Ufa, finalmente uma passeata em São Paulo não acabou com farta distribuição de bombas e golpes de cassetete – aquela cortesia da polícia local que todos que colam nesses rolês já se acostumaram a esperar. Um típico souvenir de SP, não dos que se compra em shopping center. Bem, lógico que entra a equação “quanto + classe mérdia no rolê, menos porrada”, mas a real é que temos agradecer o PODER CONSTITUÍDO. Sério mesmo. Não fosse a cagada da semana anterior (descerem a bota na turminha animada da Marcha da Maconha com a truculência costumeira) e a sentada em cima aos 45 do segundo tempo (a proibição da batizada Marcha da Liberdade), o barato não teria sido tão louco. É, o processo foi lento.
Daí que regurgitar o mote “poder das redes sociais”, nesse caso, é, no mínimo, deslumbre. Claro, teve uma articulação pela internet, a rede mundial de computadores e hashtags, mas menos do que os ‘cabeças’ [apud TLs alheias] gostariam de poder capitalizar em cima – e eles querem, a gente sabe. Primeiro porque o próprio Twitter censurou a hashtag #marchadaliberdade enquanto #ipad2 bombava nos trends. E segundo que a notícia da proibição da Marcha saiu no fim da sexta-feira nos grandes portais da grande mídia presentes na rede mundial de computadores, a internet, e não em nenhum blog escrito em esperanto e encriptado em código morse. De novo, os lindos da história foram os desembargadores e suas já rotineiras proibições logo antes do squash de sexta-feira, e os que lá colaram justamente por isso.
Videos by VICE
A turba mais heterogênea se aninhou ali, lentamente, no vão do Masp. Os grandes portais da internet, a rede mundial de computadores, estão replicando os números da polícia — quatro mil participantes –, e tem entusiastas chutando 10 mil (RISOS). Seja como for, gente pra caralho foi às ruas. Além de encontrar mais amigos do que em show barato de banda gringa no Sesc, predominava o desfile de gatinhos e gatinhas de 20 e poucos anos, além dos ativistas de sempre.
Tinha anarcopunks lindos e punks xixi fétidos; moleque vestido de Axl Rose; partidos que nunca conseguiram dois mil votos, mas são onipresentes nas manifestações; menos de meia dúzia de S.H.A.R.Ps e straight-edges; uma porrada de malucos-beleza; uma baita galera cicloativista; fefelechers; skatistas pacas; pixadores disfarçados; gente que ia tomar uma assistindo ao jogo do Barcelona, mas acabou por ali pra fotografar (e deu que estampou a home de um grande portal da rede mundial, aquela lá); jornalista pra caralho; gente de mais de 30 participando de manifestações pela primeira ou segunda vez; militantes de milianos; militantes pela maconha; militantes por porra nenhuma.
Tinha gente distribuindo flores e a ubíqua bateria horrível de passeatas – é o Brasil, berço de inúmeros ritmos transudos, mas não adianta: essas batucadas disléxicas de manifestação são um troço global, tipo rock nacional horrendo, procura aí no YouTube. É um troço crust mesmo, fez barulho, tá valendo. Dessa vez teve duas equipes, uma inclassificável e uma de maracatu (melhorzinha). Fora os mascarados à la V de Vingança — por mais que ele odeie a adaptação cinematográfica de V de Vingança, o Alan Moore criou um belo monstro – “John May Lives 5th Column” era um dos cartazes mais engraçados. Serião, tinha até uns sapatênis, até direitoso anti-imposto e cara-pintada, gente fazendo coraçõezinhos e mandando beijos para os policiais filmando. Todo mundo transando essa experiência corporal numa boa – CHUPA, ANOS 90!
Mas chega de falar de sexo e tesão. A marcha saiu mesmo às 16h. Os gritos também variavam bastante, dos “Quem não pula quer censura” ao clássico “Ei, Globo, vaitománocu” impedindo a repórter da Rede gravar suas cabeças. Teve um lindo, que basicamente dizia que era contra homofobia, já que todo mundo quer piroca e putaria.
