Saúde

Como a internet transformou fazer compras numa obsessão

Where Your Internet Shopping Habit Comes from

Você levou um pé na bunda, teve um dia escroto no trabalho, está menstruada ou perdeu o ônibus. Seja lá o que deu errado, você está triste, e por causa disso começa a sentir um desejo familiar: você pega seu celular e abre um aplicativo de compras. “Eu mereço”, você diz em voz alta pra ninguém em particular, colocando um vestido da ASOS no seu carrinho com um toque na tela. “Passo no cartão”, você fala, e lá se vai mais alguma coisa de quase R$ 100. Já vi as melhores mentes da minha geração viverem de miojo até o próximo pagamento porque pegaram pesado num site de marca de maquiagem no meio do mês.

Com o avanço tecnológico, continuamos sendo apresentados a novos jeitos de gastar. Antes da internet, você tinha que esperar até seu passeio de sábado no shopping, ou até um novo catálogo chegar – agora, tudo que você sempre quis comprar está na palma da sua mão, 24 horas por dia.

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Recentemente, um relatório de um grupo de pesquisadores propôs que há uma correlação direta entre uso de internet e alguns transtornos de saúde mental, um deles sendo vício ou obsessão por compras. Esses especialistas, parte do European Problematic Use of the Internet Research Network, pedem mais pesquisas urgentes sobre o assunto, com a consultora do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido e chefe da rede Naomi Fineberg apontando que: “Somos tipo um divisor de águas, começando a entender que há um problema”.

Claro, esse grupo de uso problemático da internet tem uma agenda – tipo: “Não achamos que esse negócio de internet é tão legal assim” – mas há questões importantes aqui.

Muita gente, incluindo eu, lida com impulsos consumistas. Uma coisa é comprar um presente pra si mesmo logo depois de receber, outra é torrar toda sua grana do mês por causa de uma combinação de tédio, autoestima baixa e materialismo, só porque é fácil. E enquanto fazer compras – como outras coisas notoriamente viciantes – sempre foi uma maneira de se acalmar, a internet sem dúvida tornou a prática mais difundida. No Brasil, 89% dos internautas fizeram compras online em 2017, segundo o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito).

Mas como exatamente essa onipresença facilitou ficar obcecado por comprar online? Falei com alguns outros compradores para descobrir.

O Instagram vive nos bombardeando

Todos aqueles posts inspiradores do Instagram são como crack para consumidores e um sonho que se torna realidade para pessoas tentando vender coisas. Alguns negócios trabalham principalmente acompanhando microtendências do Instagram e as colocando em produção em massa – ASOS, Missguided, Pretty Little Thing e Fashion Nova – aí você tem sites e aplicativos de revenda, como eBay e Depop, onde você pode facilmente acabar gastando o valor de um boleto de energia elétrica no tênis usado de alguém.

Emily, 24 anos, que compra roupas online, me diz que acha que “escolher e comprar roupas te faz sentir mais segura da sua identidade, o que pode ser reconfortante e como uma âncora quando você se sente perturbada”, acrescentando que às vezes ela usa isso “como uma muleta quando estou me sentindo mal”, já que isso é “um alívio bem-vindo de qualquer merda séria que está na sua cabeça”.

De maneira interessante, ela também descreve como um detox de redes sociais – principalmente do Instagram – teve um impacto em seu hábitos: “Fiquei chocada com como isso reduziu meu apetite por compras. Ainda tenho períodos em que quero muito comprar, mas nem de perto na mesma intensidade. Como gosto de roupas, eu costumava seguir um monte de blogueiras de moda, para ter ‘inspiração’ constantemente”.

Aplicativos de compras são muito fáceis de usar

Quando estou me sentindo particularmente ansiosa, sempre me pego querendo estar num supermercado. Desejo a neutralidade e uniformidade deles. É legal que tudo tenha um lugar certo. Aplicativos de compras são a versão digital desse supermercado calmante hipotético.

Aplicativos como os da ASOS, Urban Outfitters e Topshop são limpos e de navegação fácil, o que os torna um respiro do design mais pesado de aplicativos de redes sociais como Facebook e Twitter (o The Economist até citou o presidente fundador do Facebook Sean Parker como tendo sugerido que a plataforma funciona “explorando as vulnerabilidades da psicologia humana”, tenso). Enquanto sites de redes sociais podem induzir ansiedade, aplicativos de compras parecem pensados para te dar um minuto de paz; para ficar sozinho com todas as versões em potencial de você que as roupas e sapatos que você está vendo representam. Os itens são dispostos em redes simples – e passando por eles, há uma serenidade.

