Batalhão 32

Fotos cortesia de Gary Swardt

Gary em casa com uma bandeira do Batalhão 32

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Durante o turbulento período do domínio branco na África do Sul, um grupo multirracial de operações especiais, o Batalhão 32 se tornou conhecido como a tropa de elite mais mercenária do planeta. Baseados em Angola, operavam sob o comando de oficiais sul-africanos que lhes permitia eliminar qualquer pessoa considerada um problema pelas autoridades sul-africanas. A causa do governo branco sul-africano virou a deles enquanto ajudaram a esmagar o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Mais tarde, em 1993, o ANC (Congresso Nacional Africano), que estava prestes a assumir o governo, exigiu que a unidade fosse dispersada – afinal de contas, esse era um grupo de negros liderados por brancos assassinos de negros. Todavia, como forma de agradecimento, o governo branco que deixava o poder designou a pequena cidade de Pomfret para servir como comunidade para os aposentados do Batalhão 32.

Em 2004, após uma parte da população desterrada de Pomfret ter sido fotografada acorrentada enquanto era levada para um tribunal zimbabweano depois de uma tentativa de golpe de estado contra o governo recém-eleito da Guiné Equatorial, o ANC quis demolir a cidade, mas, ao invés disso, a deixou apodrecer. O ANC fechou as portas do único posto médico de Pomfret em 2004 e hoje, além do saneamento básico da cidade ser precário, ela tem praticamente zero emprego. Os soldados do Batalhão 32 que ainda moram lá vivem na miséria—não que eles sejam exatamente merecedores de luxo. 

Felizmente, para alguns soldados do Batalhão 32, governos e grupos privados ao redor do mundo estão sempre à procura de mercenários bem treinados, e muito os contratam como assassinos freelancer por quantias enormes de dinheiro. Até hoje, homens do Batalhão 32 metem seus bedelhos em operações apoiadas tanto por governos quanto pela iniciativa privada no Afeganistão, Iraque, Abu Dabi e sabe-se lá Deus onde mais. 

Entre 1979 e 1982, durante uma das fases mais intensas da Guerra Civil Angolana, Gary Swardt foi soldado e líder de uma unidade do Batalhão 32. Hoje ele administra uma funilaria e vive em uma casa modesta em Melkbosstrand, a cerca de 40 minutos da Cidade do Cabo. Recentemente ele se ofereceu para nos explicar a história obscura do grupo, e nos mostrou caixas que continham fotos de passaporte tiradas de angolanos que ele matou durante a guerra secreta do Partido Nacional, notas e moedas angolanas antigas, o seu porta-morfina e várias fotos pessoais de uma guerra esquecida. 

 
“Essa foi tirada em Buffalo, a favela na Faixa de Caprivi onde morávamos quando não estávamos em operações.”


Vice: Como nasceu o Batalhão 32?
Gary Swardt:
 Um sujeito chamado Coronel Jan Breytenbach fundou o Grupo Bravo, que mais tarde virou o 32. Na Guerra Civil Angolana, membros da Frente Nacional para a Libertação de Angola foram caçados pelo MPLA até a fronteira da Namíbia e acabaram indo para a fronteira da África do Sul. Eles estavam desamparados, e Breytenbach os pegou e os moldou no que hoje conhecemos como Batalhão 32. Então, ele basicamente os levou direto de volta para foder com o MPLA. Proelio Procusi—nosso lema—significa “Forjado na Batalha”.

Qual era a composição étnica do grupo?
Em 1980, quando a Rodésia caiu, tínhamos muitos rodesianos, belgas, franceses, australianos e neozelandeses vindo para a África do Sul. Muitos desses homens tinham lutado na Infantaria Leve da Rodésia como soldados profissionais. Geralmente cada branco se dividia com 12 soldados negros, com dois sargentos brancos e um sargento negro. Muitos deles vinham lutando contra o MPLA desde os anos 60, então alguns estavam beirando os 50, completamente endurecidos pelas batalhas. Entrei aos vinte e poucos anos e nunca dispararam uma bala contra mim por motivo de raiva—você tinha que conquistar seu respeito. Mas aprendíamos rápido. 

