Nem todas as quarentenas são iguais. Enquanto trabalhadores-chave não podem se isolar – se colocando em risco para prestar serviços essenciais – muita gente está trabalhando de casa, fazendo pão, jogando The Sims demais e raspando a cabeça compulsivamente pra passar o tempo. Aí tem o pessoal do 1%, que pode viver por regras completamente diferentes.
Sim, muitos escolheram seguir os conselhos do governo e ficar em casa – é só que a casa deles tendem a ser mansões com todo tipo de amenidade que as outras pessoas teriam que sair de casa para ter acesso. Enquanto você tem que entrar na fila do banheiro com seus quatro roommates pra tomar banho, J. Lo toma drinques na beira da sua piscina e o sadboy Drake está em casa sozinho, só com uma máquina de arremessos automática na sua quadra de basquete particular como companhia.
Videos by VICE
Enquanto isso, algumas pessoas que estavam de férias quando a pandemia começou escolheram simplesmente ficar por ali mesmo. Resorts de luxo no México, Índias Ocidentais e Bahamas estão relatando que hóspedes endinheirados estão estendendo suas estadias indefinidamente, escolhendo desembolsar mais de US$ 1 mil por noite em vez de encarar aeroportos lotados e a perspectiva de passar a quarentena em casa.
O monarca tailandês Maha Vajiralongkorn foi um passo além, supostamente alugando um resort inteiro nos Alpes Alemães, com piscina, spa e campo de golfe só pra ele e seu harém de 20 mulheres, enquanto os outros hotéis da região foram obrigados a fechar.
Claro, você não precisa de uma coroa para comprar um hotel: uma companhia de viagem, especializada em aluguel de resorts exclusivos, está vendo um aumento de pedidos de indivíduos procurando um lugar seguro para escapar quando o pico do período de isolamento acabar e eles poderem sair de casa.
“Um cliente pediu um chateau privado na França para sua festa de aniversário com os amigos mais próximos”, explicou o chefe de marketing do Rent-a-Resort, Daniel Rudolf. “Outro quer passar um tempo em uma das nossas villas perto de Malaga, que estará disponível exclusivamente para ele enquanto o mundo fala sobre como o coronavírus vai destruir a humanidade.”
No caso da villa em Malaga, o privilégio de criar sua própria bolha de realidade alternativa custa € 9 mil [R$ 51.350] por noite. A opção comparativamente mais barata – se você tem a opção, né – é seguir os passos da médica chefe da Escócia, que decidiu ignorar o conselho do seu próprio governo e migrar com a família para sua segunda casa, assim como muitos ricaços de Nova York que foram para Hamptons.
Para chegar até essas propriedades, serviços de jatinho como o PrivateFly de Hertfordshire viram a demanda crescer mais de 60% em março comparado com o mesmo mês do ano passado – mesmo que a companhia espere que isso vá diminuindo enquanto as pessoas se estabelecem em seus ninhos de quarentena favoritos.
“Arranjamos um voo de Grand Bahama para Gibraltar para dois adultos e um cachorro, com uma parada em Miami”, disse o CEO da PrivateFly Adam Twidell. “Nesse caso os clientes eram cidadãos britânicos com residência nos dois locais.”
Em vez de voar para casas alugadas, o setor mais paranoico dos ultrarricos optou por construir abrigos do fim do mundo em seus quintais, como parte do que os sobrevivencialistas chamam de Planos de “Merda No Ventilador”. Recentemente, a procura por bunkers tem sido “astronômica”, segundo Gary Lynch, gerente-geral da empresa do Texas Rising S Company. “Numa semana típica, vendemos um ou dois bunkers, mas esta semana vendemos 14”, ele explicou.
Uma das vendas mais recentes foi um abrigo de quatro quartos e dois banheiros custando US$ 400 mil, além de US$ 243 mil extras para acrescentar uma estufa de 93 metros quadrados, para os donos poderem cultivar a própria comida no caso da pandemia virar uma guerra de recursos. Outro pedido comum é por estandes de tiro subterrâneos – o que parece ultrajante, mas faz sentido pensando no tipo de pessoa que instalaria um abrigo antibomba no quintal.
