Biografia de Zé Rodrix o apresenta como mentiroso e incomoda filho do músico

O Ruy Castro, que já biografou Garrincha, Nelson Rodrigues, Carmen Miranda e fez fama no gênero literário, costuma comentar que o biografado ideal “seria aquele que, em vida, foi órfão, filho único, solteirão, estéril e, com todo respeito, brocha”. Podemos concordar que este personagem é muito difícil de encontrar e isso torna a vida do biógrafo um pouco complicada.

E inúmeras vezes o resultado entre biógrafo e família do biografado termina diante de um homem de toga. Ruy Castro, por exemplo, foi processado pela família de Garrincha por falar que o pau do falecido jogador era grande. Pedro de Morais, que escreveu Lampião, o Mata Sete, também foi processado pela família do cangaceiro por afirmar que ele seria gay e sua companheira, Maria Bonita, adúltera. Toninho Vaz, que estará nos próximos parágrafos, também já foi processado. A família Paulo Leminski entrou com uma ação contra o autor por um trecho em que ele detalha o suicídio do irmão do poeta.

Videos by VICE

Enfim que chegamos, com algum preâmbulo, ao tema deste texto. Em janeiro deste ano Toninho Vaz lançou a biografia O Fabuloso Zé Rodrix, que se presta a contar a vida de José Rodrigues Trindade, um dos artistas mais inquietos da música e da publicidade brasileira. A obra do biografado passa por projetos inspirados como a banda Som Imaginário, o trio Sá, Rodrix e Guarabira, o Joelho de Porco e uma carreira sólida como intérprete e compositor. É de Zé Rodrix, em parceria com Tavito, “Casa no Campo”, canção que se tornou imortal na voz de Elis Regina. Ele assina também a brilhante trilha sonora do filme Esquadrão da Morte , de Carlos Imperial.

A biografia, que mostra a relação do biografado com a maçonaria, se norteia por três grandes momentos na vida de Zé Rodrix, que o autor elenca como as três mortes do músico. O falecimento de Elis Regina, em 1982, que fez com que o músico se afastasse dos palcos por praticamente 20 anos (sua única experiência musical era o Joelho de Porco, que ele considerava um hobby).

Capa do livro

A segunda morte veio com o óbito de Tico Terpins, seu sócio na premiada agência de publicidade A Voz do Brasil e parceiro no Joelho de Porco, em 1998. O autor afirma que a situação levou Zé Rodrix novamente a uma profunda depressão e posteriormente a um vício em internet ainda naquela fase embrionária. Há inclusive um texto escrito pelo próprio músico sobre sua obsessão pela tela do computador.

A terceira morte é aquela que aconteceu no dia 22 de maio de 2009 e levou Zé Rodrix aos 61 anos.

Outro ponto muito importante, e o que dá início ao livro, é um traço, que segundo o autor, determinava a conduta de Zé Rodrix: a mitomania, hábito de mentir ou fantasiar. Toninho Vaz afirma. “Eu descobri com o depoimento de mais de dez pessoas. Todas elas ratificaram esse estigma dele como fabuloso”. Daí que vem o título da biografia.

O autor cita duas passagens que exemplificam sua teoria sobre Zé Rodrix. “Ele gostava tanto da Bahia, porque o pai dele era baiano, que em duas ou três entrevistas ele disse que era baiano. Ele nasceu no Rio de Janeiro, eu achei a Certidão de Nascimento dele e testemunhas oculares do nascimento dele. Ele disse também que era advogado, ele não era advogado. Ele entrou na Faculdade Cândido Mendes e mal terminou o primeiro ano.”

E atribui à mitomania sua maior dificuldade para biografar Zé Rodrix.

O publicitário Tunico Rodrix, o quinto dos seis filhos de Zé, não bateu legal com a afirmação. “O foco do livro pra mim é um problema. Isso me incomoda por desqualificar. Acho uma pena que ele tenha utilizado esse recurso. Se fosse uma coisa que ele cita no livro, poderia ser encarada como uma interpretação dele, mas basear a narrativa toda nisso é algo bem delicado.”

Tunico fala ainda sobre a dificuldade de ouvir do biógrafo. “Eu sentia que ele [Toninho] não ouvia. Ele já vinha com ideias prontas. Ele deixou para falar com a família por último e eu sentia uma tendência nas perguntas que ele fazia. Isso já não me agradou.”

Toninho Vaz não soube precisar quantas pessoas ele entrevistou para a biografia, que demorou dois anos entre apuração, pesquisa entrevistas até o texto final, mas conta que entrevistou todos os filhos de Zé Rodrix e quatro de suas cinco companheiras em vida. Tunico discorda. “É impossível ele ter falado com toda a família, porque tem duas ex-mulheres do meu pai que estão com Alzheimer, o que dificulta a conversa.”

O filho de Zé, que se considera o mais crítico em relação à biografia, afirma ainda que “é mais um livro sobre o próprio Toninho do que sobre o meu pai. Ele faz isso, escreve essas biografias e é meio uma coisa de brilhar pelos outros. Na entrevista dele para o documentário dá para ver que ele fala do quanto aquilo foi bom para ele, importante para ele. A entrevista dele é muito em cima disso.”

Como ponto positivo do livro sobre seu pai, Tunico afirma. “A parte das mortes ele foi descobrindo. Eu achei interessante, gostei. As histórias, os fatos, tudo isso é bem interessante e é o que me agrada no livro. A parte de descobrir coisas que eu mesmo não conhecia e no caso do meu pai é uma coisa que acontece bastante.”

O incômodo do filho de Zé Rodrix revela o outro lado da biografia, aquele das pessoas que estão próximas ao biografado, que enxergam a vida de quem é retratado sob um outro prisma e que, até por instinto, querem preservar a memória de seu familiar. Neste caso, Tunico não reconhece no pai um mentiroso contumaz e sim um contador de histórias. Toninho Vaz colheu algumas dessas fábulas e encabeçou um livro inteiro com uma uma avaliação, digamos, clínica em cima de histórias que ouviu falar.

O desfecho entre o biógrafo e a família de Zé Rodrix não deve acabar em tribunais, como tem sido comum em biografias no Brasil. “Tentamos colaborar o máximo possível, se ele não tirou proveito aí fica além da nossa capacidade”, conta Tunico. Mas isso não exime o escritor do amargor de contar a história de uma pessoa que foge completamente ao perfil do biografado ideal de Ruy Castro. O músico e compositor não era órfão, foi casado cinco vezes, estava longe de ser estéril e teve seis filhos. Alguém haveria de se incomodar com alguma coisa.

O livro, de 325 páginas, saiu pela Editora Olhares e está a venda nas livrarias de todo o País.

Leia mais no Noisey, o canal de música da VICE.
Siga o Noisey no Facebook e Twitter.
Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.