Quando você entrou para o Batalhão 32, as incursões sul-africanas em Angola ainda eram secretas. Isso não era apenas uma censura à imprensa? Sem dúvida as informações vazavam e as pessoas comentavam, certo? 
Não. Ninguém sabia de nada àquela altura. Operávamos apenas em Angola, em nenhum outro lugar. Pelo menos não que eu me lembre. Nada do que carregávamos tinha marcação, então se fôssemos pegos, o governo teria como negar plausivelmente. Nem os nossos pais podiam saber. Minha mãe achava que eu trabalhava no armazém de uma base regional da Força de Defesa Nacional da África do Sul. Se eu tivesse morrido, provavelmente teriam dito a ela que fui morto enquanto vigiava o armazém. 

Mas tudo isso mudou enquanto você ainda estava lá. 
Sim. Um dos meus sargentos, um sujeito da Rodésia chamado Trevor Edwards, sumiu. Então ele reapareceu alguns meses depois em Londres, na SWAPO (Organização do Povo da África do Sudoeste), que era basicamente o grupo contra o qual lutávamos. Ele contou a eles um monte de besteiras sobre como éramos treinados para “matar tudo que cruzasse nossos caminhos”—o que é uma mentira deslavada. Cuidávamos da população local, porque era assim que conseguíamos a nossa água. De qualquer maneira, Edwards nunca foi um soldado muito bom, apesar de ter sido pago para isso. Não estou tentando falar mal do sujeito, ele deve ter tido lá as suas razões para fazer o que fez, mas foi aí que a merda atingiu o ventilador pra valer. 

Como vocês recebiam suas ordens?
Era razoavelmente simples. Eles te mostravam um mapa e diziam: “Aqui está a sua área de 30 por 30 mi-lhas. Queremos ela limpa”. Nosso trabalho era essencialmente tornar a parte Sul de Angola segura. E de que outra maneira você a torna segura senão expulsando as pessoas que as tornam perigosa? 

Como vocês faziam isso?
Um helicóptero nos deixava atrás das linhas inimigas por cinco semanas. Portávamos apenas armamento leve. Tínhamos um canal de rádio, a única maneira pela qual podíamos nos comunicar com o mundo exterior. 

“Um dos nossos homens correndo para se proteger de uma bomba de fósforo branco. Essa porra é letal e foi basicamente banida pela Convenção de Genebra.”
Vocês eram tão bons quanto dizem?
Honestamente, não havia nenhuma unidade de combate que chegasse aos nossos pés. Matamos mais inimigos do que a Força de Defesa da África do Sul inteira junta. Estávamos vencendo tudo. No final, os políticos tiveram que nos deter porque queriam mudar com o mundo e essa merda toda. Mas não tinha como perdermos. Sem chance. O Exército sul-africano hoje é uma piada. Me corta o coração ver isso. Éramos um dos exércitos mais fortes do mundo. 

Você achava estranho o fato de seus colegas serem negros lutando para preservar os interesses de um sistema que os tratava como cidadãos de segunda classe? 
Nem pensávamos nisso. Só focávamos no que tínhamos que fazer. Politicamente, não sabíamos muita coisa sobre o apartheid. Lutávamos ao lado de pessoas de várias raças e nacionalidades diferentes—de Ovambo a Xhosa—e a palavra “apartheid” não existia para nós. Na selva você não pode ficar mais do que algumas jardas de distância da sua unidade. Nosso compromisso de lealdade era um para com o outro, para com a nossa unidade, e então, talvez, lá no final da lista, para com o governo. Recebíamos o mesmo salário que um sujeito em Pretória que ficava sentado atrás de uma mesa—que era nada.

Quando vocês não estavam em serviço, ficavam numa base na Faixa de Caprivi, na Namíbia. Como era isso?
Nós construímos essa cidade chamada Buffalo. Era feita de bambu, não tinha eletricidade e tomávamos banho no rio. Tínhamos um sujeito chamado Koos Kruger, que ficou conhecido como Koos Crocodile porque um dia um crocodilo o pegou pela perna no rio. Normalmente tínhamos um homem na margem com uma arma para lidar com esse tipo de situação, mas o ângulo dele estava muito estreito e ele não conseguiu atirar. O Koos sabia que os crocodilos têm uma válvula na garganta que evita que eles se afoguem, então ele conseguiu empurrá-la para dentro e afogou o bicho. Imagina isso. Um belo cabo-de-guer-ra, vou te contar. 

