécia.
Em 2012, Charalampos Poulopoulos, diretor da Kethea, organização antidrogas e de reabilitação mantida pelo governo, publicou uma pesquisa intitulada “Crise Econômica na Grécia: Riscos e Desafios da Política e Estratégia de Combate às Drogas”, para o jornal Drugs and Alcohol Today. Nela, Charalampos detalhou as formas como o desastre econômico grego exacerbou o uso de drogas no país, afirmando que “as taxas de consumo de drogas e álcool, assim como os problemas de saúde mental associados a isso, devem aumentar enquanto a recessão continuar”. Em sua essência, o relatório oferece dados sobre o óbvio: a instabilidade que resulta de uma pobreza generalizada e em expansão em todo o país leva problemas de saúde, desesperança e automedicação com uso de drogas ilegais.
“Nos últimos dois anos, os usuários de drogas se tornaram mais autodestrutivos”, escreveu Charalampos. “Principalmente na região de Atenas, onde os efeitos da crise econômica são mais óbvios.” Segundo o pesquisador, foi mais ou menos nessa época que a sisa surgiu no mercado.
O ingrediente básico da sisa é a metanfetamina. Os dependentes dizem que também pode conter excipientes como ácido de bateria, óleo de motor, xampu e sal de cozinha. “Não existem dados oficiais sobre isso”, disse Charalampos. “O Laboratório Químico Estatal Geral da Grécia ainda não conseguiu número suficiente de amostras para chegar a nenhuma conclusão.”
Seja lá o que tenha nela, de muitas maneiras a sisa é a síntese de uma droga de austeridade. A maioria de seus usuários é pobre, muitas vezes sem-teto, citadinos impactados física e psicologicamente por um país tomado pelo total colapso econômico. Em um lugar quebrado a ponto de haver casos de famílias de classe média alta que fizeram a ceia de natal em suas casas sem aquecimento para poder comprar o peru, muitos hábitos de usuários se tornaram insustentáveis. Dependentes que saíram do mercado da heroína, do crack e da metanfetamina se voltaram para a sisa, que custa até dois euros por cachimbo.
Como a maioria das drogas baratas, a sisa vem com alguns efeitos colaterais desagradáveis, incluindo “insônia, delírios, ataques cardíacos e agressividade”, de acordo com Charalampos. “Ela é muitas vezes comparada à cocaína”, disse, embora faça efeito mais rápido e seu barato dure mais tempo. “É a droga das ruas, produzida em laboratórios caseiros.”
A sisa é o mais recente exemplo sinistro de uma tendência global de drogas sintéticas produzidas em massa, que vão do coquetel opiáceo corrosivo krokodil na Sibéria, até a nova fascinação da África do Sul por chapar com medicamentos anti-AIDS turbinados, e a mania de sais de banho nos EUA e no Reino Unido. São baratos acessíveis e caseiros, então não surpreende que, em uma Grécia assolada pela pobreza, a sisa tenha encontrado um lar natural.

Rua Kapodistriou, uma longa via no centro de Atenas onde usuários de sisa se reúnem.
No dia em que cheguei a Atenas, abordamos um homem quando andávamos pelo distrito de Exárchia, tradicional lar de anarquistas e que agora é conhecido por sua alta concentração de viciados. O homem estava encarando o céu, berrando. Achei que ele estava gritando com Deus, mas na verdade ele só estava reclamando por causa de um semáforo quebrado. Carros passavam e os motoristas não davam chance para ele mendigar à janela. Ele estava inconsolável, alternando entre fúria e lágrimas, mas depois que comprei um suco de laranja para ele, ele se acalmou, disse que seu nome era Konstantinos e me contou sobre a sisa.
“A cocaína dos pobres! É a cocaína dos pobres!”, gritava. Disse que as pessoas que ele conhecia que fumavam muito estavam perdendo membros. “Se você fumar por seis meses, está morto”, contou. Konstantinos afirmou que não era usuário, mas no dia seguinte o encontramos novamente e ele acenou para eu segui-lo, agachou-se atrás de um carro e fumou um cachimbo cheio de sisa. Isso foi no meio da tarde.
A sisa se tornou uma espécie de lenda urbana em Atenas; todo mundo sabe que existe, mas ninguém sabe exatamente o que é. As únicas pessoas que realmente a conhecem são seus usuários, a polícia que os enquadra e os traficantes que alimentam a epidemia. O resto do país está muito ocupado tentando ignorar a taxa nacional de 58% de desemprego entre jovens, o aumento da extrema direita e da esquerda radical, um sistema legal cada vez mais ineficiente, uma classe política reduzida a vender as ilhas da nação, e as exigências da União Europeia por medidas de austeridade que podem ou não estar funcionando. Assim, matérias sobre a sisa na mídia grega são raras.
