Fotos por Cait Opperman
Perfil originalmente publicado no THUMP US.
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Magnus August Høiberg começou seu dia questionando a natureza da realidade. É um dia ameno de primavera e caminhamos por uma rua movimentada de West Hollywood, iluminados pelo típico sol amarelado que faz alguém querer se mudar para a Costa Oeste dos EUA. Ele me explica sua atual situação de moradia — alugando um apartamento em Nova York ao qual não volta há cinco meses — e então ele para diante de um crânio infantil cromado na vitrine de uma galeria de arte. Seus cabelos dourados balançam com a brisa. “Será que vivemos em uma simulação?”, questiona.
Antes que eu possa pensar em algo para responder, Høiberg ri e continua caminhando pela Melrose Avenue, rumo a uma cafeteria para tomar um cold brew. Há uma certa animação nos seus movimentos, acompanhados por um sotaque escandinavo caracteristicamente anasalado enquanto este fala sobre sua mais recente obsessão teórica: após ver uma palestra de Elon Musk em vídeo, em que o pioneiro da tecnologia sugere que, a partir de tantos avanços em realidade virtual, há uma chance em bilhões de que não estejamos vivendo em uma versão computadorizada do mundo.
Benny Blanco, amigo e colaborador de longa data, além de proprietário da casa em que Høiberg está hospedado agora, nos aborda na calçada e dá sua opinião: “Esse é o lance dele — simulações e se ele vai pro inferno ou não.”
A franqueza de Høiberg me pega de surpresa. Nosso papo soma-se ao punhado de entrevistas que o produtor deu até hoje e a primeira em pessoa realizada em inglês. Desde que ele começou a produzir música sob a alcunha Cashmere Cat há seis anos, junto veio uma reputação de recluso ao negar a maioria dos convites para entrevistas e esconder seu rosto em boa parte de suas fotos — por mais que suas produções tenham certo charme cartunesco, quase infantil. Mas nada disso descreve-o neste momento. 11 da manhã parece cedo demais para mergulhar nos grandes questionamentos da vida, mas ele trata de tais preocupações com um sorriso sagaz, como o de alguém mais curioso que ansioso.
O produtor traja um moletom cinza, provavelmente um número ou dois maior do que deveria, calças de corrida e um par de All-Stars cano alto. Na cabeça, um boné com o logo do selo experimental Fade to Mind — um traje decididamente confortável que acabo de perceber ser quase idêntico ao usado no tapete vermelho do Grammy deste ano, onde ele e Blanco foram indicados à categoria de Melhor Música de R&B com seu trabalho em “LUV” de Tory Lanez. Durante a caminhada, ele dá uma possível explicação para a velocidade com que seu cérebro funciona. “Now or Never“, colaboração recente com Halsey, foi lançada no dia em que conversamos, e no dia anterior ele encerrou os ajustes finais de seu disco de estreia, 9, lançado em 28 de abril pelas gravadoras Mad Love, de Blanco, e Interscope. Depois de trabalhar 48 horas ininterruptas, o produtor finalmente deu cabo da mixagem e masterização, decidiu a tracklist e entregou o disco. Nove horas de sono depois, ele está pronto para outra.
Mais adiante, Høiberg se aproxima, pega meu gravador e improvisa umas rimas sobre uma loja fechada da Balenciaga da qual passamos pela frente. “Isso foi só a introdução”, diz ao devolver o aparelho, sorrindo. Na cafeteria, um pitbull chamado Tyson lhe chama atenção. Blanco — um pouco mais baixo que Høiberg, mas com cachos que apontam para cima e compensam a diferença — “ajuda” os atendentes do local ao repetir alto os nomes chamados por estes, então instruindo educadamente os clientes ali a não derramarem suas bebidas durante o retorno às mesas. Depois do estresse de terminar o disco, hoje é um bom dia, mas daí você se liga que pelo visto, ultimamente Høiberg tem tido muitos dias como estes.