Robert Vicina, fundador da Vivos Shelters, diz que a companhia está usando respostas de e-mail automáticas por causa da inundação de pedidos, incluindo “de pessoas de muito sucesso que você provavelmente conhece”. “Pessoas estão pedindo bunkers separados para todos seus brinquedos – obras de arte, coleção de vinhos, veículos de luxo”, ele diz. “Alguns estão até colocando túneis entre os abrigos para poder atravessar sob uma situação de quarentena.”
Muita gente que tem iate parece estar evitando suas mansões flutuantes, talvez porque viram vários navios de cruzeiro virarem focos de coronavírus imóveis. Mas o magnata de mídia David Geffen está entre aqueles que decidiram se aventurar em alto-mar com seu super-iate de US $590 milhões Rising Sun, com coragem líquida cortesia de sua adega particular a bordo.
“Temos alguns clientes que estão em seus barcos no Caribe no momento”, disse Raphael Sauleau, CEO da Fraser Yachts, que vende a aluga iates. “Alguns deles zarparam um tempo atrás, provavelmente pra sair na frente na situação. Os iates são como extensões das casas deles, então eles se sentem seguros nos barcos. Eles embarcam com a família e até um tutor para os filhos.”
E quando aquele desejo inevitável de autoaperfeiçoamento induzido pela quarentena bater, baixar o Duolingo ou assistir os vídeos Yoga with Adriene não é o suficiente se você tem dinheiro para construir seu próprio estúdio de ioga em casa. Por isso, segundo o serviço de concierge Quintessentially, alguns membros decidiram encomendar pianos, baterias e academias completas, logo antes do começo da quarentena.
Enquanto isso, os refugiados do coronavírus em Hamptons aumentaram o valor das ações das lojas locais, gastando até US$ 8 mil em uma tacada só em carne e garrafas de vinho com etiquetas de três dígitos. Em vez de se arriscarem saindo de casa, outros contrataram chefs particulares para entregar as refeições direto em suas portas. Hayley Bellenie, chef particular da agência Galor de Londres, conseguiu mais clientes por causa da quarentena, e agora entrega praticamente todas as refeições deles – por £ 250 [R$ 1.630] por dia, fora o preço dos ingredientes.
“Uma cliente está comemorando o aniversário de 60 anos no isolamento, e pediu um jantar de três pratos”, ela disse. “Vieiras e camarão de entrada, um bife wellington com batatas dauphinoise e feijão-verde como prato principal, e um bolo de mojito para sobremesa.”
Dinheiro não compra apenas a capacidade de se isolar em conforto supremo, mas também o conhecimento sem preço de saber se você tem o coronavírus e pode passar para parentes vulneráveis. Apesar da falta global de suprimentos, celebridades como Kris Jenner e Idris Elba – além de dois times inteiros de basquete da NBA e a filha de Michael Gove – conseguiram fazer o teste, enquanto trabalhadores de saúde na linha de frente e todo mundo fora os pacientes com os sintomas mais sérios têm que passar sem isso.
Um jeito de ter acesso a esses testes é através de companhias de concierges médicos, que oferecem serviços personalizados para quem é membro. A HealthClic de Londres, por exemplo, oferece aos membros a opção de fazer testes nasais ou de garganta depois de uma consulta por telefone. O teste custa £ 425 [R$ 2.230] além das taxas de filiação, que começam em £ 10 mil [R$ 52.500] por ano.
“A demanda para consultas tem sido muito, muito alta, e já fizemos algumas dezenas de testes”, explicou a CEO da companhia, Priyanka Chaturvedi. “Se os membros escolhem fazer o teste, mandamos um courier até eles em Londres no mesmo dia. O courier vai pegar o exame e trazer para o laboratório, e os pacientes recebem o resultado entre um e três dias.”
Apesar dos testes originalmente estarem disponíveis para o público em geral, o estoque limitado significa que, por enquanto, eles estão reservados para membros – que Chaturvedi descreveu como “aqueles no topo de sua indústria, seja cinema, música ou negócios” – além e seus parentes e funcionários. Serviços de concierges médicos nos EUA até relataram ter sido abordados por membros pedindo ajuda para conseguir ventiladores, que de outro jeito poderiam ser usados para tratar incontáveis pacientes na UTI.
Então está bem claro que a pandemia está longe de ser o “grande equalizador” que a Madonna disse que era de sua banheira cheia de pétalas de rosa. Mas olha, pelo menos temos a Camarada Britney pedindo a redistribuição de riquezas.
Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.