Drogas

Compro drogas nas favelas para a classe média do Rio

schoenenpoetser in rio de janeiro

Rodrigo*, 28 anos, é do Rio de Janeiro, e trabalha como ‘aviãozinho’ entregando cocaína e maconha compradas nas favelas para clientes de classe média por toda a cidade. Longe das glamourosas praias e a estátua do Cristo, as favelas da cidade cartão-postal do Brasil estão num estado constante de guerra entre facções de tráfico como o Comando Vermelho (CV), Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando, além da polícia e milícias formadas por oficiais corruptos. Rodrigo trabalha para o Comando Vermelho perto do bairro da Tijuca.

O que você vende e onde?

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Na verdade não vendo, só faço entregas. Sou aviãozinho, o que significa que se você me ver ou me ligar, me entregar o dinheiro, eu vou buscar o bagulho no meu morro pra você. Temos todo os tipos de drogas.

Posso te conseguir um papelote de cocaína por 30, 40 ou 50 reais, maconha, crack, ecstasy. Mas a maconha aqui no Brasil é uma porcaria. A maior parte vem do Paraguai. Para amigos tenho um preço, para clientes desconhecidos tenho outro. Faço cerca de 10 a 15 reais de comissão por entrega.

Há quanto tempo você trabalha nisso e como entrou nessa?

Vender drogas no morro é tipo uma cultura. Nasci vendo essa cultura, não é algo incomum pra mim. Meu avô vendia drogas no morro, meu tio, minha mãe, a família inteira. Minha mãe atirou em três pessoas e foi presa. Ela conhecia o Fernandinho Beira-Mar [líder do Comando Vermelho que organizava acordos de troca de armas por drogas com os rebeldes das FARC na Colômbia]. Mas até os 22, nunca mexi com nada. Aí meus amigos da Tijuca [bairro principalmente branco de classe média do Rio] disseram “Você pode arranjar alguma coisa pra gente? Pagamos bem”.

Muita gente tem medo de vir pra favela e ser assaltado, e às vezes isso acontece mesmo. Tem outro motivo. Se você quer entrar na favela, beleza, problema seu, mas quando está saindo… um cara branco de classe média saído da favela, um lugar onde ele não mora? Pra polícia a única resposta é que você veio aqui comprar drogas! Por que você acha que me pagam para fazer essas entregas?

Temos muitos problemas sociais na favela, então pessoas negras, como eu, somos quase convidados pra esse trabalho. Nunca pensei no que faço como um crime.

“Bolsonaro e seu colega, o governador do Rio, declararam guerra às drogas e agora a polícia está atirando nas pessoas de helicóptero.”

Como é a vida na favela?

Adoro morar aqui. É maravilhoso: todo mundo se conhece, todo mundo se respeita, até os bandidos. Você só tem que saber fazer as coisas – se desobedecer as regras, você é punido. Você não pode roubar ou atirar sem permissão, ou vai encarar as consequências. Às vezes é um tiro na mão ou no pé.

Meu amigo Antonio trabalha pra mesma gangue, mas numa boca diferente, então somos competidores. É uma franquia, como o McDonald’s. Tem de 3 a 4 McDonald’s no mesmo bairro, cada um de um dono.

O que você faz quando não está trabalhando?

De dia engraxo sapatos para gringos ricos em Copacabana. À noite é quando faço as entregas.

O que você acha dos ricos, sentados lá na casa deles, enquanto você arrisca sua vida e liberdade para ajudá-los a chapar?

Tenho todo tipo de cliente. Alguns eu acho muito escrotos. Eles são grossos comigo, e falam como se dinheiro fosse a coisa mais importante do mundo. Me sinto tipo um anarquista, quero por fogo em tudo! Mas outros são meus amigos. Tem uma professora de teatro de meia idade. Outro é um cara de 70 anos que nunca tomou uma cerveja na vida, mas sempre fumamos maconha juntos.

Você já teve algum problema com a polícia?

Ah, a polícia! Uma vez eles nos pararam e tive que fingir que era gay e que meu cliente era meu namorado. Eles já me levaram pra delegacia várias vezes, mas nunca fizeram nada. Aqui é o Rio, você só precisa perguntar quanto eles querem! Quanto você paga depende de quanto você tem, mas se você tiver só um papelote, eles te deixam ir por 300, 500 reais. Depois de alguns desses encontros, a maioria dos policiais são simpáticos e até me pedem para comprar pra eles!

O novo presidente, Bolsonaro, e seu colega, o novo governador [do Rio], Wilson Witzel, que declararam guerra às drogas, e agora [a polícia] está atirando nas pessoas de helicóptero. Mas se quer pegar os criminosos de verdade, você tem que ir pra bairros ricos como Ipanema ou Leblon.

E as outras facções?

Tem algumas áreas onde não vou, por exemplo, o Morro dos Macacos, porque é controlado por outro grupo. Há dois principais no Rio: o Terceiro Comando e o Comando Vermelho, e também as milícias são apenas outra facção. Você não entra nessas áreas se não quiser ter problemas graves de saúde.

O ADA é outro grupo, mas eles estão caindo. Eles têm só três comunidades no Rio inteiro agora. Mas ouvi falar que eles estão pagando as milícias para causar problemas pra nós.

Parece complicado. Por quanto tempo você acha que vai fazer isso? Você quer se aposentar e arranjar outro trabalho?

Minha esposa está grávida de seis meses agora, e logo ela vai ter nosso filho. Tudo que eu queria era um emprego estável, para poder cuidar da minha mulher e do meu filho.

Uma vez, quando eu estava na delegacia, vi um policial que me conhecia. Da primeira vez ele quis me dar lição de moral, mas dessa vez ele me perguntou “Por que você não faz outra coisa da vida? O que você sabe fazer?” Eu disse que sabia desenhar. Gosto de desenhar pessoas, paisagens. “OK, me mostra”, ele disse, e me deu um lápis, um papel e me disse para desenhar uma figura. Ele deu uma olhada pro desenho e falou “Tudo bem, você tem tempo. Você pode treinar”.

*A entrevista foi feita pessoalmente numa favela na Zona Norte do Rio, e os nomes foram mudados.

Matéria originalmente publicada pela VICE Reino Unido.

Ei, tá por perto? é uma coluna da VICE que pergunta a traficantes de drogas não só o que eles estão vendendo, mas como eles estão.

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