Tambores, chips, inteligência artificial, consciência vegetal, a eterna guerra entre a cultura open-source e a patenteada. São algumas das inúmeras coisas que movem o pensamento e as produções do produtor uruguaio Felipe Lobato, que encarna nas pistas como Pobvio. Junto com seu amigo Lechuga Zafiro, eles criaram a festa Salviatek, para tirar a cena noturna de Montevidéu do marasmo dos ritmos locais e quase nunca experimentais.
A festa, que chegou à sexta edição,em breve vai virar um selo musical para abraçar produtores que queiram mesclar gêneros locais e clássicos como reggaton e cumbia, com elementos mais globais como house, techno e outros ritmos que vêm ganhando a cena mundial como grime e o Jersey club. Todos esses elementos estão presentes na enérgica faixa “Riti Drone”, que eles lançam pelo soundcloud do THUMP.
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Já que falamos com o Lechuga Zafiro há um tempo, está na hora de conhecer a outra metade da festa que promete democratizar e entorpecer os ouvidos ávidos por música sem restrições aqui no lado Sul da América, assim como a NAAFI tem feito lá nas suas raves politizadas do México.
THUMP: Como você começou a produzir e fazer música? Sua família também está envolvida em música/artes?
Pobvio: Comecei há pouco tempo e nunca mais parei. Na minha família, apenas eu e minha irmã somos envolvidos com arte. Meu avô chegou a fazer alguns boleros e tangos, e minha mãe trabalha com artesanato, mas não se tornaram profissionais.
Já teve outros projetos ou fez partes de bandas?
Sim, como produtor estou trabalhando em várias faixas de afrobeat com Psalm 23, um amigo nigeriano que possui uma voz incrível e um grande talento. Eu também faço a parte eletrônica de um grupo chamado: O com Coma Sea Soma (um dos grandes liricistas da nossa geração). Com eles, já temos três LPs lançados e estamos trabalhando em um quarto com temas mais românticos embalados por ritmos como quizomba, por exemplo.
Que instrumentos ou softwares você usa para produzir, e que outros instrumentos musicais você sabe tocar?
Para produzir, eu uso Ableton Live. Na minha casa possuo maracas, mbiras, güiros, djembes, e vários tambores e baterias que eu sempre carrego comigo quando vou à praia por alguns dias. Também tenho um Oberheim DX (Tha Rythm Queen), com a qual sempre brincamos quando estamos muito chapados.
Como conheceu o Lechuga Zafiro, e como explica a sintonia que existe entre vocês dois?
Nós sempre fomos muito ativos na cena experimental de Montevidéu, no Uruguai, e descobrimos que estávamos seguindo a mesma direção. Desde então, decidimos levar o legado do candombe para a música tecnológica.
Como é ser produtor eletrônico no Uruguai, ainda mais de um som um pouco experimental e às vezes julgado com preconceito?
Quando o Techno foi criado nos países de primeiro mundo, você tinha que ter muito dinheiro para comprar os equipamentos. Isso não teve muito impacto aqui, porque nem existia um mercado para comprar os hardwares, você tinha que dar o seu jeito de fazer isso de outra forma e esse espírito DIY diz muito sobre a cena eletrônica de Montevidéu. Também tivemos ditaduras militares que tornou o desenvolvimento de uma cultura raver impossível. Agora, uma mistura musical muito importante está acontecendo aqui e ao redor do mundo, então acho que mais cedo ou mais tarde toda a música será um pouco experimental. Um exemplo disso, são as novas e intrigantes produções do dembow dominicano e o baile funk no Brasil.
Leia: Uma entrevista com o Imaabs
Como foi o processo de produção dessa faixa nova, Riti Drone? Quais foram as ideias colocadas nessa faixa?
“Riti Drone” é a primeira faixa que fazemos com o conceito Salviatek (máquina de produzir festas e futuro selo musical). Queríamos transmitir uma sensação de suspense e energia acumulada devido a atual paranoia da vigilância e da supremacia das forças armadas. Riti é uma criatura onírica, e o drone é a intenção humana de imitar essa criatura com uma tecnologia holográfica para seu uso pessoal, independente do significado espiritual do ser original.
No momento, você está produzindo outras músicas ou trabalhando em outros projetos?
Estamos trabalhando em alguns EPs que, creio, colocarão o selo Salviatek no mapa. O meu se chamará “Syndombe Club”, porque as produções foram inspiradas e concebidas quase que exclusivamente para a pista como ferramentas para DJS, ou momentos mais introspectivos que representam essa parte do mundo e sua energia e ritmos únicos. Sairá pela Salviatek em julho de 2015 com remixes do Lechuga Zafiro e do Imaabs. Em que outros lugares/cidades já tocou além de Montevidéu?
Até agora, já estive em Assunção, no Paraguai e Buenos Aires, na Argentina. Amei os dois lugares, a paisagem Guarani é algo que deve ser visto com os próprios olhos. Eu sou particularmente interessado pelo tipo de cena que festas como a Hiedrah está criando em Buenos Aires. Agora além de conhecer o Brasil, gostaria muito de ir conhecer as pessoas por trás da NAAFI no México.
Como você definiria o som que você toca/produz, dentro ou fora da Salviatek?
Eu chamo de Syndombe, um misto de techno e candombe recheado de percussão e bass, com melodias transmitindo desde melancolia até adrenalina e euforia. Candombe é um ritmo autônomo aqui em Montevidéu trazido pelos africanos. Ele possui três tambores únicos e cada um cria um ritmo diferente que, quando combinados, criam essa cadência violenta e ao mesmo tempo sensual. Como sou a primeira geração da minha família que cresceu inteiramente numa atmosfera urbana no fim do século 20, a exposição do candombe e da tecnologia me fez criar esse candombe sintetizado.
O que acha da situação da cena eletrônica em Montevidéu? Que outras festas ou eventos você costuma frequentar?
Muita coisa tem acontecido por aqui, muita coisa nova. Por muito tempo a cena eletrônica foi algo exclusivo do underground, mas lentamente tem ganhado espaço na noite local, e também na cena global, com a exposição de festas como a Phonoteque. Novas oportunidades estão surgindo, e eu espero que isso abra as mentes das pessoas para novos sons e novas formas de criação. Estou bem animado.
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