Høiberg deu início ao projeto Cashmere Cat quando ainda morava na Noruega, combinando synths brilhantes, ruídos e batidas divertidas dentro das quatro paredes de seu quarto. A sonoridade era animada o bastante para lhe garantir vagas em festivais de EDM como o HARD — mas em meio aos synths e drops meio abafados — havia também um quê de introversão ali. Após alguns EPs em selos influentes como Pelican Fly e LuckyMe, o produtor se viu no centro de uma cena que aparava as laterais da dance music e lhe conferia um certo brilho gasoso. Como as produções de seus parceiros de LuckyMe Hudson Mohawke e Rustie, o trabalho de Cashmere Cat tinha a euforia da música voltada para as pistas, mas ainda assim “leve”, como o próprio descreve. “Quando criei aquilo pensava num garoto ou garota sozinho em seu quarto ouvindo aquele tipo de música e não e um monte de gente pirando”, revela.
Tal noção mudou completamente com o passar do tempo. Após Blanco — produtor e compositor que já trabalhou em hits radiofônicos para Kesha e Maroon 5 — ouvir um remix antigo de Høiberg, logo os dois se tornaram amigos e colaboradores, ligados por uma capacidade única de se comunicar quase que telepaticamente. Ao longo de anos, com a ajuda de Blanco, Høiberg teve a oportunidade de atuar como produtor ao lado de alguns dos grandes nomes do pop, especialmente aqueles mais excêntricos, incluindo nomes como the Weeknd, Ariana Grande, Kanye West, Charli XCX e até mesmo Ludacris, entortando de levinho o mundo da música.
9 é sua tentativa de pegar seu trabalho em estúdio e levá-lo para sua carreira solo, com participações de Lanez, the Weekend e Grande, junto de Ty Dolla $ign, Francis and the Lights, Kehlani, MØ, Selena Gomez, Jhené Aiko, e até mesmo a ex-Fifth Harmony Camila Cabello. Com um currículo desses, num dia bonito como esse, fica fácil entender porque diabos o bicho está em dúvida se tudo é real ou não.
A casa de Blanco tem dois andares e conta com janelas de madeira branca abertas para receber o sol da manhã. Chegando lá, passamos por uma mesinha de centro adornada por um colorido tomo chamado The Big Book of Pussy 3D, então vamos para a área da piscina e nos sentamos, cercados por cactos e demais plantas. Aqui, reconheço dois dos personagens recorrentes do Instagram de Høiberg: os buldogues franceses de Blanco, Larry e Disco, correndo pra cima e pra baixo com as linguonas de fora, pouco antes de se deitarem pra pegar um solzinho. A cabeça de Disco estampa a língua de um dos tênis de Høiberg. Høiberg então lhe dá um carinhoso tapinha e começa a falar sobre como seu mundo ficou tão bizarro.
Høiberg nasceu ao final dos anos 80 em Oslo, Noruega. Seu pai trabalhava com TI e a família sempre se mudava, passando curtas temporadas em cidades espalhadas pela Noruega e Dinamarca, bem como uma passagem breve por Austin, no Texas, quando Magnus tinha apenas cinco anos. Sua família não fazia música, mas seu pai tinha um fansite da lendária The Band, tão popular que eventualmente a banda o adotou como sua presença oficial na rede. Uma de suas primeiras obsessões musicais surgiu por conta de sua mãe, que comprou uma cópia de Discovery do Daft Punk em um posto de gasolina durante uma viagem de carro.
“Quando criei aquilo pensava num garoto ou garota sozinho em seu quarto ouvindo aquele tipo de música e não e um monte de gente pirando.”—Cashmere Cat
A família acabou ficando numa cidade a três horas de Oslo chamada Halden, de apenas 29 mil habitantes. Não era exatamente um polo cultural — Høiberg anteriormente disse que não haviam DJs lá e ninguém ouvia hip hop — mas seus pais lhe permitiram investir em seus interesses. No início, isso se traduziu em aulas de piano e teatro, bem como tênis, hóquei e futebol. “Eu fazia de tudo”, comenta, sorrindo. “E era ruim em tudo também”. Mas um de seus hobbies acabou perdurando, após esbarrar em alguns vídeos de DJs na adolescência. “[Meus pais] ficaram bastante preocupados porque de repente eu tinha que comprar esse monte de coisa que custava milhares dólares”, diz.