“Descobrimos a sisa por uma pesquisa feita pelo Centro Europeu de Prevenção de Doenças em novembro”, disse Dani Vergou, editora de saúde do jornal Efsyn. A sisa era um mistério para ela. Ela tinha ouvido boatos, mas “não há muita pesquisa feita pelas autoridades gregas ou pelo Ministério da Saúde — parece que é perigosa”.
Nas ruas, no entanto, as pessoas sabem tudo sobre o assunto. Na Rua Kapodistriou, um dos muitos pontos de encontro populares entre os viciados em Atenas, conheci Kostas, Stathis e Panagiotis, dependentes crônicos sem-teto que tentam largar a sisa, mas sem muito sucesso.
“Há três formas de consumir sisa”, disse Stathis, que está na casa dos 40 anos. “Com um cachimbo, uma seringa ou um pedaço de alumínio. Também já vi gente cheirando. Mas me deixe dizer que, se você se picar, não vai ter muito tempo de vida. Ela destrói todos os órgãos vitais por dentro.” Perguntei se ele sabia de alguma pessoa que tinha morrido por causa da droga.
“Muitas”, disse Stathis. “Sei de pessoas demais. Em algumas, suas vísceras apodreceram… Pode te dar outros tipos de doenças, pode atingir o fígado, o coração, rins… Qualquer lugar.”

Pacote de sisa que compramos por € 6,50. Suspeitamos que fomos roubados.
Os três falavam de forma sombria sobre a sisa. “Quando experimentei pela primeira vez, fiquei surtado”, disse Panagiotis. “Não gostei. Me deixou tenso, não senti nada de bom.”
“Ela te derrete”, disse Kostas. “Em outros, atinge o sistema nervoso. Cria feridas no corpo que não cicatrizam, não fecham nunca. Começa como uma espinha e, em vez de sarar, ela cresce. Até o rosto do usuário fica cheio de buracos.”
“Você vê gente de 50 a 60 anos viciada em sisa. Homens, mulheres, para onde você olha, sisa”, acrescentou, lúgubre, Panagiotis. “Em toda parte em Atenas: becos, praças, fumando o dia todo e procurando mais sisa. Você não ouve mais falar de heroína, maconha ou remédios. Isso é porque a sisa é uma droga barata… Para mim, a sisa é a droga que vai destruir a Grécia.”
Mais tarde, o trio nos levou até o Off Club, centro diurno para dependentes de sisa, onde os funcionários nos deram um zine em quadrinhos sobre os perigos da droga. O clube fica perto da Praça Exárchia, que é abarrotada de cafés, lojas, bares, gangues, adolescentes, imigrantes e pessoas à margem da sociedade em geral. Perto da praça fica o enorme prédio que abriga a Politécnica de Atenas, uma das universidades mais renomadas da Grécia e para onde, em 1973, os militares enviaram tanques a fim de dispersar um protesto contra o governo, resultando em 24 mortes. A polícia não patrulha muito por aqui; em vez disso, ficam em seus veículos de choque nos arredores da praça, fumando cigarros, com submetralhadoras penduradas no ombro. Alguns anarquistas que conheci alimentam uma teoria da conspiração de que a própria polícia está por trás do influxo de sisa no bairro.
Em um bar próximo dali, encontramos um jovem anarquista notório a quem chamaremos de Alcander. Em 2008, durante os protestos anarquistas, ele supostamente fabricou bombas de gasolina e as distribuiu em massa. Dois anos atrás, Alcander percebeu que dependentes químicos sem-teto estavam agindo de forma diferente; depois ele foi espancado por um grupo de pessoas que diz serem usuários. Ele contou que culpa a sisa diretamente pela agressão gratuita, e a forma como falou sobre a droga a fez parecer demoníaca. “Como saber se alguém é usuário de sisa? É fácil — eles são desequilibrados, instáveis como um psicopata. Eles têm o olhar de doido, falam sozinhos e são muito agressivos. Acho que a sisa é a pior droga do mundo.”
Perguntei por que ele achava que policiais locais estavam por trás da distribuição do narcótico potencialmente fatal. “Alguns [dos usuários] chegaram para nós e contaram que a polícia falou para eles virem para Exárchia. Disseram: ‘Não podemos ir para outro lugar, eles nos mandam sair de qualquer outro território, qualquer outra praça. Falam para virmos para Exárchia.’”
“Então você acredita que seja político?”, perguntei.
“Sim, tem todo um movimento social que está começando a crescer e eles querem uma desculpa para surgirem como salvadores dos moradores… Já fizeram isso antes com a heroína, tipo duas décadas atrás.”
