Matéria originalmente publicada no Waypoint.
A maioria dos videogames têm armas. Algumas baseadas nas armas da vida real, outras são pura fantasia, e às vezes encontramos um meio termo disso. Também é comum que os desenvolvedores terceirizem algumas tarefas mais específicas — arte, roteiro, etc. A Rmory, fundada em 2008 pelo ex-militar alemão Kris Thaler, é especializada em uma coisa: criar armas. Se você precisa de armas pro seu game, Thaler é o cara que você procura.
Videos by VICE
“Acredite ou não, eu não imaginava começar uma empresa especializada em armas”, ele me disse por e-mail recentemente.
Anos atrás, Thaler publicou algumas artes conceituais num fórum que ele frequentava, pedindo feedback. Algumas das imagens incluíam armas. Mais tarde ele foi contatado por uma desenvolvedora interessada em ter Thaler trabalhando em ideias para um jogo deles. E assim ele começou a trabalhar principalmente com armas.
Desde então, a Rmory já se envolveu em projetos independentes menores, como o jogo de estratégia Xenonauts, e até no maior videogame de financiamento coletivo já feito, Star Citizen.
“Focamos na sensação realista de armamentos para nossos clientes, mas que pareça legal e não quebre a imersão de seu produto”, ele disse.
Apesar de a Rmory fornecer serviços contratuais criando conceitos para outros itens militares — tanques, mechas, etc. — a principal razão pras empresas procurarem a Rmory é por suas armas.
Falando no geral, Thaler me disse, o processo começa com uma empresa procurando a Rmory para um jogo, às vezes pedindo um conceito para uma arma específica que eles têm em mente, ou para dar os detalhes para uma arma em que eles estão trabalhando.
“Por exemplo, se um cliente diz, ‘Ei precisamos de um lançador de foguetes’”, ele disse. “Nós trabalhamos em detalhes como capacidade de munição, animações, modos alternativos de disparo, etc. Aí fornecemos ao cliente os visuais que ele precisam para passar a arma pra próxima parte da linha de produção.”
Mesmo em cenários de fantasia, Thaler diz que a Rmory tende a tirar inspiração do mundo real. Sua arma real favorita é a HK G3 alemã, enquanto sua arma favorita de videogame é, estranhamente, o Groovitron de Ratchet & Clank, que faz os inimigos dançarem.
Thaler começou a treinar tiro com 12 anos, a idade mínima que a lei permitia. (Isso não rolaria hoje. A Alemanha aprovou uma série de leis incrivelmente estritas depois de vários atentados com armas de fogo, e em 2009 o país começou a formar uma base de dados federal dos cidadãos que tem porte.)
Anos depois, ele entrou pro exército, onde treinou com todo tipo de armamento, de pistolas a lançadores de míssil. Thaler dá crédito a seu tempo no exército pelo diferencial da Rmory.
“Acho que minha experiência nos dá credibilidade”, ele diz. “Você pode ler tudo sobre armas, mas não ter lidado com elas em diferentes situações te dá uma perspectiva totalmente diferente delas. Quase qualquer pessoa pode fazer uma arma que pareça legal, mas se ela não parece crível no jogo isso quebra imersão, algo que é chave.”
Além de design de armas, outro serviço que Thaler oferece é “táticas de armas”, no caso do cliente “querer saber o cenário exato do uso de armas e que calibre usar ali”.
Quando abordei Thaler pedindo uma entrevista, mencionei que esta matéria era parte de um especial do Waypoint sobre o relacionamento de videogames e armas, levando em conta o diálogo atual nos EUA envolvendo tiroteios em escolas. Considerando a profissão dele — fazer armas virtuais — fiquei imaginando se momentos como esses o faziam parar para pensar.
“Claro”, ele disse, “qualquer tragédia, especialmente envolvendo crianças, te faz parar para pensar, e e eu sempre rezo pelas vítimas. Mas trazendo isso de volta para nossa conversa — armas não são o problema, videogames não são o problema. Pessoas loucas são o problema e, infelizmente, sempre teremos pessoas loucas.”
Apesar de saúde mental ser uma consideração importante quando discutimos como lidar com o problema de armas nos EUA — isso sempre é mencionado nos debates — novas pesquisas sugerem que não há ligação entre doenças mentais e violência armada como a sociedade presume. Segundo o New York Times, uma análise recente de 235 atentados, muitos envolvendo armas de fogo, revelou que apenas 22% dos atiradores podiam ser classificados como mentalmente doentes. O número é até menor para homicídios com armas de fogo, 1%.
Mas no caso da Rmory, eles estão trabalhando e desenvolvendo armas virtuais, não armas de verdade.
“Uma coisa é parte de um bem cultural, outra é para autoproteção”, disse Thaler.
A Rmory é só um elo da corrente numa enorme e complexa relação entre videogames, armas, e fabricantes de armas de fogo — tanto reais quanto imaginárias. Uma investigação chocante de 2013 do repórter Simon Parkin explorou como fabricantes de armas cooptaram os videogames para chamar atenção para seus produtos, muitas vezes sem que os jogadores tivessem consciência disso.
Sabemos que videogames não causam violência, um tópico já explorado pelo Waypoint numa entrevista com um pesquisador de psicologia, mas não deixa de ser verdade que muita gente passa bastante tempo atirando no mundo dos videogames. E por causa de empresas como a Rmory, as armas que disparamos são, para melhor ou pior, surpreendentemente autênticas.