Sou canadense, mas se tem uma coisa que sei sobre os americanos é que eles adoram comprar produtos fabricados por estrangeiros pobres que trabalham em condições precárias durante jornadas exaustivas. Quase nenhuma roupa vendida nos Estados Unidos é feita lá; todo mundo sabe e ninguém vê muito problema nisso, a não ser uma galera esquisita que ou se veste muito bem ou, o que é mais provável, como uma mancha de cocô. Mas e se um dia essa indústria têxtil entrasse em colapso e todos os explorados que os Estados Unidos empregam por lá não pudessem mais fornecer um sem-número de roupas baratas? O que eles teriam que usar?
Para ilustrar essa situação, eu me comprometi a confeccionar meu próprio guarda-roupa e a usar um visual diferente em cada dia da semana. Assim como a maioria dos americanos, não sei quase nada sobre corte e costura, então o processo foi absurdamente maçante e levei aproximadamente 5.000 vezes mais tempo para terminá-lo do que qualquer trabalhador escravo levaria (é por isso que o sistema existe, deer). Eu até tentei fazer roupas decentes para não passar vergonha. Mas se uma das irmãs Olsen pode andar por aí vestida com um saco de lixo peludo, por que eu haveria de me preocupar? Então fui com tudo e tenho a satisfação de apresentar a vocês uma avaliação aproximada de quão mal os americanos e outros ocidentais mimados vão se vestir num futuro sem fábricas exploradoras em que seremos forçados a improvisar nossas próprias roupas.
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SEGUNDA-FEIRA: VESTIDO DE CORTINA
Achei que seria importante utilizar o máximo possível de tecido reciclável nesse experimento, então resolvi usar a cortina que estava pendurada no banheiro da casa dos meus pais há anos para fazer meu primeiro modelo. Isso explica por que o interior do vestido tinha um mofo felpudo, que fingi para mim mesma ser um forro de pele. Foi necessário muito corte e costura (o que, repito, não é o meu forte), mas eu diria que o produto final foi um sucesso, principalmente se você curte o look maternidade depressiva de loja de departamentos. Falando em maternidade depressiva, minha mãe me chamou para jantar na noite em que terminei meu vestido e, quando cheguei, ela insistiu para que eu trocasse de roupa. Eu disse que não tinha como porque era “meu trabalho, mãe”. Uma amiga dela jantou com a gente e falou que meu modelito de cortina a fazia lembrar de sua gravidez. Já minha mãe disse que parecia que eu tinha encontrado meu vestido no Exército da Salvação e que estava com vergonha de estar sentada na mesma mesa que eu.
TERÇA-FEIRA: SAIA ANIMAL
Sei que muita gente acha cafona usar roupas com imagens realistas de animais, mas que se dane. Para mim, usar roupas temáticas de animais é a mesma coisa que usar uma camiseta de banda, porque sou uma grande fã dos animais — quero estar perto deles, quero eles em cima de mim, dentro de mim, o tempo todo, para sempre.
Essa fronha com a gravura de uma coruja também foi garimpada na casa dos meus pais — ela tinha sido banida para o fundo de um armário. Minha avó se vangloriava de tê-la comprado antes de existir Walmart na cidade, o que parece apropriado para essa matéria.
A combinação da gola rulê com a saia de coruja deu muito certo e me deixou mais superconfiante. Usei essa roupa para ir a um asilo, onde me senti sensual ao extremo (se você nunca se sentiu gostosa perto de um monte de idosos, não sabe o que está perdendo).
QUARTA-FEIRA: PIJAMA ACIDENTAL
Quando as pessoas usam pijama na rua, parece que elas estão dizendo: “Eu preferia estar dormindo em vez de estar fazendo isso que estou fazendo”. Esse impulso de desligar o cérebro, para mim, evoca suicídio. Essa foi minha maneira comprida de te explicar que fazer um pijama não era minha intenção. Quando “desenhei” esse look, eu estava tentando fazer uma roupa prática, confortável e com estampa xadrez. Usei lençóis de cama e um pedaço de elástico para fazer a calça e transformei um robe velho em camiseta. Pensando bem, era inevitável que isso virasse um pijama. Será que eu tenho um desejo enrustido de usar pijama em público? Fiquei analisando se tinha algo de errado comigo até que me liguei que tinha ido ao shopping vestida assim.
PS: Todo bom estilista sabe como um bom acessório é importante, então também usei essa bolsa clutch, também conhecida como saco de papel. Parece que acabei de criar o estilo “doente mental chic”. E agora? Será que vou ficar famosa? Espero que sim.
