Advogados denunciam terem sido impedidos de conversar com seus clientes, jornalistas revelam ameaças em redações, manifestantes presos relatam terem sofrido violência policial, estudantes protestam contra UFMG tomada pela PMMG, médicos impedidos de socorrer feridos durante as manifestações alertam sobre a existência de policiais infiltrados e, em meio a tudo isso, segundo informação apurada por um colega de profissão, a Comandante do Policiamento da Capital, Coronel Cláudia, avisou: “quem sair às ruas na quarta estará cometendo suicídio”. Assim, Belo Horizonte se prepara para receber, dia 26 de junho, a semifinal da Copa das Confederações que reunirá Brasil e Uruguai na próxima quarta-feira às 16h.
A declaração da Comandante Cláudia foi dada a um grupo de manifestantes que conversava com ela no último sábado, 22 de junho, na Praça Sete, centro de Belo Horizonte, local que momentos antes havia vivido cenas violentas quando a PMMG chegou a utilizar até o temido “Caveirão” para atacar os manifestantes que eram, em sua maioria, pacíficos. Antes disso, mais de 60 mil pessoas (dados da PMMG, manifestantes falam em ao menos 100 mil) foram às ruas em mais uma passeata convocada pelo COPAC/BH — Comitê Popular dos Atingidos pela Copa/ Belo Horizonte.
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Graças a um grande esforço articulado por diversos movimentos sociais da capital mineira, dessa vez tivemos pouca hostilização à presença dos partidos de esquerda que puderam levantar suas bandeiras com liberdade. Alguns gritos genéricos, como “o gigante acordou” e “chega de corrupção” eram abafados por manifestações mais incisivas contra o fascismo (aqui não tem fascismo!), a violência policial (“policia assassina, mata pobre todo dia!”) e ampliação do metrô da capital (ô, eu quero o meu metrô, eu quero o meu metrô, ôôôôô”). Tudo em um clima de paz e com muitos manifestantes conversando sobre as pautas históricas dos movimentos sociais.
Mais uma vez, foi em frente à “área Fifa” nas imediações do Mineirão que a violência foi deflagrada. Um grupo de manifestantes encapuzados lançou diversas pedras na direção do Choque, que se manteve impassível até por volta das 16h30 (estariam esperando o jogo do Brasil começar?) para então reagir com muita violência atirando contra toda a massa de pessoas, especialmente nos que estavam pacíficos. Tivemos então uma versão ampliada do massacre da última segunda-feira. Há relatos que as tropas do Governo de Minas Gerais chegaram a lançar bombas de dentro de um helicóptero, atingindo pessoas que estavam muito distantes do ponto onde a confusão iniciou-se, mas isso ainda não foi confirmado. Os números oficiais apontam para 28 feridos, sendo sete policiais e 21 manifestantes. Um deles, Luiz Felipe Aniceto, de apenas 22 anos, caiu de um viaduto e está em estado grave internado em uma UTI e respirando por aparelhos. Ao menos outros três jovens também caíram de viadutos e estão internados nos hospitais da região metropolitana de BH. O jornal Estado de Minas disse, em matéria de capa de sua edição de hoje, que os feridos passavam bem. A assessoria de imprensa do HPS João XXIII me passou informação diferente, confirmando que Luiz Felipe segue na UTI em estado grave.
O médico Giovanno Iannoti escreveu um comovente relato para o Portal Vermelho descrevendo as brutalidades presenciadas por ele e fez algumas denúncias graves. Segundo o médico, enquanto ele tentava socorrer um paciente caído de um viaduto que dá acesso ao Mineirão, um manifestante encapuzado chegou até ele, apresentou-se como um policial e avisou que iria pedir para que os tiros fossem contidos naquela área para que ele pudesse prestar socorro à vítima. Não dá para saber se o autodeclarado policial era de fato um membro das forças de repressão do Estado de Minas Gerais, mas fato é que as bombas foram interrompidas pouco depois. No mesmo artigo, Jannoti conta sobre momentos menos pacíficos na relação com a PMMG, que o impediu de utilizar uma ambulância para socorrer outro ferido (era exclusiva para militares) e de encaminhar uma vítima grave ao centro de traumas do Mineirão (primeiro disseram que era exclusivo para torcedores e depois alegaram que ele não existia).
