
Disposable Arts
M3 / Below System
2013

Por mais injusta que hoje pareça a forma como o tempo esqueceu Masta Ace, a verdade é que 2001 dificilmente podia ser um ano pior para um MC questionar o hip-hop. Na aurora do novo milénio, o hip-hop consciente (feito por pensadores para pensadores) era um artefacto da década passada, uma peça nem por isso muito compatível com a usufruição instantânea oferecida pela internet. É de acreditar até que, depois de ultrapassada a tensão pré-2000, um utilizador tivesse pouco interesse em trocar um clique pela oportunidade de ouvir alguém a disparar rimas sobre os males do mundo. Para dar de caras com um discurso correctivo, já tinha bastado o imparável bombardeamento da década de 90, que procurou sensibilizar as massas para quase tudo: não metam drogas, usem preservativos, respeitem o próximo, escutem bem o que o Michael Stipe e o Bono têm para vos dizer.
Entretanto a internet calou os anos 90 e convenceu-nos a todos de que, a partir dali, seríamos nós os portadores das mensagens importantes. Nisto, Disposable Arts (lançado em 2001) comete o tremendo pecado de ser um disco com uma mensagem trabalhada através de um conceito que se prolonga durante vinte e quatro faixas. Reparem na ambição destes números: 24 temas (alguns deles interlúdios e skits) unidos por uma colossal narrativa de 73 minutos (!). Num tempo moldado pela internet isso representa uma eternidade e não surpreende por isso que Disposable Arts tenha sido apenas mais uma vítima da distração fácil de quem tem cinco páginas abertas. Em comparação com os anteriores discos de Masta Ace, as vendas atingiram resultados inferiores e Disposable Arts sofreu ainda o azar de ficar rapidamente fora de circulação, após a falência da JCOR Entertainment, responsável pela edição original.
Hoje faz todo o sentido que o manifesto de Masta Ace seja reeditado (com um soberbo making-of de bónus) na Below System, vigilante selo holandês, que já nos deu excelentes provas da sua atenção ao mais autêntico hip-hop. Da mesma maneira que Disposable Arts era um álbum deslocado aquando do seu lançamento, agora encontra-se inversamente sintonizado com uma realidade em que o hip-hop ficou obrigado a ser grandioso e carregado de ideias para se fazer notar. Não admira pois que o tema de Disposable Arts — a chegada a uma escola onde se aprende tudo sobre hip-hop — envolva a vida académica de uma maneira semelhante à que encontramos (alguns anos mais tarde) nos primeiros discos de Kanye West (que nem por acaso é o número um do jogo, actualmente). Além disso, são pouco menos que hilariantes todos os skits (muitas vezes pequenos diálogos) que transportam a história do rapper de Brooklyn que sai da prisão para ir estudar para o IDA — Institute of Disposable Arts (onde, entre outras disciplinas, se aprende pimpology e bling-blingism). É aí que o novo aluno acaba por partilhar quarto com um maçarico deslumbrado com os clichés do hip-hop (adora a sua violência), mas pouco interessado em conhecer a sua real história.
Forma-se assim um cenário altamente irónico, quando Masta Ace dá por si no lugar do caloiro mais sábio da escola onde acabou de se matricular: a do hip-hop, claro. Ainda assim, tudo isto pareceria uma odisseia de constatável caguice se Masta Ace não fosse o patrão que, de facto, é. Aprendeu a rimar com os melhores (Marley Marl, Kool G Rap, Big Daddy Kane e merece por isso dar as lições que entende em Disposable Arts (Eminem aprendeu muito com ele). Acerca do estilo de Masta Ace diríamos que desliza muito suavemente sobre dois patins muito valiosos no rap: a capacidade de debitar mil referências culturais (Napster, Ellen, Gang Starr, todos levam) articulada com um não menos importante talento para contar histórias convincentes. Quando assim acontece, não importam assim tanto as diferenças verificadas entre as malhas vindas da street (“Acknowlegde”, “Unfriendly Game”) e outras mais próximas dos lençóis (“Hold U” e “I Like Dat” são afrodisíacos naturais para montá-la), porque todas contribuem igualmente para que Disposable Arts seja provavelmente um dos mais injustiçados álbuns de hip-hop da década passada.
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