Sozinho em seu quarto, ele começou a treinar scratches durante horas enquanto buscava na internet e em lojas da região por discos, se aproximando então do hip hop cerebral de artistas como Jurassic 5, Madlib e J Dilla. Estes não eram interesses comuns para um jovem de Halden — o que o distanciava de pessoas da sua idade.
“Não conhecia ninguém que se interessava por esse lance de DJ e scratches” disse. “E os caras que gostavam de hip hop me batiam. Tinha um cara na escola que curtia Tupac e lembro que uma vez ele estava ouvindo ‘Cold as Ice’ do M.O.P., passei por ele e comentei que era um som massa, então o cara me deu uma cabeçada. Eu apaguei”.
A música era um passatempo solitário, mas logo ele encontrou um jeito de torná-la mais sociável, ao participar de competições com DJs da região. Sua mãe o levou na primeira, onde tomou um pau ferrado de um DJ que deixou o público em chamas com uma versão virtuosa de “Breathe” do Fabolous. Høiberg voltou no ano seguinte trajando um agasalho Rocawear (“Eu tinha subido o nível mesmo”, relembra) e se saiu um pouquinho melhor. Em 2006, apresentando-se como DJ Final, ele ganhou uma competição nacional norueguesa e então se viu representando seu país durante o DMC World DJ Championships — a maior competição do tipo no mundo, da qual gente como A-Trak e Hudson Mohawke já participaram. Ele participou do evento mais três vezes, inclusive chegando ao quarto lugar numa destas vezes.
Depois de um tempo, o ritmo das competições cansou. “Meio que arrumei minha primeira namorada”, diz “e seja lá qual fosse meu nível de habilidade técnica naquele momento, bem, foi pro saco”. O DJ começou então a cultivar outros interesses, decidindo que seu tempo poderia ser melhor gasto de outras formas. “Eu queria ser uma pessoa de verdade”, explica. “[Scratch] é algo que você não ouviria nunca, saca? É legal e tal, mas imagina só se um solo de guitarra fosse sua vida por seis anos. Você ficaria louco”.
Com a esperança de começar sua própria produção, o ex-DJ então comprou um AKAI MPC1000 — equipamento comum para batidas com base em samples — e ficou tão ligadão na coisa que simplesmente quebrou os botões do aparelho em dois meses. Seus primeiros esforços eram simples criações com base nos produtores colagistas de hip hop que idolatrava. “Fazia umas dez batidas por dia”, comenta. “Tentei comprar o mesmo equipamento que essa galera e samplear os mesmos artistas”.
Mesmo assim, a parada não engrenou até ele se deparar com um vídeo do A-Trak, um de seus heróis de outrora, tocando em meados dos anos 2000. A-Trak ainda tocava rap e fazia seus scratches ao mesmo tempo em que abria espaço para esquisitices vindas da Ed Banger. “Eu nunca tinha ouvido aquilo na vida, mas ele botava pra rolar de uma forma que eu conhecia”, relembra. “Ele metia uns scratches num disco do Mr. Oizo e a galera pirava. Era tipo um show, não uns dez manos de moletom te olhando sem expressão.”