O número de feridos entre os policiais deve-se ao fato de que muitos manifestantes reagiram à truculência desproporcional da Policia Militar do Estado de Minas Gerais e isso gerou uma série de conflitos. Há vários vídeos mostrando esse confronto no YouTube. Em um deles, um grupo avança sobre policiais da cavalaria, que bateu em retirada. Ações como essa provavelmente aumentaram dentro do comando da PM a revolta com as manifestações, o que levou a uma repressão ainda mais violenta. Longe do Mineirão, manifestantes foram perseguidos por várias ruas da área central de BH. Grupos pacíficos que se sentavam no chão para sinalizar que não ofereciam resistência receberam bombas e balas de borracha como resposta.
Muitas prisões foram feitas, embora o Governo de Minas Gerais não tenha divulgado um balanço oficial até a publicação dessa matéria. A maioria dos detidos foi encaminhada para o quarto batalhão da PMMG que fica na Rua da Bahia, região central de BH. Os boatos de agressão a civis se espalharam pelas redes sociais e grupos de advogados voluntários começaram a se dirigir para o local na tentativa de prestar o direito constitucional de defesa aos manifestantes presos. Gustavo Simim foi um desses advogados. “Tivemos uma série de ilegalidades sendo cometidas. Batalhão não é lugar de levar presos. Eles deveriam ter sido encaminhados para a Polícia Civil, que tem locais adequados para acolher os acusados. Os manifestantes estavam todos juntos, sem separação entre homens e mulheres e lhes foi negado o direito a ampla defesa, uma vez que eles estavam sendo impedidos de conversar com seus advogados”, relata.
Daniel Thadeu Assis foi outro advogado voluntário que presenciou os desrespeitos à Constituição Brasileira. “Nós ficamos até 5h30 da manhã tentando, sem sucesso, acompanhar os depoimentos dos presos. Alguns deles haviam sido detidos por volta das 17h e estavam sem comer desde então”, conta. A Coronel Cláudia, Comandante do Policiamento da Capital Mineira, disse para os advogados: “Vocês querem defender bandidos? Aqui não tem manifestante pacífico, somente vândalos. Se querem defendê-los, preparem-se para esperar”.
Todas as denúncias dos advogados foram encaminhadas à Ordem dos Advogados de Minas Gerais. Hoje às 18h, Cintia Ribeiro de Freitas, presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/MG, irá se reunir com os advogados voluntários na Faculdade de Direito da UFMG (Av. João Pinheiro, 100, terceiro andar) para saber mais detalhes sobre as violações constitucionais de sábado. No dia seguinte, a OAB/MG deve apresentar uma representação ao Comando de Policiamento de Minas Gerais para assegurar que isso não volte a acontecer na próxima quarta. A OAB/MG também anunciou que estará de plantão no dia do jogo acompanhando de perto todas as denúncias de impedimento do amplo acesso à defesa dos cidadãos mineiros.
Ainda no sábado à noite, agentes infiltrados da Polícia Militar (os chamados P2) informaram que havia risco de ameçaas contra funcionários dos principais jornais de Belo Horizonte. A informação foi desmentida pelos organizadores das manifestações, que afirmam não saber de onde veio essa notícia, uma vez que o movimento deles é absolutamente pacífico. Independente disso, as redações foram esvaziadas e o jornal Hoje em Dia, que vem fazendo a cobertura mais isenta entre os grandes jornais, fechou, mandou todos os seus jornalistas para casa e adiantou sua segunda edição das 23h30 para as 20h30. Liguei no Hoje em Dia e consegui confirmar que a polícia ligou para eles alertando que as redações seriam alvo dos manifestantes (negaram que houve um alerta de bomba). Inconformados com os abusos, vários estudantes da UFMG convocaram uma assembleia para hoje e é possível que a Reitoria seja ocupada.
Anteriormente – O 17 de Junho em BH
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