As primeiras vezes são sempre especiais, e ás vezes épicas. Especialmente as relacionadas com a juventude, e nomeadamente com o álcool. Perguntei a alguns amigos e colaboradores como tinham vivido a sua primeira tosga. Há quem não se lembre, há quem tenha vergonha, e há ainda quem só se lembre da última.
Assim reza a história.
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Mãe anónima no ginásio da escola.
MÃE ANÓNIMA CULPA BOLO ESTRAGADO
O que eu me lembro: Como a maior parte das mães do meu grupo de amigos eram “donas de casa”, fomos uma tarde, sem aulas, para a casa de um amigo cuja mãe era divorciada e trabalhava todo o dia. Ou seja, tínhamos a casa, e um bom bar, só para nós.
Os rapazes decidiram dar a conhecer os seus dotes de barman e fizeram uns cocktails, com tudo o que havia.
Resultado: não foi preciso beber muito. Em pouco tempo deixei de estar em mim.
O que me contaram (em modo fim-de-semana com o morto): Fiquei logo KO, e claro, os meus amigos tentaram reanimar-me, mas nada feito. Então levaram-me até um jardim à beira mar – em braços -, para apanhar ar, mas também não resultou.
Depois (ainda naqueles preparos), e como tínhamos de voltar para as respectivas casas, para jantar, lá me levaram até à minha. Mas ao entrar na rua onde eu morava viram a minha mãe, que tinha ido às compras. Para que ela não me apanhasse esconderam-me debaixo de um carro que estava ali estacionado.
As raparigas decidiram que o melhor era eu tomar um duche na casa de uma delas, mas assim que senti a agua fria comecei a gritar, e as minhas amigas (para abafar o barulho e disfarçar a coisa) começaram a cantar bem alto: Eu sou nuvem passageira.
Mais tarde levaram-me para casa, e quando a minha mãe me viu perguntou logo o que é que eu tinha. Claro que eu não dizia coisa com coisa. Ela ficou preocupada e telefonou para as outras mães,que depois de ouvirem os relatos das filhas, decidiram que devia ter sido um bolo estragado que comi e que me caiu mal.
Na manhã seguinte acordei, fui para a escola, fiz um teste de Físico-Química, e acho que passei.
MIGUEL ARSÉNIO E A SUA PRIMEIRA BEZANA
É maravilhoso reparar em como as canções e os discos ajudam a situar um determinado acontecimento no tempo. Muitas vezes a música que nos conduz até tal ano nem sequer é a mais marcante, mas é mais que certo que estaria bastante presente nessa mesma altura. Isto serve para explicar que sem os Kussondulola, ou os Da Weasel, é bem provável que hoje tivesse uma dificuldade muito maior em afirmar com todas as certezas que a minha primeira bebedeira aconteceu em 1995 (quando tinha 16 ou 17 anos).
Os primeiros surgem bem tarde, nessa infame noite, quando, depois de mandar um valente gregório, os meus amigos (Mauro, Eddie e Smith) me perguntam se estava em condições e respondi: Tá-se bem! (na minha melhor imitação possível do Janelo e talvez com os dedos em “V”).
Tá-se bem era o título do disco de estreia de Kussondulola lançado precisamente em 1995 (às cavalitas do estrondoso sucesso do single “Dançam No Huambo”) e também as palavras ditas num spot publicitário de TV, que divulgava o mesmo álbum com alguma lavagem cerebral dread à mistura.
Os Da Weasel confirmam a localização temporal desta estreia etílica, porque tenho a certeza de que vi o teledisco (era assim que se dizia) de Ressaca, malha do álbum Dou-lhe com a Alma (1995), no Made In Portugal, que a RTP1 exibiu nessa muito instável tarde de domingo.
Tive por acaso a sorte de me esquivar de um almoço em casa do Serrinhas (lendário mecânico local), com uma qualquer desculpa horrível. Mas nem a pior das indisposições me impediria de ver o Made in Portugal (talvez o meu programa favorito de sempre). Deitado no sofá e com o cobertor pelo nariz, fez todo o sentido ouvir a Ressaca, dos Da Weasel (embora a letra trate de fumicios e não de bebida), como tema de encerramento para a cerimónia desastrosa que foi a minha primeira bebedeira.