Sendo assim, Høiberg decidiu criar faixas que gerassem confusão semelhante. Ainda sob a alcunha DJ Final, seus esforços iniciais se aproximaram do auge do bloghouse — primeiro era “Justice de mentirinha” e então “Gesaffelstein de mentirinha”. “Eu encontrava algum ídolo e tentava copiá-lo no máximo possível”, comenta. Com o passar do tempo, Høiberg cansou de não atender aos seus altos níveis de exigência e então começou a criar aquilo que descreveu pra mim como “zoeira”. Ao perceber que poderia replicar faixas de grupos como o Swedish House Mafia “em, tipo, três segundos”, o produtor começou a criar composições que tiravam uma com a cara do EDM, uma tendência nascente na época, publicando tudo no SoundCloud sob o pseudônimo Katten, “gato” em norueguês.
Não demorou muito para que ele tentasse o mesmo com o R&B. Ele buscava reproduzir as batidas macias e harpas brilhantes presentes em faixas de Jeremih ou R. Kelly — mas com uma ou outra coisinha ali só pra deixar tudo mais torto, mandando uns climas EDM e umas batidas meio Jersey club. Ele achava tudo muito engraçado, mas quando mostrou suas criações a alguns amigos, as reações foram bem diferentes. “Uma amiga chegou a dizer que era uma das coisas mais bonitas que ela já tinha ouvido”, comenta em meio a gargalhadas.
Por volta da mesma época, Høiberg foi a um show em Oslo e foi surpreendido por um DJ local tocando uma de suas faixas do tipo. “Fiquei tipo ‘que que tá pegando?’. Esse cara toca excelente dance music e tem um som meu rolando ali”, disse.
Depois de certo ponto a coisa toda deixou de ser piada. Høiberg passou a atender por Cashmere Cat em 2011 e começou a remixar suas faixas favoritas naquela pegada mais soft e também a criar material próprio — parte deste acabaria aparecendo em seu disco de 2012 via Pelican Fly, Mirror Maru.
A síntese do EP de andamentos R&V, dinâmica de dance music e sintetizadores dignos de Candy Crush cimentaram uma estética onírica que inspiraria legiões de produtores no SoundCloud. Passados cinco anos, ainda há algo de perigoso na maneira como que ele combinava tudo disso — como se as músicas não fossem doçura pura e sim uns quebra-queixos que te arruinariam os dentes caso não tomasse cuidado.
“O cérebro dele funciona bem diferente do meu, do seu e do de qualquer um que você já tenha conhecido.”—Benny Blanco
Ao passo em que pedidos de entrevistas começaram a aparecer, Høiberg manteve-se distante. Ele não aparecia nas suas próprias fotos de divulgação, muitas vezes enviando fotos de amigos seus; ele também não dava entrevistas, o que considerava bastante prático. “Eu não tinha nada a dizer”, comenta. O produtor seguia morando na Noruega e sua música nunca havia recebido atenção para além daqueles mais próximos. Logo, porém, não lhe faltaria assunto.
Benny Blanco ouviu o material de Høiberg pela primeira vez quando estava de férias na Virginia, dirigindo por aí com um de seus agentes e um amigo de longa data, que tinha botado pra rolar alguns remixes de canções pop. “Ele me mostrou um remix de Jeremih e todo mundo no carro ficou meio ‘Que que é isso?’” diz Blanco ao telefone, algumas semanas depois de minha entrevista com Høiberg. Na semana seguinte, ele levou o produtor até Los Angeles.
Com exceção dos tempos que viajava para participar competições, a música era uma atividade solitária para Høiberg — algo a ser feito na privacidade de seu quarto. Conhecer Blanco mudou tudo isso: enquanto dupla de criação e produção, um preenche o vazio deixado pelo outro. O trabalho de Blanco mostra uma tendência natural na criação de progressões de acordes e melodias, enquanto Høiberg consegue, nas palavras de Blanco, transformar aqueles acordes em algo “que você nunca ouviu na vida”.
Logo de cara, Blanco o colocou diante de grandes nomes. Durante sua primeira semana em Los Angeles, Blanco o levou para dentro do estúdio com o Maroon 5.
