A luminosidade que estoura nas paredes dos prédios e o som de fogos de artifício confundem quando as primeiras bombas de gás lacrimogêneo são arremessadas pela Polícia Militar (SP). Foi o que aconteceu na última quinta (1º) durante o quarto ato “Fora, Temer” ocorrido nesta semana na cidade de São Paulo. Nas proximidades da Avenida Nove de Julho, a corporação dispersou um protesto que começou pacífico e terminou com alguns dos manifestantes fazendo barricadas de lixo, ateando fogo e depredando uma agência bancária. Mais uma vez um jornalista foi ferido: o fotógrafo Fernando Fernandes tomou um tiro de bala de borracha na boca.
O fotógrafo Fernando Fernandes tomou um tiro de bala de borracha na boca.
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O que já era tenso ficou pior: em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que o protesto marcado para o próximo domingo, na Avenida Paulista, não poderá acontecer porque a via irá receber a passagem da tocha paralímpica. Com um decreto assinado pelo atual presidente Michel Temer, as Forças Armadas estão autorizadas a atuar para “garantia da lei e da ordem no revezamento da tocha”, que está marcada para as 14 horas, antes da manifestação.
Em certo momento, fogos de artifício, provavelmente disparados pelos manifestantes, foram ouvidos. Em seguida, a polícia revidou com bombas. Alguns dos presentes no ato se rebelaram e jogaram pedras em direção aos policiais. Nenhum dos lados divulgou o número de presentes ou feridos.
O início, porém, foi pacífico, mas não menos tenso. O primeiro destino foi votado em assembleia: o ato saiu do Masp (Museu de Arte de São Paulo) e foi até a Praça do Ciclista. Lá, algumas pessoas da organização, embora o protesto não seja puxado por um grupo específico, tentavam sugerir novos trajetos, mas a dificuldade na comunicação deixou tudo encalacrado. “Tem tanta opção de trajeto que tá parecendo o Enem”, comentou uma manifestante. Sob a irritação de alguns, a decisão tomada era caminhar até a sede do PMDB, partido de Temer.
Em coro, parte das mulheres cantava: “Nem recatada, nem do lar, a mulherada está na rua pra lutar”.
O major Kiryu, da Polícia Militar, negociou com os manifestantes todo o tempo. Ele afirmava que se não houvesse depredação, não haveria repressão policial. Também reclamou das máscaras utilizadas por alguns dos presentes. “Eu estou aqui de cara limpa, esse é meu nome”, dizia, enquanto apontava para sua identificação na farda. Um dos manifestantes afirmou que a constituição dava o direito de anonimato e que não havia uma lei que proibisse os mascarados. Quando o policial o interpelou, chamando-o de senhor, o garoto respondeu: “Não sou senhor. Sou jovem”.
Presente nas ruas pelo quarto dia consecutivo, o pesquisador e militante Matheus Zati acredita que o entrevero físico entre manifestantes e policiais, como pedras e bombas arremessadas, não é válido. “Quem está aqui é o povo. Quem está do lado de lá também é o povo. A meu ver, o melhor lutador é aquele que ama a paz. A violência tem propósito e não são aqueles caras [policiais]. A instituição pra qual eles trabalham, sim”, pontuou.
Com a PM bloqueando todas as vias da Avenida Paulista, o ato demorou a sair. Um princípio de corre-corre assustou quem estava lá, mas nada havia acontecido. O grupo adentrou, então, a Rua da Consolação, chegando até a região do Anhagabaú. Na esquina da Rua João Adolfo com a Nove de Julho, fogos de artifício foram ouvidos e, em seguida, as primeiras bombas.
Dentro de um boteco, uma mulher que nada tinha a ver com a manifestação desmaiou ao inalar gás lacrimogêneo por alguns segundos (assista ao vídeo). “Tenho asma”, falou com a voz embargada enquanto se esforçava para respirar. Outros clientes, que jantavam ou bebiam cerveja no local também passavam mal, tossindo e lacrimejando.
A polícia passou, então, a perseguir os manifestantes, que se dispersavam pelas ruas adjacentes. Ainda nos arredores da Nove de Julho, a reportagem da VICE presenciou policiais atirando em quem estava em cima do viaduto, inclusive em jornalistas. Foi nesse momento que o fotógrafo Fernando Fernandes foi lesionado: um tiro de bala de borracha acertou em cheio sua boca, fazendo com que ele perdesse um dente.
Outro PM gritou em direção aos dois fotógrafos: “Não quer se machucar, não vem pra rua”.
O fotógrafo da VICE Felipe Larozza, que estava ao lado de Fernandes, o conduziu até uma viatura da PM. “Ele está sangrando muito, vocês podem levá-lo até algum hospital?”, perguntou. Um dos policiais afirmou não ter autorização para sair do local naquele momento, mas indicou uma viatura de resgate que estava ali perto. Nesse minuto, outro PM gritou em direção aos dois fotógrafos: “Não quer se machucar, não vem pra rua”.
Larozza relata que viu dois policiais atirando inúmeras balas de borracha – a ponto de a munição acabar e ambos saírem correndo para se proteger dos manifestantes.
Segundo relatos, um fotógrafo teve uma de suas lentes destruída pela polícia.
Na Praça Roosevelt, muitas bombas de gás lacrimogêneo foram disparadas. Pelo segundo dia consecutivo o bar e restaurante Al Janiah, comandando por refugiados árabes, relatou ser alvo de bombas da PM. De acordo com os proprietários, quando foram atacados pela primeira vez, na quarta (31), não havia manifestação na região. “Não sabemos se o primeiro ataque foi intencional ao nosso espaço ou não. Mas, agora podemos estar no radar da repressão”, publicaram no Facebook.
Questionada sobre o número de detidos e feridos, a PM não retornou o contato feito pela VICE, que presenciou um manifestante sendo detido.
Pelo quinto dia consecutivo haverá um novo ato na noite desta sexta (2), agora puxado pelo movimento negro. Intitulado “A casa grande surta quando a senzala vai pra rua”, o protesto acontece às 19h no Largo da Batata, na zona oeste da cidade.
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Foto: Felipe Larozza/ VICE