Enfim, vamos aos pontos altos do rolê: três malucos do MPL (Movimento Passe Livre) terem pendurado uma faixa enorme na fachada do Conjunto Nacional durante alguns poucos minutos antes de serem obrigados, pela segurança interna do prédio, a se retirarem. Foram liberados logo depois, mas a faixa foi tomada, pelo que disseram. “Por que a gente tirou? Isso é uma propriedade privada, e você tá vendo alguma placa na fachada?”, falou um dos seguranças.
Outro: do alto do prédio na esquina da Paulista com a Consolação começaram a voar bexigas coloridas. Muitas mesmo! Foi psicodélico, fofo, e a essa altura já tinha moleque com camisa da maconha subindo em alguma coisa e agitando cartaz “Plante Hemp”. Isso foi meio tenso, já que até a Marcha virar Consolação, não dava pra saber se o pau ia comer – o acordo era não mencionar maconha e afins, e um ou outro pêra com leite de protesto explodiram fogos de artifício (isso não se faz, gente). Mas passado esse ponto, já era. Também teve minuto de silêncio na frente do cemitério por conta dos assassinatos de Zé Cláudio, sua esposa e a testemunha do crime. O som parou, os gritos de guerra, até as conversas. Aí os coxinhas devem ter peidado molhado, porque, né, aquele montão de gente comungando em harmonia…
Num para e continua, com a polícia escoltando e ladeando, chegamos à Praça Roosevelt. Daí o bang já tinha virado Virada Cultural – molecada fumando vários (pfv não mencionar drogas na passeata pela Liberdade), garrafão de vinho et caterva. E os puliça lá, fingindo que não tavam vendo nada. Por ali rolou uma prisão – uns entusiasmados com a zueira pra cima da Globo que não souberam brincar e chutaram o carro de reportagem, heil otários. VALEU, juiz, VALEU, governador.
Todo mundo se dissipou na Praça da República, onde anunciaram uma festa — porém vazia (nosso fotógrafo já tinha vazado um pouco antes, com sua namorada gatinha, e deve ter fotos desse final em algum grande portal da rede mundial de computadores, a world wide web aka internet). Teve projeção ao vivo na fachada de um prédio e o escambau, mas duas horas de caminhada cansam – o trajeto foi enorme, caso não conheça São Paulo. Quem colou, colou, mas era sábado à noite também, hora de se agilizar. Mesmo porque com todos esses boatos de ascensão do conservadorismo político, geral vai ter que sair pra rua outras vezes. Então temos algumas sugestões gestadas durante a caminhada, pras próximas.
A primeira é percurso menor. Porque a esquerda festiva – digo mais, fanfarrona – super curte os botecos, e assim que eles foram aparecendo a partir da Consolação a coesão vai se endoidando. Sugestão de trajeto: Praça da República até a Cracolândia, afinal daí sim dá pra atingir partes interessadas e populares e tal.
A segunda é transformar o lance numa gincana! Pensamos algumas tarefas (algumas delas inclusive cumpridas nesse sabadão), em ordem crescente de pontuação:
– Ficar com alguma pessoa (pelo menos uma, e óbvio: todas as combinações possíveis de gênero tão valendo).
– Inventar e puxar grito de guerra (vale mais pontos se for algo com nonsense aleatório, por exemplo: “_______ [aqui vai um nome de quem você quiser zoar], vai se fuder, a passeata não precisa de você”.
– Pendurar uma faixa gigante num local proibido.
– Passar a mão na bunda dum gambé sem dar pala (essa é recomendada para os proficientes em gaydar)
– Cuecão em gambé sem desencadear repressão (prêmio máximo, com direito à troféu “Ativismo Muleque” e medalha “Warriors”).
Resumindo, foi isso. Sem poesia ou trilha sonora tocante, uma manifestação popular. Bom mesmo que tem gente finalmente aprendendo o que é uma. Ainda que tarde. Ainda que.
POR EQUIPE VICE BR [JOHN MAY LIVES E (RISOS) TAL]
FOTOS POR LUCAS CONEJERO