Virámos quase metade de um whisky grego (Metax?!) da garrafeira do pai meu melhor amigo e sei lá que mais. Demos uma volta à vila aos trambolhões e, do alto do miradouro e com os olhos no reflexo da lua no mar, mandei uma daquelas larachas que se aceitam numa primeira bezana: “Olha uma discoteca no fundo do mar – bora para lá dançar”.
Era 1995 e provavelmente a fase romântica Aerosmith ainda era um caso em aberto.
JORGE PENHA NAUFRAGA EM GINGINHA
O final do terceiro ciclo do ensino básico coincidiu com a data da minha primeira bebedeira, corria o ano de 1998, a puberdade no seu apogeu.
Já tinha experimentado o “maravilhoso mundo” das bebidas alcoólicas, umas cervejitas no café ao lado da escola, um copo de alguma bebida destilada (roubada à garrafeira do pai de algum amigo), ou um “Smirnoff-Mule” nas primeiras saídas à noite com amigos. Mas nunca tinha apanhado uma “valente”, a verdadeira, e que até hoje não esqueci…
Leões da Floresta. Sábado à noite. Um clube recreativo com matraquilhos, bilhares e álcool a preços do pós-guerra. A estrela da casa, uma ginjinha caseira docinha, e que segundo um amigo meu, mais vivido na coisa, “batia mas não aleijava”. Entre quatro comprámos uma garrafa, que ficava mais barato. Nunca tinha provado ginja, entrava bem e era doce. A garrafa evaporou-se em pouco tempo, e entre todos decidimos juntar mais umas moedas e comprar outra. Tenho uma ligeira reminiscência de euforia que senti, feliz e contente por beber como os “grandes”. A segunda garrafa desaparece a bom ritmo e não contentes decidimos entre todos pedir um “submarino”, uma imperial com bagaço. A morte do artista. Em questão de minutos toda a euforia se transforma em má disposição, tudo era turvo à minha volta. Decisão: apanhar ar no páteo dos Leões…
O ar puro da montanha não foi suficiente e uma força da natureza dentro do meu estômago fez com que expelisse a tão doce ginjinha, e essa maravilhosa mistura de cerveja e bagaço. Sofri, mas passou. Não sujei a roupa e fui comprar pastilhas de morango. A minha única preocupação: que a minha mãe não desse conta na hora de voltar a casa. Até hoje tenho uma ligeira repulsa à ginjinha e licores no geral, a marca da minha primeira bebedeira.
Em parte o meu amigo tinha razão, bateu é verdade, mas “aleijou” um bocadinho.
MARIA ÍRIS SOBRAL, SALVA PELO ÁLCOOL
Não foi só uma bebedeira ou uns copos a mais.
Há um tempo conheci um gajo que adorava deixar-me para segundo plano. Nunca me fez grande confusão, ele também não era o meu primeiro pensamento do dia.
A bebedeira, essa, não veio para afogar as magoas, massajar o meu ego ou algo do género. Chegou desapercebida, numa noite em que o tal, chamemos-lhe Ramiro, ficou de ir beber um copo comigo a um qualquer bar de Lisboa.
O Ramiro disse-me à uma da manhã que só conseguia encontrar-se comigo mais tarde, passo a citar: ” Lá para as 3…“.
Com o ego contorcido pelas dores liguei a uma amiga, à amiga mais bêbeda que tenho. A Luísa veio imediatamente em meu socorro, e fomos então passear a nossa falta do que fazer para uma discoteca. Lembro-me, como se fosse agora, do quão chato era fingir que estava bem-disposta. Não foi com grande surpresa que entendi que estávamos praticamente numa danceteria, não havia um único homem que não nos oferecesse um copo, e nós bebemos, e voltámos a beber.
Quando dei conta eram 4 da manhã, e o Ramiro estava ao meu lado. Conduzia o que parecia ser um carro de montanha russa. Pedi-lhe vezes sem conta para abrandar, ao que ele respondia que não podia. Pedi então, simpaticamente, que se calasse, e chegámos por fim ao que parecia ser a minha rua.
Lembrei-me que tínhamos combinado ficar em minha casa (em minha casa!). Ninguém bêbedo quer dormir com ninguém, ninguém bêbedo quer continuar a viver sabendo como os outros olham para a diferença, com tristeza e comiseração.
O que aconteceu depois foi o que se chama uma verdadeira vergonha. Percebi, assim que entrei em casa, que os puxadores das portas tinham uma razão de ser: ajudar-me a manter-me de pé. Lutei, lutei contra todas as portas que me separavam da casa de banho, nunca tinha visto a retrete como um porto de abrigo, e o meu tapete, que confortável… Estava a salvo, finalmente em paz.
