Este artigo foi publicado originalmente na VICE US.
Os Duffer Brothers sempre foram mestres do déjà vu, constantemente a reenquadrarem o familiar dentro do novo. A primeira temporada de Stranger Things foi uma fascinante fusão dos cânones dos dois Steves (King e Spielberg) que, de alguma forma, a dupla conseguiu fazer sem nunca tropeçar na simples paródia pastiche. Era uma colagem pós-moderna de influências e referências, construída a partir das mesmas peças de reposição que J.J. Abrams usou para tornar o seu próprio Super 8 mais a la Spielberg. Mas, Stranger Things conseguiu atingir aquilo em que Super 8 falhou: tornar-se mais do que a soma das suas partes gastas, graças a uma suprema binge-ability e ao seu elenco de actores desconhecidos, mas talentosos. E também, porque era tão encantadoramente sangrenta.
Videos by VICE
E agora, três anos depois de Stranger Things entrar na Netflix pela primeira vez, em 2016, os Duffers estão de volta com uma muito melhorada terceira temporada. Claro que estes oito novos episódios cheios de acção são a típica nostalgia dos anos 1980, mas o sucesso de Stranger Things 3 não é que os Duffers se tenham expandido de Stephen King para John Carpenter ou algo do género; a questão é que eles, por fim, começaram a ir buscar coisas a eles próprios. Finalmente, parece que os Duffers descobriram o que Stranger Things é e o que quer vir a ser – e a série está ainda melhor por causa disso.
Vê: “O que é aquele “S” que toda a gente desenhava na escola?“
Stranger Things 3 agarra na nostalgia campy e sci-fi que funcionou na primeira temporada, destrói tudo o que a arrastou para o lodo na segunda (ou seja, não há mais viagens terríveis a Pittsburgh) e dá um brilhante tratamento a todo o pacote que o transforma num verdadeiro blockbuster de Verão com o tamanho de uma temporada. A acção é maior, as explosões são mais ruidosas e o horror é realmente e legitimamente assustador (e anda toda a gente especialmente excitada, mas já lá vamos).
A terceira temporada passa-se no Verão de 1985, meio ano depois dos eventos da segunda temporada. Back to the Future está nos cinemas. A New Coke está a fazer furor na América. As crianças estão de férias (Dustin está num acampamento de Verão), os adolescentes estão a trabalhar em empregos sazonais (Nancy e Jonathan no jornal local, Steve a servir gelados vestido com uma farda de marinheiro) e Joyce e os adultos da cidade estão a tentar lidar com a decadência do centro da cidade, devido ao novo e resplandecente centro comercial, o Starcourt Mall.
Claro, isto é Stranger Things, por isso o propósito nefasto do centro comercial estende-se mais além da aniquilação dos negócios locais. Também esconde um laboratório subterrâneo, onde uma horda de cientistas russos está a usar uma arma gigante de raios laser para tentat voltar a entrar no Upside Down. Porquê, perguntas tu, é que estes soviéticos refundidos estão a tentar libertar o Mind Flayer? E como é que eles podem fazê-lo num enorme bunker no Indiana sem que ninguém perceba? Essas são perguntas que as temporadas anteriores de Stranger Things poderiam ter tentado explicar, mas a terceira temporada está suficientemente confiante consigo própria para perceber que as respostas são irrelevantes. Os russos são maus, o Mind Flayer é pior e toda a operação secreta passou despercebida graças ao Presidente da Câmara corrupto que fechou os olhos. Percebes? Boa.
Pode não fazer muito sentido lógico, mas o que é que isso importa? Os episódios movem-se a um ritmo tão rápido que não há tempo para ter em conta as intrincâncias subjacentes ao porquê e ao como exactamente é que um governo estrangeiro poderia escavar centenas de metros abaixo de um shopping suburbano dos Estados Unidos, mesmo debaixo do nariz de um bando de funcionários municipais. Mas, isso não importa! O que importa é que o Mind Flayer está de volta e descobriu uma maneira de construir um corpo no Mundo Rightside-Up com entranhas de ratos que faz explodir (sim, há muitos ratos a explodir. Muitos, muitos ratos a explodir).
A Netflix, aparentemente, despejou uma tonelada de dinheiro nesta nova temporada e os Duffers gastaram um monte dele a encher a série de coisas assustadoras. Isto já não é como a primeira temporada, em que as coisas mais assustadoras envolviam uma pessoa vestida com algum tipo de fato demoníaco de flores. Esta é uma nova, mais madura, Stranger Things.
E por falar em mais madura: talvez seja do calor, talvez seja a liberdade do Verão, talvez seja a necessidade de alguma fuga carnal depois de alguns maus anos em Hawkins, mas toda a gente em Stranger Things 3 está extremamente pronta para se enrolar. A mãe-boazona-cliché, Karen Wheeler, passa o tempo a namoriscar com o bad boy Billy na piscina, enquanto ele desfila tipo Phoebe Cates mas com mullet; o romance de longa duração entre Joyce e o xerife Hopper é finalmente, mais ou menos, consumado; Nancy e Jonathan estão constantemente a saltar ou para dentro ou para fora da cama um do outro e Steve Harrington tem um fraquinho pela sua colega de trabalho, Robin – interpretada pela nova estrela da terceira temporada, Maya Hawke, que arrasa todas as cenas em que entra.
Mas o verdadeiro coração da temporada não é a vida sexual da população excitada de Hawkins, mas sim a vida amorosa dos pré-adolescentes. Com o início da temporada, Mike e Lucas estão a aprender a navegar os seus constrangedores romances com Eleven e Max, respectivamente e Dustin, supostamente, arranjou uma namorada mórmon no acampamento de Verão, embora tenha dificuldade em fornecer provas de que ela realmente exista. Esses subenredos sobre o amor jovem temperam o grotesco bombástico da nova temporada, porque os Duffers parecem ter aprendido que Stranger Things funciona melhor nas partes calmas – nos momentos baixos entre Mike e Eleven, ou Steve e Dustin, ou o personagem Brett Gelman e um refém russo aleatório, nas cenas em que a série pára para respirar e nós conseguimos viver lado a lado com os personagens, por um minuto que seja. E Stranger Things 3 equilibra a acção e as emoções de forma perfeita.
O final da temporada acontece, sem surpresa, dentro do Starcourt Mall e é a melhor batalha final da série até hoje, apesar de ter mais salvamentos à última hora, ao estilo deus ex machina, do que uma peça de Sófocles. Todavia, é o equilíbrio da nova temporada entre cenários cheios de acção e relacionamentos interpessoais profundos que levam a série a uma conclusão surpreendentemente satisfatória.
Stranger Things é, obviamente, uma série pilar da Netflix e a plataforma de streaming vai continuar a gerar temporadas ou spinoffs até Finn Wolfhard decidir deixar de ser actor e dedicar vida a fazer digressões com Mac Demarco ou algo assim. Mas, Stranger Things 3 deixa as coisas numa bem-vinda toada de resolução. E, se os Duffers decidirem que a série acaba aqui, a trilogia termina na perfeição – com todos os subenredos de Pittsburgh à parte.
Segue a VICE Portugal no Facebook, no Twitter e no Instagram.
Vê mais vídeos, documentários e reportagens em VICE VÍDEO.