Os anarquistas gregos já começaram a combater a epidemia de sisa, coordenando ataques contra traficantes e usuários em uma tentativa de limpar seus bairros. “Queremos que as crianças possam brincar na Praça Exárchia sem ter que se preocupar com tráfico de drogas”, disse Alcander. Parece que seu objetivo não será alcançado muito em breve, no entanto. Os usuários estão espalhados pela cidade e, presumivelmente, outras partes do país. E durante nossa visita, traficantes de sisa apareciam do nada para vender sua mercadoria e depois cobrar de forma igualmente abrupta.
De acordo com Alcander, algumas mulheres na região estão sendo estupradas por viciados em sisa. No entanto, isso pode ser um boato inspirado pela ideia de que a droga alimenta o apetite sexual — descrição com a qual alguns dependentes concordam. Konstantinos disse que depois de fumar sisa, ele fez sexo selvagem e violento. E ele não estava se gabando — parecia bem chateado com isso.

Usuário de sisa fumando seu cachimbo na Rua Kapodistriou.
Até 2009, era uma raridade ver mendigos em Atenas. Mas desde então, o número de pessoas sem-teto na Grécia subiu 25%, segundo ativistas gregos, e hoje andar de carro pela cidade parece um passeio por uma cracolândia sem fim. A polícia chegou a começar a enfiar moradores de rua num carro e tirá-los de Atenas, levando para Amigdaleza, o centro de detenção de imigrantes, num esforço que foi chamado de Operação Tétis, em homenagem à mãe de Aquiles. A palavra thetiko, que origina seu nome, significa “positivo”, mas na mente dos desabrigados alvo dela e daqueles que trabalham com eles, é basicamente fascista.
“É um policiamento maluco”, disse Charalampos. “Isso leva as pessoas com problemas para a marginalidade e para o crime.” No período em que estivemos na Grécia, os moradores de rua com quem conversamos afirmaram que, pelo menos duas vezes por dia, a polícia conduzia varreduras no centro de Atenas para pegar sem-teto e dependentes químicos.
“Não sabemos para onde os levam ou o que fazem com eles”, disse-me uma assistente social enquanto eu a acompanhava em sua excursão noturna até os pontos de encontro de viciados. “É um mistério.” Ela estava sendo modesta; era óbvio o que ela achava que a polícia estava fazendo: limpando a rua dos indesejáveis.
Alguns dias depois, visitamos a Praça Kannigos, onde prostitutas, viciados e traficantes (que, fomos avisados, geralmente andam armados) se reúnem. O clima estava tenso: mais cedo naquele mesmo dia, cerca de 20 policiais uniformizados haviam acuado moradores de rua espalhados pela praça e colocado dentro de três ônibus grandes. Quando chegamos, policiais à paisana ainda circulavam entre uma multidão de agitados usuários de sisa e heroína.
O sargento que nos deteve e apagou nossa filmagem quando chegamos a Atenas também estava lá, então escondemos nossas câmeras e abordamos seus colegas. Eles falaram para perguntarmos no distrito policial, que foi como acabei acidentalmente levando sisa para dentro de uma delegacia grega e onde conheci George Kastanis, diretor da divisão de narcóticos de Atenas. Ele disse que acha que a sisa se originou na África e na Ásia e, embora tenha dito que está cada vez mais preocupado com a sua popularidade, não acredita que a droga esteja transformando usuários em maníacos violentos e estupradores, o que batia com minhas próprias impressões — poucos dos viciados que conheci mostravam sinais de agressividade. Quando perguntei ao George sobre a Operação Tétis, ele me disse que só foi realizada uma vez.
“Mas vi uma coisa hoje de manhã que parecia muito com uma varredura da rua. Era a Tétis?”, perguntei.
“Não. Isso aí é uma coisa completamente diferente”, respondeu George, acrescentando que esses detidos são levados a delegacias, onde policiais verificam mandados pendentes contra eles, e que na maioria das vezes eles são liberados depois de uma hora e meia. Quando perguntei se ele acreditava que esquemas como a Operação Tétis eram úteis, pareceu que a questão o deixou incomodado. Ele respondeu: “Sou policial — sigo ordens”.
No dia seguinte, antes de voltar para casa, encontramos o Konstantinos de novo e o levamos a uma padaria para lhe pagar um almoço. Ficamos tomando sol e comendo bolinhos cobertos de mel enquanto o Konstantinos tentava explicar alguma coisa num inglês capenga. Ele ficou passando o dedo no pescoço para esclarecer seu argumento, mas não consegui entender o que dizia. Ele era um cara legal. Filho de uma prostituta, contou que sempre esteve cercado de drogas, e sua qualidade de vida ficou imensuravelmente pior desde o colapso financeiro da Grécia. Demos algumas fotos que ele tinha pedido e ele foi embora sorrindo, dizendo que nos amava.
“Sabe o que ele estava tentando te dizer?”, minha tradutora me perguntou depois. “Que ele te ama, mas se você o tivesse abordado em inglês naquele dia no semáforo, ele teria mandado o traficante de sisa dele te matar para pegar as suas câmeras.”
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