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A luta para ser esquecido pelo Google

Fazer uma ego search no Google é um troço curioso. É, talvez, a tarefa online que mais se aproxima da vida não-virtual: não temos controle algum sobre o que vai se passar por ali.

No meu caso, assim como o de muitos outros colegas, vejo nos resultados várias coisas que não gostaria sobre mim. E não estou falando da minha carreira frustrada de youtuber — esses vídeos tive o bom senso de apagar anos atrás. Trato de coisas como uma publicação do Diário Oficial que me acusa de dever a grana de uma multa. (Em minha defesa: já paguei. Com atraso, mas paguei.)

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Essa minha pendência não me trouxe nenhuma dor de cabeça direta, mas não é a coisa mais confortável do mundo saber que qualquer pessoa pode ter acesso a essa informação. Afinal, ninguém precisa saber dessas coisas, certo?

Esse pensamento é compartilhado por muita gente que conheço. O caso mais emblemático talvez seja o da promotora acusada de fraudar um concurso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2006. Inocentada, ela entrou com uma ação na Justiça pedindo que seu nome fosse desindexado das buscas que ligassem seu nome ao crime. E conseguiu: no último dia 8 deste mês, com decisão apertada no STJ, três votos a dois, a Terceira Turma do tribunal decidiu que a promotora tinha direito de ter seu nome removido em plataformas como Bing, Yahoo e Google nas buscas com o tema “fraude em concurso para juiz”.

Foi uma vitória e tanto. E um dos pontos que chamou a minha atenção na decisão do tribunal foi a argumentação com base na tese do “direito ao esquecimento”. Era uma nova esperança. Quer dizer que minha multa não paga na data certa poderia voltar a ser um segredo só meu?

Segundo me explicou Sérgio Branco, diretor do Instituto de Sociedade e Tecnologia (ITS Rio), não é bem assim. A noção de direito ao esquecimento que está sendo discutida agora é, na verdade, um “direito à desindexação”. Para ele, esse tipo de decisão é problemática pois “transfere para o Google, e outros serviços privados, a decisão do que pode ou não ser acessível, embora a informação na raíz continue lá”.

Além disso, difamação pura e simples começa a querer entrar neste guarda-chuva de direito ao esquecimento. Quanto a isso, uma busca rápida por projetos de lei que tratam da questão, em especial de crimes contra a honra de pessoas públicas, mostra que nos últimos quatro anos pelo menos cinco projetos de lei foram apresentados. O primeiro, de 2014, chamou bastante atenção por ser de autoria do então deputado Eduardo Cunha, hoje detido por crimes de corrupção.

Segundo explicou Branco, o texto era um prato cheio para políticos reescreverem a própria história. “Quando a gente fala de direito ao esquecimento, o interesse público é um elemento fundamental, que a gente não pode esquecer jamais, porque ele vai ser o fiel da pra nos dizer se aquela informação merece ou não ser protegida”, comentou.

Para ele, a maioria desses projetos de lei é ampla demais e permitiria que o direito ao esquecimento que fosse aplicado de maneira indiscriminada. “E isso certamente acarretaria muitos prejuízos não apenas a liberdade de expressão, mas a democracia e à preservação da história”.

Essa tese existe bem antes da internet ser o que a gente conhece hoje. Em 1969, na Alemanha, três homens mataram quatro soldados e deixaram um gravemente ferido em um arsenal, o objetivo era roubar armas e munições. Presos, dois dos criminosos foram condenados a prisão perpétua, o terceiro foi condenado a seis anos de reclusão, mas sua pena foi extinta antes, em 1973.

Há poucos dias antes de sair da cadeia, uma emissora de televisão pretendia exibir um documentário recontando o crime e nele divulgava o nome de seus autores. Esse terceiro homem entrou com uma ação na justiça pedindo que o documentário não fosse ao ar, pois isso prejudicaria sua reinserção na sociedade. O argumento foi acatado pela justiça alemã e o programa não foi exibido na época.

Branco comentou comigo que este caso têm as bases da discussão sobre direito ao esquecimento em sua concepção mais clássica. “Nele a gente discute fatos verdadeiros, algo que realmente aconteceu, mas o tempo passou e a existência dessa informação pública depois desse tempo pode causar um prejuízo a intimidade e a privacidade das pessoas”, diz.

O Brasil também teve outras casos emblemáticos: pessoas que quiseram não ser lembradas por justificar que isso poderia prejudicar a vida delas. Um dos casos que mais chamou a atenção aconteceu nos anos 2000, quando o programa da rede Globo, Linha Direta – Justiça, fez uma reconstituição da Chacina da Candelária, ocorrida em 1993.

A reconstituição do crime feita pelo programa revelava o nome de um homem que foi preso e acusado de participar da ação criminosa, mesmo tendo sido inocentado e negando-se a conceder entrevista ao programa. Com isso, com o argumento que a emissora violou sua privacidade e prejudicou sua vida profissional, ele entrou na Justiça com uma ação contra a emissora. Em 2013, a Globo perdeu essa ação no STJ, que reconheceu seu direito ao esquecimento.

De lá para cá, com a construção de uma memória extensa sobre tudo na internet, o direito ao esquecimento se tornou crucial. Mas como fazer isso de maneira equilibrada? Como não cair na armadilha da censura?

A resposta para essa questão dada pelo diretor do ITS Rio é bastante clara: liberdade de expressão e privacidade precisam estar em equilíbrio Essa decisão têm que ser feita caso a caso e só o poder judiciário, da mesma forma como se vê no Marco Civil da Internet pode tomar essa decisão. “Não vejo outra solução, por mais lento, equivocado que esse poder possa ser, ainda é a solução mais segura.”

Então, não há muito milagre: para remover algo seu das buscas, é necessário enfrentar anos de briga judicial.

Mas uma egosearch de vez em quando pra sacar o que falam sobre você pode não ser má ideia. Só cuidado pra não se empolgar demais.

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