Solidão, Amizade e Ménage

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Solidão, Amizade e Ménage

A fotógrafa Isadora Kosofsky resolveu acompanhar um triângulo amoroso entre três idosos morando em diferentes casas de repouso em Los Angeles. Assim nasceu o projeto 'The Three'.

Isadora Kosofsky fotografa desde que tinha 14 anos. A fotógrafa documental, agora com 21, pegou uma câmera pela primeira vez durante uma aula de revelação fotográfica na oitava série. Desde então, ela tem dedicado grande parte de seu tempo a projetos fotojornalísticos de longo prazo na sua cidade natal, Los Angeles, e nos arredores. Kosofsky, na maioria das vezes, se incorpora a ambientes institucionais: seu projeto mais recente, Vinny and David, acompanhou dois irmãos através do encarceramento de Vinny num centro de detenção juvenil, onde ele ficou preso por esfaquear um homem que estava atacando sua mãe.

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Outra instituição mostrada no trabalho de Kosofsky é uma casa de repouso. Muito de seu trabalho toma pessoas bem mais velhas como tema, como, por exemplo, seu ensaio fotográfico mais famoso: The Three. Nele, a fotógrafa resolveu acompanhar um triângulo amoroso entre três idosos morando em diferentes casas de repouso em Los Angeles. Assim, nos encontramos com a introspectiva artista e estudante de questões de gênero da UCLA para falar sobre como é viver com seus temas, se ligar a idosos e a solidão contemporânea.

VICE: Como você se envolveu com fotografia?
Isadora Kosofsky: Fiz uma aula básica de revelação fotográfica em preto e branco na oitava série. Foi a única aula de fotografia que fiz. Consegui uma câmera através desse curso, que durou cerca de três meses. Perdi minha avó um pouco depois de o curso terminar. Já queria ser jornalista antes disso e, quando descobri a fotografia, senti uma profunda conexão: senti que podia me expressar mais prontamente através de fotos do que de palavras. Depois que minha avó morreu, me senti muito sozinha e queria fotografar pessoas que me lembrassem dela. Eu também queria contar histórias com a minha câmera; então, pedi uma câmera digital para minha família e comecei a abordar idosos em espaços públicos, além de casas de repouso.

É difícil conseguir acesso a essas instituições?
Sim. É um desafio conseguir acesso em qualquer ambiente institucional, seja uma instalação de saúde ou, mais recentemente, o cenário correcional. As pessoas que trabalham nesses lugares são naturalmente desconfiadas. Mas sempre tive uma abordagem de longo prazo. Não consigo chegar num ambiente particular – na vida de alguém –, tirar fotos e ir embora com todas essas memórias. Todos os meus projetos são baseados em relações de longo prazo com meus temas. Acho que, quando você está trabalhando num ambiente como um hospital ou um asilo, você começa a revelar seu apego ao tema, e as pessoas que trabalham lá, por sua vez, percebem que seu propósito tem importância, tem significado, e que você está dedicando muito tempo e esforço ao seu tema. Acredito que a fotografia pode ser usada para promover a autoestima de alguém através de exposição contínua do ser fotografado.

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Você pode explicar isso melhor?
Comecei a fotografar uma mulher, Bianca, quando a conheci num café aos 14 anos. Logo depois, ela desenvolveu demência e se desconectou da família. A filha não queria ter uma relação com ela; então, ela foi colocada sob cuidado do Estado. Ela ficou num hospital por um tempo; depois, numa casa de repouso; e, finalmente, mandada para um asilo. Eu a fotografo desde que era adolescente. Ainda estou trabalhando nesse projeto… acho que ainda não está desenvolvido o suficiente para colocar online. Somos muito próximas, e ela é certamente um exemplo em que a nossa relação – as horas, meses e anos que passamos juntas –, e também o próprio processo criativo em si, aplacou nossa solidão. Também tenho visto uma mudança em meus temas em termos de uma maior confiança e valor como resultado de ter suas histórias contadas de uma maneira humanista.

O que você acha inspirador nesses espaços institucionais e nas pessoas que trabalham neles?
Acho que me sinto pessoalmente atraída por espaços de clausura. Não necessariamente espaços de aprisionamento no sentido legal – mas espaços que confinam, onde o confinamento físico se torna confinamento emocional para uma pessoa. É mais um desejo de não focar necessariamente em algo sistemático, mas na qualidade humanista dessas instituições. Quando estive no sistema correcional, não estava interessada no sistema em si – mas nas pessoas contando histórias íntimas e pessoais dentro dele. Quero encontrar intimidade nesses ambientes. Há também uma sensação de segurança, talvez, em fotografar espaços fechados. É certamente um conforto: há uma certa estabilidade nisso que talvez eu desejasse como jovem e como fotógrafa.

