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A arte de cheirar cus

A nossa vida seria muito mais simples se cheirássemos os rabos uns dos outros.

Senhoras e senhores, tenho pensado em cus. Mais especificamente no acto de os cheirar. Todos já nos deparámos com a clássica e constrangedora cena do meet and greet canino: sem delicadezas nem preliminares (aka “à patrão”), os canídeos dirigem os seus apêndices olfactivos à rectaguarda do novo amigo, inspirando com vontade os odores do ânus alheio. Sendo eu o peso morto que o meu amigo de quatro patas tem o prazer de arrastar pela rua fora, inúmeras foram as vezes que pude presenciar tal ritual. E foi então um dia que, após observar o Fido a aproximar-se de um cu peludo com a mesma boca com que me lambe o rosto, decidi investigar a ciência por detrás deste comportamento. Após um extenso e penoso processo de pesquisa (Google: “por que é que os cães cheiram o rabo uns aos outros?”), cheguei finalmente à raiz do processo de reconhecimento canino. Aparentemente os cães são possuidores de duas glândulas anais que emitem odores tremendamente poderosos, contendo informações vitais como o sexo, saúde e temperamento do animal. O acto de snifar o ânus de outro cão acaba por ser então o equivalente a mostrar o cartão de cidadão. Quer dizer, o ânus não tem um chip com um código, mas faz de conta que tem. Bem, deixemo-nos destas analidades, digo, banalidades e passemos ao verdadeiro motivo de ser deste desatino escrito: a aplicação do processo de assconaiscance nas relações humanas. Já imaginaram o quão simples se tornaria a nossa vida social e amorosa, fôssemos nós possuidores dos aparatos biológicos necessários para levar a cabo o ritual dissecado acima? Vejamos as provas abaixo: #1: A prima donna
Após o término da minha formação universitária trabalhei algum tempo na área cinematográfica. E foi aquando da realização de um casting para uma curta-metragem que eu e o André, ambos realizadores, tivemos o desprazer de conhecer a figura mais irritante do panorama do cinema independente português. Um jovem actor na casa dos 30. Chamava-se Vasco desempenhava na perfeição o papel de actor profissional, portando-se de forma exemplar no casting. O facto de ser um “pedaço de mau caminho” nada teve a ver com a decisão de seleccioná-lo para o papel de interesse amoroso da minha personagem. (Convenhamos que, mesmo a fingir, sabe sempre bem ter um homem bem constituído e semi-nu deitado ao nosso lado na cama.) Porém, uma vez iniciadas as filmagens, o hype criado à volta desta apetitosa figura não tardou a esmorecer. Uma vez no set, sentindo-se já mais confortável com a equipa e actores, Vasco revelou com todo o esplendor a sua personalidade de homem-criança, com traços marcados de narcisismo, prometendo um processo de rodagem nada menos que insuportável. Ora, se um dos requisitos do processo de casting fosse o cheirar o rabo aos actores, teria aprendido que:   a) O Vasco tem o dom de ser capaz de repetir exactamente a mesma anedota pelo menos cinco vezes num espaço de dez minutos;
b) Não vale a pena procurar, o Vasco não possui um botão que o silencie;
c) Para entreter o Vasco, nada mais fácil que um livro médico com desenhos anatomicamente correctos. E se esses desenhos incluírem pêlos púbicos, melhor, uma vez que o Vasco terá sempre comentários eloquentes a oferecer sobre os mesmos;
d) O Vasco provavelmente lava o cu com gel de banho Armani. #2: O esfíncter ambulante
A fase de puberdade da minha carreira profissional ocorreu na altura em que fui contratada para trabalhar num estabelecimento de venda de produtos de cultura e multimédia. Chamemos-lhe “Gnac” (tentem processar-me agora!). Convidada a integrar uma equipa composta por um misto de nerds, hipsters e rockstars wannabe, rapidamente desenvolvi com cada um dos seus membros uma relação de cooperação e camaradagem. E tudo parecia correr bem. Mas como nada é perfeito, eis que surge satã num colete verde e amarelo: Fábio. Este espécime defeituoso do sexo masculino decidiu, por razões que ainda hoje me são desconhecidas, fazer da minha vida naquela loja um inferno. Raros eram os dias em que não tecia comentários maldosos sobre a minha performance, criando motivos constantes para a emissão de novas bocas, ainda que tivesse acabado de colocar os pés na loja. Apesar dos meus esforços para que mantivéssemos uma relação minimamente profissional, a situação foi progredindo ao ponto de um dia avisar o meu supervisor de que se não resolvesse o problema do constante assédio a que era submetida, o Fábio teria de resolvê-lo com a Sheera (nome que dou ao meu punho direito). Ora, fosse eu dotada desse maravilhoso poder do olfacto aumentado, ao primeiro comentário ou atitude desagradável do meu colega, inclinar-me-ia por baixo do balcão para tentar descobrir o motivo de tal desagrado. Minto. Seria mais provável que lhe enfiasse um comando da Wii pelo rabo acima do que perder tempo a tentar decifrar os seus problemas psicológicos através dos odores emitidos pelo seu ânus apertado. #3: A “amiga”