“Soldados do Batalhão 32 altamente armados no mato angolano.”
Os cubanos também estavam lutando com o MPLA. Você lutou contra eles? 
Claro. Fodemos com eles. Capturamos um russo. Atacamos duas bases ao mesmo tempo. Acho que ele estava em atividade logística. Sua esposa foi morta e seus filhos fugiram em direção ao deserto e estão desaparecidos até hoje. 

Você o interrogou?
Sim. Isso é um prêmio—um russo. Em duas horas ele estava a caminho de Pretória.

Você ainda mantém contato com algum de seus antigos camaradas?
Ah, sim. Esses dias mesmo conversei com meu sargento negro.

Ele estava envolvido com a tentativa abortada de golpe de estado na Guiné Equatorial?
Sim. Ele ficou preso no Zimbabwe por um ano. 

Você conseguiu mandar para ele ou para outros prisioneiros algum tipo de provisão durante esse período? 
Não. Não conseguíamos nenhum tipo de contato com eles. 

“Após um mês no mato todas as armas eram checadas e guardadas. Você pode ver quanto peso perdíamos durante as operações.”
A reputação do Batalhão 32 abriu caminho para seus ex-membros levarem uma vida boa como soldados privados. 
Tem tantos por aí que não dá nem pra acreditar. No mundo todo: no Iraque, no Afeganistão, em Abu Dabi. Eles estão treinando as forças de defesa por lá. Em Dubai eles estão formando pequenas unidades de segurança privada. Tem de tudo.

Você já se sentiu tentado a fazer segurança privada quando saiu do Exército? 
Era tentador. Essa possibilidade sempre é sedutora. Esses caras ganham US$ 15.000 por mês. Mas você coloca suas bolas na linha de fogo por essa grana. Eles querem especialistas, não qualquer um, e o 32 tinha experiência em todos os tipos de combate. Eu ainda morava com a minha mãe depois que saí, e meus amigos iam até minha casa cheios de grana desses serviços. Quase me envolvi com o golpe em Seicheles em 1982 de forma independente e mercenária. Alguns dos homens que ficaram nas Seicheles pegaram penas de morte, então, provavelmente, foi bom eu não ter ido. Tentei fazer a minha vida fora do Exército. 

Você deve ter tido algum contato com o Executive Outcomes, que é provavelmente o Exército privado mais conhecido do mundo. 
Bom, o dono era do 32. Sabe, as pessoas falam mal deles, mas eles acabaram com muitas guerras na África. Em Serra Leoa, eles foderam com os rebeldes, o que a ONU, os britânicos e todo mundo tentou fazer durante anos. Eles conseguiram fazer isso em três meses, e todos foram membros do 32.

O desejo do ANC em desocupar Pomfret tem algo a ver com a reputação do 32 enquanto mercenários? 
É horrível o que estão fazendo com eles. Eles não têm nada. Nada. Deixe as opiniões políticas de lado por um momento. Independentemente da sua visão política, aqueles caras lutaram pela África do Sul. Alguns deles tiveram suas pernas estraçalhadas. Estão todos com 40, 50 anos. O que eles têm que fazer? É por isso que tentamos ajudar com o que podemos, entende? Agora mesmo, tenho duas caixas cheias de roupas na minha garagem que estão prontas pra ir para lá. 

Você acha que a dissolução do 32 em 1993 pelo ANC também foi motivada, em parte, pelo fato de os angolanos terem sido considerados vira-casacas em relação ao nacionalismo negro? 
Não sei. Acho que eles estavam apavorados. Acho que estavam apavorados com o que éramos capazes de fazer. Éramos tão bem treinados e organizados que, se existisse qualquer tipo de confusão, qualquer tipo de golpe, poderia ter vindo do Batalhão 32. Acho que essa foi uma das preocupações principais. 

Os sul-africanos usam o termo “bossies” para descrever o tipo de transtorno por estresse pós-traumático que aflige a geração que voltou da guerra. Você chegou a passar por isso? 
Não. Quer dizer, meu melhor amigo foi morto quando tinha 19 anos, e não tem um dia em que eu não pense nele. Uma bala atravessou sua cabeça. Adoraria que ele estivesse sentado aqui, tomando um drink conosco, mas, afinal de contas, foi uma escolha dele. É assim que você tem que viver sua vida. Você escolhe. 

“Sempre arranjávamos tempo para ganhar a simpatia da população angolana, que dividia informações vitais conosco e nos oferecia seus poços como nossa única fonte de água.”

“Esse é o Batalhão 32 relaxando entre operações nas margens do Rio Cubango.”
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