Não há nada de muito linear no sexto disco de estúdio do produtor britânico Simon Green, vulgo Bonobo. Intitulado Migration¸ o LP de 12 faixas lançado pela Ninja Tune nesta sexta (13) é um álbum desconexo que passa por diversos estilos — de cordas sufocantes e melancólicas à loops de batidas breakbeat frenéticos — de uma forma tão caótica que é difícil não ficar aturdido.
Mas até aí não há nada de óbvio e linear no ato da migração também. Quando você se muda para outro país, a antecipação por novos pastos e aventuras é natural, mas deixar para trás a confortável familiaridade do lar de outrora pode ser agridoce. Green, aos 40 anos, tem morado em vários lugares ao longo destes últimos anos. Ele deixou o Reino Unido em busca de Nova York em 2010 e então foi para Los Angeles em 2015, onde vive atualmente. Ao longo de sua criação, Migration acabou sendo uma maneira de capturar a estranha tensão desse período; trata-se de uma exploração vacilante das emoções e solidão da vida de um cidadão do mundo.
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“Me sinto muito à vontade aqui [em Los Angeles], mas não sei o que isso pode significar para o futuro”, declarou Green ao THUMP em ligação telefônica direto de seu lar. “Quanto mais tempo você passa em um lugar, mais ele se torna parte de você.”
Composto durante o período de luto pela perda de um familiar, o sucessor de The North Borders, de 2013, tem toques de profunda melancolia que se destacam ainda mais agora que Green não está mais próximo de sua família. “Grains” é uma faixa rica em texturas e reflexões. Em contraste, o primeiro single do disco, “Kerala”, que toma como base um sample vocal do sucesso “Baby” de Brandy, lançado em 1994, é muito mais animada e está relacionada ao magnetismo eletrizante de começar tudo de novo em um lugar diferente. Faixas como “Ontario” lembram mais o tom pastoral-electro do disco de estreia de Green Animal Magic, de 2000, passando a ideia de que mesmo nômades seguimos fieis às raízes.
Batemos um papo com Green sobre Migration (que você pode ouvir no player abaixo), voos intercontinentais e como se mudar pode mudar também sua visão de mundo.
THUMP: O título do álbum é Migration. Me fala o que isso significa pra você.
Simon Green: Caso um disco tivesse esse nome há cinco anos, as conotações seriam outras, mas creio que seja político o quanto precisa ser. Antes de tudo, é mais uma estética do que um estudo, é música instrumental, então não é uma obra narrativa como poderia ser caso eu fosse cantor ou compositor.
Nestes últimos cinco ou seis anos após sair de Londres, tenho lidado com o tema de sair de um ponto a outro e o efeito que isso causa nas pessoas. Minha família e amigos estão espalhados pelo mundo, mas sempre encontramos estes ancoradouros onde quer que voltemos — seja Nova York, Los Angeles ou Londres. Esses locais que, de alguma forma, estão ligados. Trata de como as pessoas podem viajar de uma cultura a outro lugar e deixar um rastro cultural neste espaço.
Como se mudar moldou sua perspectiva do mundo e seu próprio senso de identidade?
Agora estou mais ciente de como minha cultura — ou a cultura que me cerca — é encarada nos lugares em relação a como outras culturas são encaradas em outros lugares. A realidade do que isso significa para certas pessoas. Com 10 anos na estrada, pude ver várias perspectivas diferentes de mundo. Tenho o benefício de ter atingido esse equilíbrio, o que tem sido muito importante.
Los Angeles será seu lar permanente?
Me sinto muito à vontade aqui, mas não sei o que isso pode significar para o futuro. Não tenho mais família no Reino Unido — o que me resta lá são amigos e o fato de ser onde eu vim. Mas e aqui, por que estou aqui? Fora o fato de parecer o lugar certo para se estar.
É um período esquisito para os Estados Unidos agora. Dá pra morar num lugar que seguiu um caminho tão esquisito? Vai saber, se chegar ao ponto do país começar a andar pra trás ou apoiar qualquer opressão então não dá pra apoiar isso e se dizer feliz por estar aqui.
Como estas mudanças afetaram seu processo criativo?
Sempre fiz tudo em estúdio, até que neste disco optei pelo Ableton e pude gravar num notebook junto de um acervo de samples. Acho que a mentalidade também é importante na hora de fazer música. Minhas referências estão mudando o tempo inteiro e preciso ajustá-las ainda mais a depender do ambiente onde estou, que pode muito bem ser o embarque de um aeroporto às 7 da manhã, de ressaca.
Fiz uma das faixas, “Break Apart” num voo de Miami a Los Angeles. Estava meio deprimido ali, mas quando revisitei aquela música estava em outro momento, em casa, em um lugar mais confortável e não consegui mais voltar àquele estado. Muitos dizem que a melhor maneira de se criar é estando à vontade, mas não tenho certeza disso. Estar inacreditavelmente cansado, em um lugar do mundo em que você não quer estar pode energizar suas ideias bem mais. E este disco certamente nasceu em meio a estas situações, ao menos nas partes meio agitadas.
Algumas faixas são bastante melancólicas.
Com certeza o álbum se divide em diversos elementos. Há um lado mais reflexivo, que rolou em casa. Estar em turnê pode ser muito polarizante — você está ali vendo gente o tempo todo em um situação hiper-socializada, daí de repente volta pra casa no estúdio e fica isolado por longos períodos.
Compus “Kerala” durante uma turnê em 2014, pensando que tocaria naquela mesma noite, então compunha coisas que funcionariam na pista, então quando voltei para Los Angeles após a turnê e sosseguei, tudo que tinha sido acumulado ao longo dos últimos anos caiu sobre mim em uma onda de esquisitice. Foi uma época de reflexão de onde surgiram as sonoridades mais melancólicas e cinemáticas. É um disco dividido no sentido de que é bastante energizado pelo fato de ter caído na estrada, de ter tido tempo para processar o que rolou naquela época.
Uma das faixas, “Break Apart’, foi composta em uma viagem de avião — você acha emocionante voar?
Sim! Você acaba chorando com filmes da Pixar. Acho que tem algo a ver com a pressão do ar ou o que seja; há uma razão biológica pra isso, coisa que só percebi recentemente por encarar aquilo como um período de reflexão. Você está ali no avião, esteve em um lugar e fez coisa tal e então vai para outro lugar e é um bom momento para parar e pensar e você acaba ficando meio emotivo. Mas não, é biologia pura.
Tradução: Thiago “Índio” Silva