Por Que a Filantropia no Brasil Ainda É Tão Fraca?

Crédito: Plan International/ Divulgação

Recentemente, a ONU anunciou 17 metas globais para os próximos 15 anos. A meta pro Brasil é a Redução das Desigualdades. Inspirados por isso, pensamos numa série de matérias pra VICE, Noisey, Thump e Motherboard. Clique no link acima pra sacar todas.

O brasileiro gosta de doar seu tempo, e não seu dinheiro. É o que alguns representantes do terceiro setor dizem, assim como o maior ranking sobre solidariedade do mundo, o World Giving Index. Na lista de doações, figuramos no 90º lugar. Quando o assunto é voluntariado, estamos um pouco melhor, ou seja, no 78º lugar, de acordo com os números divulgados em 2014.

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São diversos fatores que levam o Brasil a doar menos do que o país medalha de ouro no ranking, os EUA. Além da disparidade de poder aquisitivo populacional, a cultura de doações não é algo corriqueiro para nós.

Uma pequena e simplória amostra disso é digitar “dar esmola” no Google. Além de uma letra do Zeca Baleiro, você irá encontrar grandes dúvidas existenciais. A maioria das reportagens que surgem depois da pesquisa justifica que dar esmolas não é correto – já que é algo paliativo e, de fato, não sana deficiência alguma. Ainda assim, parece estranho as pessoas terem de consultar a internet antes de oferecer alguns trocados a alguém – o que não passa de uma pequena faísca de solidariedade.

Um elemento que muito interessa aos doadores é a falta de incentivos fiscais para que mais doações sejam feitas. Nos EUA, é possível ter abatimento no imposto de renda de até 50%. Aqui, há o limite de 6%. Porém, para obter a dedução no Brasil, as doações devem ser efetuadas a entidades e fundos controlados pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Uma doação pura e simples a uma entidade que não cumpra com essas características não pode ser dedutível do imposto.

Além dos obstáculos fiscais, André Degenszajn, secretário-geral do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), organização que tem como associados os principais doadores do país, cita a desconfiança da população em relação ao trabalho das ONGs (organizações não governamentais) responsáveis por arrecadar fundos e colocar em prática soluções voltadas ao combate da desigualdade. “[As pessoas] têm uma visão de baixa confiança no trabalho das ONGs. Muitas vezes, veem como algo negativo, ‘pilantropia’, ou [dizem que] ‘ONG é tudo ladrão’”, falou o representante à VICE.

Crédito: United Way Brasil/ Divulgação

O Brasil fechou o ano de 2014 com 161 mil milionários, de acordo com o estudo World Weath Report. Neste ano, a Forbes publicou sua tradicional lista de ricaços, que apontou 65 bilionários made in Brazil.

Representante da United Way no país, maior empresa filantrópica do mundo, Vanessa Kneip destaca que, em 2014, a instituição arrecadou R$ 2,2 milhões por aqui. Comparado ao restante do globo, que mobilizou US$ 5,3 bilhões, é pouco. “No Brasil, não possuímos a cultura da doação e também não temos incentivos fiscais que auxiliem o crescimento dessa prática”, justifica a responsável pelo relacionamento com investidores. “Os brasileiros gostam de doar tempo, porém é preciso também arrecadar recursos para viabilizar a melhoria da vida das pessoas.” Vanessa explica que tudo tem um custo, mesmo quando o tópico são os voluntários. “É preciso pensar no custo da atividade, como transporte, alimentação, engajamento das pessoas, negociação para promover a atividade. São muitos fatores envolvidos.”

O fato de não haver imposto sobre doação, como assegura a Constituição Federal, é um facilitador para o brasileiro. Isso acontece desde que a organização que irá receber o recurso não tenha “fins lucrativos” e seja “devidamente regularizada”, informa o advogado Adriano Pinheiro. Para ele, o fator cultural é um agravante. “Nós, brasileiros, não temos a cultura de doar como se doa em outros países. As pessoas, em geral, restringem doação a entrega de esmola a pedintes.”

Para o gerente de mobilização de recursos na América Latina da ONG Plan International, Dario Dervars, “o Brasil tem um potencial enorme”. Existente há 75 anos e atuando em 70 países, a instituição sobrevive graças ao “child sponsorship”, em que doadores “apadrinham” uma criança e depositam na conta da fundação uma quantia mensal, semestral ou anual. “Esse mecanismo de financiamento representa mais ou menos 60% do orçamento anual da organização no Brasil e no mundo”, diz o representante.

Crédito: Plan International/ Divulgação

HERANÇAS

Há alguns anos, os norte-americanos Bill Gates (cuja fortuna está avaliada em US$ 80 bilhões) e o magnata Warren Buffet (US$ 67 bilhões) iniciaram o projeto Giving Pledge, convencendo outros bilionários a doar a maior parte de suas fortunas para causas filantrópicas. O site traz uma foto dos doadores juntamente com uma carta de comprometimento.

Uma diferença gritante entre EUA e Brasil mora nos impostos sobre herança. Quando um norte-americano ricaço morre e deixa sua fortuna para os filhos, é necessário pagar 50% de imposto para o governo. Entretanto, quando parte desse dinheiro é destinada a uma instituição filantrópica, não há taxação alguma. Já no Brasil, o ITCDM (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) faz com que o dinheiro de doação, ainda que destinado a causas filantrópicas, seja alvo do tributo, que gira em torno de 4%. “Como imposto de herança, ele é muito baixo. Como obstáculo pra doação, ele é muito alto”, destaca André, do GIFE. “A questão da tributação de herança poderia ser o maior fator de estímulo ao crescimento do setor filantrópico no Brasil.”

O representante cita outros elementos que poderiam contribuir para o crescimento da filantropia no país, como “mexer na regulação do ITCMD e criar um incentivo pras doações de pessoa física diretamente para as organizações”. Ampliar os padrões de transparência para que as fundações melhorem a forma de comunicar o que elas fazem também entra na lista de André.

Otimista, Dairo, da Plan International, concorda que estreitar os laços com a sociedade é essencial para enrijecer o trabalho desenvolvido pelo terceiro setor. “O grande desafio é fortalecer essa nova cultura de doações”, reiterou.

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