Fomos lá e vimos: Matthew E. White

FYI.

This story is over 5 years old.

Viagem

Fomos lá e vimos: Matthew E. White

Surpreendente, educativo e catártico.

Tudo nesta premissa parecia surreal, como aqueles raros momentos na vida em que a realidade se aproxima docemente do sonho: Matthew E. White viria tocar a Lisboa, no Musicbox, dia 4 de Abril. Desde que se soube até ao dia do concerto o tempo prosseguiu com normalidade, sem quaisquer elementos oníricos que pudessem trair a veracidade daquela bonita informação. Foram poucas semanas a tentar explicar aos meus amigos que aquele tinha sido a grande revelação americana de 2013, que Big Inner tinha sido considerado o 11.º melhor álbum segundo a Uncut, a ideal confluência do cancioneiro dos states num trabalho que pretendia inaugurar a Spacebomb Records (projecto que o próprio Matthew encabeça), e uma mistura de folk, soul, gospel e blues com todas as temáticas predominantes destas correntes musicais: o amor, a perda, a fé e a história americana. De facto, o álbum de estreia de White é uma maravilha assente em arranjos abismais para coros, cordas e sopros, que criam uma ambiência musicalmente sagrada para revestir uma voz grave e tímida, soprada como uma brisa quente que raramente passa a rajada. Chegado o dia, qual não foi o meu espanto quando vi sobre o palco uma cadeira, uma guitarra e um amplificador, estando do lado oposto da sala, sentado a tomar um copo, o homem gigante e barbudo que dava o nome ao cartaz. Como é que ele sozinho iria reproduzir a intensidade de Big Inner numa sala que ficaria aquém de quase-cheia? O que se passou a seguir, como um sonho lindo, pode ter durado minutos, horas ou dias, pouco importa. O que realmente importa é que logo em "Steady Pace" e "One of These Days", primeiras canções retiradas do disco, nos apercebemos que a viagem prometia ser imensamente reveladora. Na versão power blues de "Are you Ready for the Country"de Neil Young, registou-se o primeiro momento que deixou a plateia boquiaberta.

Publicidade

Seguiu-se um registo de storyteller em que ficámos a perceber que White cita algumas das suas influências nos seus temas (como a bridge e o refrão de"Will You Love Me", em que usa parte de um discurso de Martin Luther King e um verso de Jimmy Cliff), que bebe influência de lendas da americana como Washington Philips e Randy Newman (partilhando connosco a história de quando lhe tentou perturbar a paz enquanto fã-que-descobre-a-morada-do-ídolo-na-internet) e que a fé numa carreira musical começou em Lisboa, embora seja a primeira visita ao nosso país, graças ao ouvido de Pedro Costa, que apostou no seu projecto de jazz contemporâneo para o catálogo da Clean Feed. Depois de uma amena cavaqueira com o público, de duas covers do Randy Newman e de quase todo o álbum e parte do EP Outer Face tocados, chegámos àquele momento íntimo em que uma pessoa purgou toda a sua alma nas nossas barbas, cantando com sentimento e imponência (num registo bem surpreendente para quem conhece Big Inner de ginjeira) e tocando como uma fera ferida uma guitarra eléctrica que arrepia e reverbera dentro de nós. Poderia escrever uma recensão de 100 páginas sobre o que se passou naquele sítio e em nós enquanto ouvíamos Matthew E. White a tocar, mas vou resumir tudo em três palavras: surpreendente, educativo e catártico; ou se preferirem: puta, de, concerto! Fotografia por Tiago Franco Paiva.