Vale mencionar que não foi um ambiente com o qual Høiberg se sentiu confortável de primeira. Ao telefone, Blanco relembra de uma sessão que fizeram com Rick Ross quase seis meses depois. “Fui ao banheiro e Magnus estava lá chorando e passando uma água no rosto”, lembra. “Perguntei se ele estava bem e ele disse que estava meio que hiperventilando e também que ‘Você não me disse que DJ Khaled estaria aqui. Estou sem chão’.”
Dali em diante, tudo fluiu rápido. Em 2014, Høiberg mudou-se para os Estados Unidos, primeiro para um apartamento de Blanco em Nova York — e quando foi hora de arrumar seu lugar, acabou em um flat no mesmo prédio, um andar acima. Logo após se conhecerem, Høiberg foi parar no estúdio com o próprio Jeremih, graças ao Blanco, no que acabou se tornando “Party Girls”, single de 2014 de Ludacris que chegou ao top 40 nas paradas de Rap e R&B da Billboard. Naquele mesmo ano, Høiberg lançou outro EP, desta vez pela LuckyMe; veio então uma série de colaborações com grandes nomes, culminando na participação do produtor e seu parceiro da Pelican Fly, Sinjin Hawke, em “Wolves” de Kanye West, a quem Høiberg descreve como “possivelmente meu artista favorito de todos os tempos”.
O ciclo de uma de suas primeiras obsessões no mundo da música se fechou quando ele acabou participando do mesmo disco que o Daft Punk, ainda que não tenha trabalhado diretamente com a dupla. No ano passado, Høiberg ajudou a produzir quatro faixas do disco Starboy de the Weeknd em que o duo robótico também colaborou. Ao comentar as gravações, Høiberg lembra que foi dureza; após semanas trabalhando das 11 às 5 da manhã do dia seguinte, ele afirma ter desenvolvido uma habilidade única de saber quais restaurantes ainda estão abertos na alta madrugada. Apesar de tudo, o produtor se anima ao lembrar de quando viu Thomas Bangalter no estacionamento certo dia.
“Normalmente quando faço uma pausa, pego minha scooter pra dar uma volta e uso o celular ou algo do tipo”, diz. “Certo dia vi Thomas em um conversível e simplesmente travei. Tinha medo de falar qualquer coisa pro cara porque ele é tipo… Jesus. Fiquei olhando ele ali e então fui embora na minha motoquinha.”
Ainda assim, aos poucos Høiberg vai se soltando nestes ambientes — e ao navegar pela indústria musical como um todo. Ao longo dos últimos anos ele começou a dar as caras em fotos para a imprensa; quando nossa fotógrafa apareceu, ele comentou diversas vezes que queria ficar meio “Zaddy” (em referência à Ty Dolla $ign) e até sugeriu ser fotografado enquanto escova os dentes. Durante a conversa, o produtor hesita em traçar ligações diretas entre sua vida e obra, mas mesmo assim não há assunto algum que pareça ultrapassar qualquer limite. Ele amadureceu, ou ao menos se sente mais à vontade ao se mostrar como o apatetado que sempre foi.
“Seus pais vieram visitar seis meses depois de sua chegada em Los Angeles”, conta Blanco. “E eles diziam coisas como ‘Meu deus, não acredito [o quanto] você mudou Magnus; ele é tão extrovertido agora’. Em meio às gravações ele chega tipo ‘Ei Ariana Grande, por que você não faz assim?.”
9 é um registro dessa recém-encontrada confiança e de seu compromisso em atrapalhar as engrenagens da máquina pop. Após anos trabalhando com vocalistas, ele percebeu que queria que seu primeiro disco demonstrasse esse lado seu também, então ao longo de suas 10 faixas ele pega alguém como Camila Cabello do Fifth Harmony e põe do lado de um produtor experimental como SOPHIE.
Em outra faixa, “9 (After Coachella)” – colaboração com SOPHIE e MØ— ele interrompe uma apaixonada faixa pop com um drop metálico agressivo que fica ainda mais absurdo por conta do fato de que uma das batidas é claramente um latido distorcido, (suspeita confirmada no lyric video, que aponta como o Larry como dono do voz canina).