QUINTA-FEIRA: PEÇA ÚNICA FLORAL
Peças únicas são ótimas porque às vezes me sinto uma idiota por perder tempo combinando roupas, principalmente quando me dou conta de que poderia estar pensando em coisas como astrofísica ou todos os genocídios que estão acontecendo no segundo exato em que avalio acessórios. Então essa peça única foi a roupa que fiquei mais empolgada para criar. Usei meu tecido preferido — um lençol dos anos 1980 que usei durante muitos anos — e tirei medidas exatas, que acabaram não sendo tão exatas assim, porque, como você já sabe, eu não sabia porra nenhuma sobre modelagem. O resultado final foi um pedaço de tecido mambembe, ligeiramente transparente e com uma variação de capô de fusca. Poderia ser o traje de uma vadia maltrapilha de uma história criada por um fã de Charles Dickens.
Eu não conseguia me mexer muito bem sem abrir as costuras e a certa altura parecia que eu estava perdendo a circulação nas coxas. Fui ao mercado usando essa coisa e fiquei me sentindo o tempo todo como se estivesse pelada. Foi uma situação bem desagradável, já que o mercado é o local onde costumo flertar com pais gatos. Eu estava me sentindo muito vulnerável para fazer isso. De alguma forma acabei abrindo demais as pernas e rasguei a calça na virilha. Fiz tudo isso por você, América!
SEXTA-FEIRA: SAIA CIRCULAR DE TOALHA DE MESA
Fiz essa saia totalmente demais com uma das toalhas de mesa da minha tia e combinei com uma camiseta de brechó porque foda-se, costurar é um saco e eu não queria mais fazer isso. Tem uma mancha de molho barbecue nela que parece um pouco com sangue de menstruação, mas acho que isso deu um toque especial no visual, que ficou menos delicado e feminino.
Sexta-feira é um ótimo dia para ousar no visual — por ser um dia mais liberal, é capaz de você até ganhar um elogio. Eu sei que estava parecendo uma Harajuku Girl barata, mas ao lado de mulheres normais no bar, eu parecia segura demais para participar de suas competições primitivas de atratividade, o que era exatamente a minha intenção. Minha recompensa? Conversas ótimas, muita risada e gorfo no banheiro.
SÁBADO: MINIBLUSA “I LOVE YOU”
Achei esse tecido com a estampa “I love you” dando sopa na casa de uma amiga. Como a essa altura eu já estava ultrapreguiçosa com a coisa do corte e costura, fiz um quadrado para o meu corpo e só dei os pontos necessários para evitar que ele caísse. Saí de casa sem arrematar a costura, com fios pendurados por todo lado, o que na verdade foi bom porque o visual ragamuffin está super “in” no momento.
Fui tomar uma cerveja vespertina com uma amiga e a garçonete chegou com uma tesoura se oferecendo para arrumar minha roupa. Ela cortou os fios enquanto falava sobre suas pretensões em relação ao mundo da moda. Um raio de sol adentrou minha alma. Será que era assim que os trabalhadores escravos das fábricas têxteis se sentiam nos dias de folga? Ah, eles não têm folga. Provavelmente era só a sensação de estar bêbada no meio da tarde.
Em seguida, fui numa sex shop comprar vibradores para as minhas amigas porque estava me sentindo muito generosa e superfeliz. Talvez a mensagem na minha blusa estivesse tendo algum efeito sobre mim. Ou talvez devêssemos usar coisas que consideramos psicóticas com mais frequência para mudarmos nossos padrões de comportamento chatos. Ou talvez eu esteja cheia de mágoa e rancor, sei lá.
DOMINGO: TOGA PARA O LAR
A essa altura eu já estava tão de saco cheio dessa merda de corte e costura que literalmente enrolei um tecido no corpo e amarrei como se fosse uma toga. Curiosamente, esse foi o dia que me senti mais na moda em toda a semana. Preciso admitir, tem uma coisa muito decadente e edificante no ato de envolver o corpo em camadas de pano.
Fiquei o domingo todo largada no sofá de casa. Se eu estivesse de calça de moletom, essa “atividade” pareceria repulsiva e solitária, mas com um belo tecido estampado e colorido, me senti como uma rainha. Um amigo veio em casa e disse que eu estava parecendo a Beyoncé, o que — preciso destacar — nunca tinha acontecido. Talvez todo mundo devesse andar por aí usando tecidos soltos e esvoaçantes.
Provavelmente seríamos mais relaxados, faríamos orgias imensas, daríamos uva na boca um do outro e beberíamos em cálices, isto é, viveríamos no paraíso. Além do mais, ir ao banheiro de toga é superprático.
Eu ficaria perfeitamente contente me enrolando em lençóis o dia todo, todo dia, mas não dá, a não ser que todo mundo também fizesse isso — as pessoas achariam que eu preciso de cuidados médicos. Mais um exemplo de como se adequar à sociedade pode comprometer seu sistema de valores. Acho que quando dizem “escrava da moda”, se referem a uma mulher trabalhando numa fábrica no sudeste da Ásia. Ah, América, que grande enigma você é.