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No projeto no centro de detenção juvenil, você tinha quase a mesma idade de alguns de seus temas. Foi difícil estabelecer uma conexão com eles?
Ironicamente, acho mais difícil criar um relacionamento com pessoas da minha idade. Quando eu estava fotografando pessoas mais velhas, não era um desafio criar um laço com elas, porque acho que não as via como mais velhas do que eu, necessariamente. Particularmente com Jeanie, Will e Adina, do triângulo amoroso entre idosos: nunca planejei que esse projeto fosse sobre idosos. Eu os estava fotografando, porque me senti muito atraída pela relação deles e seus conflitos emocionais. Eu me identificava tão profundamente com as interações deles e suas lutas naquele relacionamento – particularmente com Jeanie – que não pensei em diferença de idade.

Sobre o projeto do triângulo amoroso entre idosos, como você os encontrou?Eu estava fotografando uma mulher na casa de repouso de Jeanie na época. Uma noite, quando estava indo embora, cheguei ao estacionamento e notei Adina, Will e Jeanie de mãos dadas. Will e Adina estavam se despedindo de Jeanie. Fiquei vendo-a fazer o caminho até seu quarto e imediatamente senti essa conexão, a perda que ela sentia naquele momento. O sentimento de ser a primeira a ser deixada para trás, a primeira a se despedir naquele dia em particular. Fiquei vendo Adina e Will seguirem em outra direção.

Eu os observei por algumas semanas antes de realmente abordá-los e também falei com pessoas das comunidades onde eles viviam, porque eles eram muito próximos. Perguntei aos funcionários sobre eles também, já que as casas de repouso em LA são um círculo bastante pequeno. Fui até essas casas e falei com os funcionários de forma casual – particularmente no estabelecimento de Jeanie, onde eu estava trabalhando. Pedi que os funcionários me contassem um pouco sobre eles e fiquei curiosa em como eles eram percebidos pelos outros nas casas de repouso. Queria saber se as pessoas os julgavam. Eu sabia, mesmo antes de falar com as pessoas, eu podia sentir algum tipo de laço romântico entre os três. Os funcionários chamavam o relacionamento deles de "O Ménage", mas alguns homens do estabelecimento zombavam disso, dizendo que era errado um homem ter duas mulheres. Então, depois de algumas semanas observando suas idas e vindas, e os vendo no café da esquina, abordei Jeanie em uma manhã enquanto ela esperava por Will e Adina. Eu me apresentei e disse: "Estou fascinada por você e quero te conhecer melhor, passar mais tempo com você e seus amigos".

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Eles estavam abertos a esse envolvimento?
Ela concordou, e inicialmente nem peguei minha câmera. O tempo passou e finalmente comecei a fotografá-los, deixando claro que era uma fotógrafa documental que queria contar a história deles, mas eles não pareciam muito interessados nisso. Na verdade, eles eram o grupo menos interessado que já fotografei em termos de fotos sendo produzidas. Eles gostavam de me ter por perto e começaram a esquecer que eu estava lá, o que é ideal para um fotógrafo. Passei tanto tempo com eles que comecei a sentir que estávamos numa aventura, sem saber exatamente aonde estávamos indo. Era um desejo de união. Um desejo não necessariamente de continuar jovem, mas de resistir ao isolamento e à solidão que vêm com o processo de envelhecimento para tantas pessoas.

Por quanto tempo você os acompanhou?
Cerca de dois anos.

Qual o relacionamento entre eles hoje em dia?
Hoje, eles não estão mais envolvidos uns com os outros. Estou tentando continuar o projeto, mas eles não estão mais envolvidos. Eles não têm comunicação, porque as famílias de Adina e Jeanie não queriam mais o relacionamento. As famílias impuseram uma decisão, e o relacionamento acabou.

As famílias ficaram sabendo do relacionamento por causa do seu projeto?
Não, elas já sabiam meses antes.

Como Jeanie, Will e Adina se sentiram com a separação?
Tenho contato com eles e tive contatos particularmente frequentes com Will por um tempo, mas, conforme eles envelhecem, suas memórias vão se deteriorando mais e mais. As vidas deles não são mais tão ativas quanto costumavam ser. Não discuti isso com eles explicitamente ainda, mas posso dizer que elas estavam mais preocupadas em perder o Will do que perder uma a outra. A amizade delas não era algo que elas estivessem preocupadas em perder.

Como é ficar tão íntima das pessoas que você está fotografando, acabar o projeto e ter de deixá-las?
Não considero nenhum dos meus projetos necessariamente acabados, mas o processo de se tornar essencialmente amiga dos meus temas é realmente a única maneira como consigo fotografar. Não posso, responsavelmente, contar a história de alguém a menos que me sinta incorporada à vida dele. Notei que passei – pelo menos desde que tinha 14 anos – muito mais tempo com meus temas do que com meus amigos e minha família. É um processo muito emocional. Escolho pessoas e histórias que, de algum jeito, refletem algo que passei ou com que me identifico. Pessoalmente, me preocupo muito mais com o relacionamento com meus temas do que com as fotografias que resultam desse relacionamento.

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Tradução: Marina Schnoor