Produtores de dance music com ideias diferentonas sempre estiveram envolvidos em grandes singles pop, mas 9 é diferente. Em vez de a sonoridade se render ao vocalistas, ela os traz para seu mundo único e vibrante — colocando gente como Cabello em cima de batidas profundamente estranhas e estranhamente emocionantes. É como se ele tivesse aberto uma fenda para outra realidade em que a rádio FM é mais incomum — soando tão estranha para quem vem do pop quanto para quem veio do rolê das casas noturnas.
“Algo em mim simplesmente ama a ideia de um menino ou menina no carro com a mãe indo pro treino de futebol com a mãe e se animando tipo ‘Ah, uma música nova da Camila Cabello’ e aí brrrrááááá bum. ‘Que que tá acontecendo?’.”
Quando chego na casa de Blanco e Høiberg no dia da entrevista, a vizinhança estava calma, com exceção do barulho de palmeiras ao vento na rua, mas enquanto esperava por eles no portão da frente, notei alguns sons vindo da janela de cima: alguns segundos de violão pontuados por uma linha de synth meio embolada e então o violão de novo. Cada trecho durava segundos, indicando o playback detalhista que só surge quando você está mergulhado de cabeça em uma produção.
Algumas horas depois, a faixa parece ter se moldado um pouco mais. Fora a nossa ida à cafeteria, Blanco passou o dia no estúdio trabalhando em cima de uma nova faixa de Tory Lanez. Após passar um tempo batendo papo na piscina e recebendo um amigo, Høiberg decide que é hora de se juntar a Blanco, então sobe as escadas, passando algumas plantinhas, rumo ao estúdio no segundo andar da casa.
Dentro, as paredes são forradas por fotos de Nick Cave, Lou Reed e do finado astro da luta-livre Mr. Perfect. Høiberg aproveita para dar um tchau para o seu amigo que está indo embora, mandando-o primeiro tirar a camisa, coisa que este não faz, e então o ordena a dar um mergulho.
Høiberg bota um colchão no chão bem no canto do cômodo. Blanco está sentado detrás de uma mesa, olhos fixos em uma tela de LCD gigantesca na parede, mostrando as muitas faixas coloridas de uma linha do tempo no ProTools. Após deixar a música de Tory Lanez tocar por um segundo, ele chuta uma pilha de roupas que estava debaixo da mesa e me implora para mencionar que as meias que usa hoje talvez tenham sido roubadas de Høiberg. Ele vai em direção a um dos muitos sintetizadores pendurados na parede e começa a passar por diversas sonoridades, enquanto Høiberg narra cada movimento.
“Benny Blanco ajoelha diante de um teclado…”
Em determinado momento, a conversa para. Blanco repete um segmento de dez segundos da faixa — com a voz sem corpo de Lanez, cantando sobre uma noite solitária — por diversos minutos, mexendo nas camadas de percussão ali presentes. Høiberg passa a maior parte do tempo sentado em silêncio, balançando a cabeça no ritmo da batida. Durante certo ponto ele imita uma bateria, que Blanco logo reproduz e olha para ele pedindo por confirmação: “Tipo assim?”.
“Sim, só que bom”, diz Høiberg.
O loop se repete, desta vez um pouquinho diferente de antes.
Esta sessão é um lembrete de quem nem todos os dias são de glamour para um músico de sucesso, mesmo para aqueles que passam bom tempo em estúdio com estrelas. A maior parte das tardes — mesmo as boas — se passam em casa, mexendo em pequenos fragmentos de som durante horas.
Høiberg e eu vamos a uma casa de hóspedes no fundo da casa, onde ele afirma ter criado algumas das primeiras demos de 9. Trata-se de um único quarto escuro, vazio com exceção de alguns papeis de parede florais e outro colchão no centro do piso. Ele explica que ao passar algum tempo com o produtor e compositor californiano Francis and the Lights — trabalhando no seu disco de 2016 Farewell, Starlite! — lhe foi apresentado um plugin de software conhecido como prismizer, que transforma quaisquer notas instrumentais ou vocais em uma harmonia caleidoscópica. “É, essencialmente, um autotune polifônico que você pode usar como um teclado”, explica.