O Ramiro, coitado, não percebeu que: não só não ia dormir comigo, como também não pernoitaria no meu santuário. Veio com tanto carinho em meu socorro, que no meio do que pode ter sido o momento mais repugnante da minha vida, quase me custou mandá-lo embora. Quase! Com todas as minhas forças e o coração dividido em três (sangue, álcool e amor próprio) corri com ele de minha casa como se de um vendedor de tapetes se tratasse. Nunca mais bebi tanto.
Devo ao Gin toda a minha gratidão. Graças a ele livrei-me do Ramiro.
FILIPA VIU PERIQUITOS, À LUZ DAS ESTRELAS
Costumo dizer que faço as coisas bastante tarde: vi o Lost 5 anos depois de ter terminado, concluí a licenciatura dois anos mais tarde do que era suposto, e apanhei a primeira bebedeira aos 19 anos.
Lembro-me que era Verão e que estava na casa de um amigo a comemorar o seu aniversário. Para além de todos os meus amigos, a sua família também estava presente. Não sei bem como nem porquê, comecei a devorar melão e a beber sangria como se não houvesse amanhã – a minha avó sempre diz “Com melóun, vinho bom”. Um garfo numa mão e um copo na outra – soube-me pela vida!
Conversa para aqui, gargalhada para ali, e à medida que a noite ia fluindo, comecei a sentir a minha cara um tanto ou quanto esquisita: sentia o lábio inferior a adormecer, como uma espécie de formigueiro, e não conseguia controlar os músculos da boca. Fui ao quarto de banho certificar-me de que não estava desfigurada, e assim que vejo o meu reflexo no espelho, esboço um sorriso malandro. Parti-me a rir, sozinha. Saí e, não querendo dar nas vistas, fui ter com os periquitos que o meu amigo tanto estimava (e estima). Lembro-me que entrei numa conversa sobre liberdade, asas, o Fernão Capelo Gaivota, e de como deve sentir-se um periquito, ali preso…
Muita atenção, uma conversa entre mim e os periquitos.
Não tardou muito até que os meus amigos percebessem que eu estava num estado que eu própria baptizei como “para lá do muro”. Um muro (imaginário) que separa a sobriedade do descontrolo. Quanto mais afastados do muro, mais embriagados estamos. Não me lembro de muitos detalhes, mas sei que foi bastante divertido. Foi uma boa “primeira vez”.
DESTROY – O DIA EM QUE TUDO COMEÇOU
Bem, a minha primeira bebedeira a sério aconteceu no aniversário de um amigo. Eu era o puto mais novo no meio daquele antro de doidos, e escusado será dizer que antes do jantar começar já o restaurante estava um caos, eu bêbado que nem um cacho, um charro aqui, um charro acolá. Deixa-me que te diga que nem me lembro de ver a comida chegar à mesa. Penalty práqui, pénalti práli, e no meio de ambos lá metia uma batata frita na boca.
A meio do jantar já rezava pais nossos. Só me lembro de ir para a praia da rocha, pelo campo, de mãos dadas com uma miúda muita gira, claro. Quando lá cheguei tinha os meus pais à minha espera, porque já era meia noite e meia, e eu tinha 14 anos. Lembro-me de fazer um esforço brutal para aparentar algum resquício de sobriedade, (claro q completamente falhado), e depois foi fazer a viagem até casa, enquanto era gozado. Quando finalmente me deito, sinto aquela montanha russa, e lá rezo mais um ou dois pais nossos. Assim foi a minha primeira bebedeira.
PEDRO FARO E A SUA ÚLTIMA BEBEDEIRA
Na minha última bebedeira parti o nariz. Fui ver uma peça de teatro da companhia Teatro Cão Solteiro que obrigava a um consumo de 9 cervejas. Era, na verdade, uma prova de cervejas – alemãs, belgas,etc. Cada cerveja, servida num copo, devia ser bebida em dois minutos, no máximo.
A última cerveja tinha 13 graus. Eu não costumo beber e não gosto de cerveja. Fui para casa. Entrei na casa-de-banho. Fiz xixi – a cerveja… E desmaiei. Acordei no chão com a cara cheia de sangue e o nariz partido. Aprendi que a arte (e o teatro, em especial), mata.