Desgostos amorosos já todos tivemos, mas quantos serão os que podem afirmar terem sobrevivido a um double whammy? Para quem não conhece a expressão, trata-se nada mais nada menos do que uma bofetada emocional tamanho XL, quando a vida nos atira não uma mas duas avantajadas doses de excremento para a cara num curto período de tempo. Case in point: quando a minha melhor amiga de há onze anos decidiu começar a namorar com o homem por quem eu nutria uma imensa paixão e sobre quem confidenciava com ela todos os dias, chorando no seu ombro amigo (que agora sei na verdade tratar-se de um ombro “galdério”). Poderes olfactivos da categoria “Bóbi” ter-me-iam alertado para o odor de traidora emitido pelo rabo da dita amiga. Sabendo de antemão o que me estava a preparar, seria mais claro o curso de acção que eu teria tomado: fodia-lhe o esquema todo. #4: O cabeleireiro 
Numa quase inédita visita ao templo capilar das mulheres, pedi que me ondulassem o cabelo. “Não são caracóis!”, tratei de esclarecer antes de começarmos o processo. “São ondas, para o cabelo não estar muito liso.” “Assim?”, perguntou-me o cabeleireiro, apontando para um enorme poster no qual figurava uma beldade ruiva de longos cabelos ondulados. Após quase duas horas passadas na maioria com o meu escalpe a carbonizar debaixo de um secador que mais parecia um candeeiro da família Jetson, o rapaz virou-me para o espelho, perguntando se gostava. “Não foi isto que eu pedi!”, guinchei, observando a minha avó, de cachos gigantes, ao espelho. “Eu queria ondulado! Como naquela fotografia!”, disse, apontando para o tal poster. “Ah, mas aquilo são jeitos” foi a resposta.  Mesmo sem um olfacto altamente desenvolvido, sou capaz de dizer exactamente o que teria cheirado no ânus oxigenado daquele cabeleireiro: “Olá, eu sou um cabeleireiro. Vou fingir que te ouço com atenção, vou mostrar-te fotografias e abanar a cabeça com muito entusiasmo. Mas nem penses que te vou dar aquilo que me pediste. Não é que não te tenha percebido, mas fazemos um juramento solene na academia profissional de cabeleireiros: o cliente nunca tem razão.” Era só levantar o meu rabinho musculado e pôr-me na alheta antes que conseguissem dizer “Schwarzkopf”. 5: O germofóbico
Ocupando o terceiro lugar na minha lista de relacionamentos passados encontra-se o Marco, um homem que não gostava de sexo oral. Mas não sintam pena deste indivíduo nem assumam que tal só seria possível se este tivesse sofrido um acidente terrível no qual teria amputado o pénis após o lançamento de um bumerangue particularmente afiado. Deixem-me esclarecer: o Marco gostava de receber sexo oral, só não gostava de fazê-lo. Todos já ouvimos os mais variados tipos de desculpas de pessoas que não querem reciprocar um “trabalho bem-feito”. Esta, porém, surgiu-me como uma novidade: estudante universitário na área de saúde, um dia Marco sentou-se para me explicar que a vagina era um local que albergava uma série de micro-organismos causadores de infecções. Quando retorqui dizendo que a minha vagina era uma senhora extremamente asseada e que eu poderia usar o mesmo argumento em relação ao seu pénis, garantiu-me que o caso não era o mesmo já que a pila dele, ao contrário da minha pombinha, anda “ao léu”. Conclusão: de acordo com Marco, os pénis estavam perfeitamente aptos a serem degustados, enquanto que as vaginas não passavam de enormes cavernas fúngicas (e olhem que isto foi anos antes do Michael Douglas emitir a declaração à imprensa de que a vagina da Catherina Zeta-Jones lhe tinha dado cancro na garganta!). Dado que este rapaz não era particularmente habilidoso debaixo dos lençóis, ter-me-ia sido bastante útil que pudesse compensar esse handicap através dos seus dotes linguísticos. Tal nunca ocorreu, infelizmente. Se tivesse cheirado o rabo ao jovem germofóbico, saberia de antemão que teria de ser eu mesma a tratar dos meus orgasmos e, como a mulher prevenida que sou, passaria a levar comigo o meu vibrador, baptizado “My Little Friend” em homenagem a um dos personagens mais carismáticos de Al Pacino. Não há vez em que, ao tirá-lo da gaveta, não diga: “Say hello to my little friend!” Situação hipotética: a ginecologista
Como seria maravilhosa uma visita à ginecologista, sendo esta dotada da capacidade de diagnóstico por olfacto. “Muito bem, vejamos o que temos aqui.” [inspira] “Ovários limpinhos e funcionais,” [inspira]  “um útero jovem e saudável…” “E bem arranjadinho”, acrescento eu, “já o vimos em ecografias, lembra-se? Da última vez até tinha um laçarote!” Depois de uma pequena risada, a médica continua: “Vida sexual…” [inspira] “Ah, foi uma menina muito marota este ano!”  Enfim, as consultas passariam a ser encaradas como uma ocasião divertida e prazerosa, repletas de funny banter e innuendos de cariz sexual, e a própria ginecologista passaria a ser vista como uma amigalhaça ao invés daquela pessoa que temos vergonha de olhar no rosto após o coito digital sem preliminares que é executado com um aparelho que mais parece o dedo do E.T.  (sabem, aquele que acende) envolvido num pequeno preservativo. É uma experiência tão desconfortável, que todas as vezes que saio da consulta sinto-me a fazer the walk of shame (o caminho que uma mulher faz para casa com a maquilhagem borrada, o cabelo despenteado e a roupa do dia anterior, após ter passado a noite na casa de um homem).  Com tantas vantagens que o reconhecimento e diagnóstico através da inalação de odores anais nos poderia trazer, por que é que ninguém inventou ainda um aparelho electrónico que possamos inserir nas narinas, de forma a reproduzir o sentido olfactivo canino? Quero ver essa cena às quatro da manhã nas televendas!  Eu comprava. Fotografias gentilmente sacadas da net.