Tal efeito tem sido alvo de interesse daqueles que trabalham às margens do pop — gente como Bon Iver e Frank Ocean — e que acabou sendo essencial para a criação de 9. Isso em partes porque as harmonias criadas parecem integrar as paisagens de neon conjuradas pelo som de Cashmere Cat e também porque fizeram parte da espinha dorsal de uma das primeiras faixas do disco. Uma das primeiras coisas que Høiberg gravou usando o plugin foi uma versão preliminar de “Wild Love”, composta por batidas suaves e corrosão vocal downtempo que soa como uma faixa de R&B transmitida pela sonda Voyager. Ele pediu ajuda a Francis em determinado momento e a dupla passou quatro horas ali brincando com o prismizer, fazendo acrobacias com o vocal de Francis.
“Foi como aprender um instrumento novo”, comenta entusiasmado. “Gosto mesmo de adotar um som num disco e ‘Wild Love’ foi a primeira faixa em que senti isso.”
O prismizer aparece em outras faixas lentas do disco, oferecendo pinceladas de cor em momentos mais cinzentos — como na faixa que abre o disco “Night Night”, usado para dar mais cor aos vocais de Kehlani, convidada do disco. Mas a ferramenta é só mais uma prova do que fez a música de Høiberg grande desde o começo: uma recusa em seguir sonoridades ou estruturas comuns. Quando falo com Blanco ao telefone depois, ele fala empolgado do lado aventureiro de Høiberg. “Ele faz coisas que os outros simplesmente não fazem. Ele pega [o som de] uma moeda caindo, distorce e transforma numa harpa ou sei lá o que. O cérebro dele funciona bem diferente do meu, do seu e do de qualquer um que já tenha conhecido”, comenta.
Se arriscar tem dado certo para o produtor até então: foi essa atitude que o levou até Los Angeles, até Blanco e aos seus ídolos. Por que seu disco de estreia seria diferente? Agora ele afirma que tal busca significa fazer coisas como falar comigo e aparecer mais. O produtor afirma que a coisa mais assustadora na qual está trabalhando agora é o clipe de “9 (After Coachella)”; após quase seis anos de trabalho, será o primeiro clipe em que ele aparece de verdade. “Não sei pra que me esconder mais”, diz, amassando os restos de um Chia Pod que acaba de botar pra dentro.
Ainda assim, ele suspira e inclina-se para frente quando pergunto sobre a história por trás da música. Ele não explica o significado do número 9 ou porque o nome do disco foi alterado mesmo após ter sido anunciado como Wild Love. “Não é bem um segredo, eu te contaria mesmo, só não sei se tenho uma boa resposta pra isso”, diz.
Depois de algumas leves cutucadas, ele fala sobre a música em si, que surgiu — como o título sugere — após o megafestival em Indio, Califórnia. Ele estava no final de uma longa turnê, exausto e feliz porque ela chegava ao fim, conversando com uma moça pela qual se sentiu atraído no backstage, mas acabou esquecendo seu nome e quaisquer outras informações sobre ela na loucura pós-show. De volta ao hotel, o produtor buscou a mulher na internet, sem sucesso, chegando ao ponto até de criar um perfil no LinkedIn na esperança de encontrar a empresa na qual ela trabalhava. No final das contas, ele conseguiu aquele que acredita ser seu email de trabalho e decidiu enviar uma mensagem porque sabe Deus o que poderia rolar, né?
“No final das contas, me senti um imbecil por ter ido tão a fundo atrás de alguém na internet por tanto tempo talvez para nada”, diz. Daí ele decidiu fazer uma música, que é algo que ele sabe fazer.