Amanda*, 29 anos, concorda, dizendo que aplicativos de compras muitas vezes emulam redes sociais mais visualmente prazerosas, como o Instagram e Tumblr. “É o mesmo jeito como uso o Tumblr e o Instagram numa base estética, trato aplicativos de compras do mesmo jeito. A característica user-friendly parece muito similar”, ela diz. “No app da ASOS, você pode dar um coraçãozinho nas coisas para salvar, e acabo salvando coisas que gosto do mesmo jeito que favorito coisas nas redes sociais.”

Emily e Amanda dizem que, muitas vezes, a questão não é sobre realmente comprar alguma coisa (Emily diz que “geralmente, comprar me faz sentir mais estressada porque sinto culpa por ter gastado”), mas que é a mera experiência de usar esses aplicativos – que Amanda chama de “limpos e simples” – que ela mais gosta. O que diz muito sobre como recebemos informações hoje em dia. E o jeito como tentamos nos acalmar. Né?

Promoções e descontos te fazem voltar sempre

Quem aqui nunca mandou mensagem no grupo do Whats ou um tuíte desesperado pedindo um código de desconto? Quem pode dizer que nunca recebeu um e-mail dando 20% de desconto no final de semana e não entrou imediatamente no site, salivando por aquele item salvo na sua lista de favoritos há mais de dois meses?

Com aplicativos de compras vêm promoções, pontos de fidelidade e, crucialmente, descontos. A palavra “promoção” é usada desde sempre para nos convencer a gastar mais, mas a habilidade da internet de nos expôr a isso direto no nosso inbox, nas propagandas segmentadas em outras áreas da internet, ou mesmo nas redes sociais, significa que acabamos com um buraco no nosso bolso coletivo, e acabamos gastando mais porque sentimos que estamos passando a perna no sistema e economizando. E nem preciso dizer que não estamos porcaria nenhuma.

“Compre agora, pague depois”

No último ano, você pode ter notado a opção de comprar agora e pagar depois através de algo chamado Klarna em lojas online de roupas, que, sei que você vai concordar, era o que todo mundo queria. Klarna é um grupo sueco que oferece um método de pagamento a crédito para compras de pequena escala (você pode usar isso online em lojas como ASOS e Topshop). Uma matéria recente no Financial Times descreve a empresa como alguns “credores que estão reescrevendo a linguagem do crédito na era do Instagram”.

A gratificação instantânea de comprar é obviamente uma das coisas que nos atrai para uma opção como essa, e mesmo havendo uma espera nas compras online (apesar das maiores lojas na internet hoje terem assinaturas de serviços para entrega no dia seguinte, onde você pode pagar para receber todas as suas compras no dia seguinte por um ano), até recentemente, se não tinha o dinheiro (ou cartão de crédito) você não podia fazer a compra. A Klarna mudou isso, e é mais um fator como a internet consegue manter as compras no nosso cérebro.

Matt, 24 anos, me conta uma experiência usando Klarna para comprar na ASOS quando o dia do pagamento ainda estava longe: “Acabei escolhendo o Klarna como forma de pagamento, e gostei do fato de não ter taxas ou juros, e do aspecto ‘experimente agora, pague depois’. Acho que se tivesse uma pequena taxa que fosse, eu desistiria, mas racionalizei para mim mesmo que estava comprando as roupas no mês seguinte e apenas as recebendo adiantado”.

Ele diz que consegue ver como alguém pode acabar dependente do Klarna – assim como de qualquer serviço de crédito – e diz que tentar não usar o serviço de novo foi difícil: “Tive mesmo que me impedir de comprar mais roupas um mês depois. Não sou bom com dinheiro e tive medo de usar isso cada vez mais e acabar com uma dívida enorme na Klarna, comendo meu salário todo mês. Então disse a mim mesmo que preciso de uma razão especial para usar o serviço de novo, em vez de me dar um cheque em branco”.

*O nome foi mudado.

Matéria originalmente publicada pela VICE Reino Unido.

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